Cultura

Nara Leão: 80 anos

 

Voz suave, rosto simétrico, cabelo Channel, cool, artista multifacetada

Nara Leão

Uma mulher além do seu tempo

 Ela morreu em 1989, aos 47

 1942 _ 2022

Renato Dias

A sua voz era suave. Já o seu look moderno. Registro: os cabelos  Channel. As minissaias com os belos joelhos à mostra. O toque singular no violão. À época um instrumento musical masculino. Cool, ela virou mais do que a musa de um gênero. A própria música da Bossa Nova.. Mulher além do seu tempo, sim. Ela  revolucionou as artes, a cultura, o comportamento e desafiou a ditadura civil e militar. Uma reverência a cantora Nara Leão.

 

A banda

Chico Buarque

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

 

Filha de Jairo Leão e de Altina Leão, despertou cedo para a música. Com um gosto eclético. Até o jazz a garota precoce para o mundo das artes apreciava. Aos 13 anos cantava e tocava violão. O apartamento dos seus pais, em Copacabana, Rio de Janeiro, ocupou o papel de centro de efervescência estética e cultural. Anos de 1953 e 1954. Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Chico Buarque de Hollanda, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Edu Lobo.

Carcará

João do Valle

Carcará
Lá no Sertão
É um bicho que avoa que nem avião
É um pássaro malvado
Tem o bico volteado que nem gavião

Carcará quando vê roça queimada
Sai voando e cantando
Carcará

A turma cantava na praia. Mais: realizava serenatas e denominava – se Bossa Nova.  A primeira apresentação musical ocorreu na Escola Naval. A Bossa Nova evoluiu de uma interpretação original do ritmo do samba.  Nara Leão namorou Roberto Menescal, casou – se com Ronaldo Bôscoli, que traiu-a com Maísa, mãe de Jayme Monjardim. Um escândalo midiático. A artista celebrou união civil e religiosa com o cineasta Cacá Diegues.

 

Opinião

Nara Leão

Podem me prender podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro eu não saio não daqui do morro eu não saio não

 

‘Nara é de opinião: esse Exército não vale nada’. Uma entrevista explosiva concedida pela artista após o golpe de Estado civil e militar de 1964, que depôs o presidente da República, João Belchior Marques Goulart, um nacional-estatista, em sua versão trabalhista. As manchetes estampavam: “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.” Ameaçada de prisão, Nara Leão recebeu, pelo jornal, a solidariedade de Carlos Drummond de Andrade. O Poema, antológico. O título:  Apelo.

 

Apelo

Carlos Drummond de Andrade

“Meu honrado marechal

Dirigente da nação

Venho fazer-lhe um apelo

Não prenda Nara Leão

 

Soube que a Guerra, por conta,

Lhe quer dar uma lição. Vai enquadrá-la

– esta é forte –

Artigo tal… não sei não

 

A menina disse coisas

De causar estremeção?

Pois a voz de uma garota

Abala a revolução?

 

Nara quis separar

O civil do capitão

Em nossa ordem social

Lançar desagregação?

 

Será que ela tem na fala,

Mais do que charme, canhão?

Ou pensam que, pelo nome,

Em vez de Nara, é leão?

 

Se o general Costa e Silva,

Já nosso meio-chefão

Tem pinta de boa praça,

Porque tal irritação?

 

Ou foi alguém que, do contra,

Quis criar amolação

A seu

Artur, inventando

 

Este caso sem razão?

Que disse a mocinha, enfim,

De inspirado pelo cão?

Que é pela paz e amor

E contra a destruição?

 

E, depois, se não há preso,

Político na ocasião,

Por que fazer da menina

Uma única exceção?

 

Ah, marechal, compre um disco

De Nara, tão doce, tão

Meigamente brasileira,

E remeta ao escalão;

 

Ao ouvir o que ela canta

E penetra o coração,

O que é música de embalo

Em meio a tanta aflição.

 

O gabinete zangado

Que fez um tarantantão,

Denunciando Narinha,

Mudava de opinião.

 

De música precisamos

Para pegar o rojão,

Para viver e sorrir,

Que não está mole não.

 

Nara é pássaro, sabia?

E nem adianta prisão

Para a voz que pelos ares,

Espalha sua canção.

 

Meu ilustre general,

Dirigente da nação,

Não deixe, nem de brinquedo,

Que prendam Nara Leão.

26 de junho de 1968. A musa participa da passeata dos 100 mil. Antes, em 1966, em entrevista explosiva, esculhambou a ditadura civil e militar. O general Arthur da Costa e Silva deu chiliques. A diva partiu para o exílio, em Paris, França, com o marido. Os seus dois filhos nasceram na Cidade  Luz. Eliane Diegues e Francisco Diegues. A família retorna ao Brasil, em 1972. A cantora conclui o segundo grau e faz o curso de Psicologia

Arthur da Costa e Silva

 

Nara Leão surgiu como estrela da Bossa Nova. Logo rompeu com o estilo. De classe média, cantou com o morro que ajudara a descer ao asfalto. Como Zé Ketti. Depois, inovou com a Jovem Guarda e o Teatro Opinião. Com João do Valle, autor de Carcará. Antes de sair indicou Maria Bethânia. Em revolução permanente, usou elementos do tropicalismo. A artista entrou à História da MPB. Morreu aos 47 anos, em 1989. Mulher além do seu tempo.

Diva Nara Leão

 

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 20 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 20 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. 

Avatar photo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *