Ademir Hamu e Lilianne Silva
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Ademir Hamu, o imortal

Jales Naves

Um observador atento do cotidiano, cujas cenas foram ilustrando seus textos ao longo de sua organizada caminhada, Ademir Ribeiro Hamú escreve desde criança, é poeta, tornou-se historiador e acaba de realizar seu sonho: integrar a Academia Goiana de Letras (AGL). No percurso, sempre determinado e persistente, atingiu outros objetivos: foi professor, escreveu livros didáticos para melhor compreensão de suas aulas de Zoologia e Biologia, e teve escolas; começou o curso de Odontologia e o abandonou por enxergar que não era o que queria, fez novo vestibular na Universidade Federal de Goiás, passou para Medicina, formou-se, especializou-se em Dermatologia e Imunologia, e tem seu consultório, onde se revela um dedicado e requisitado médico.

Na quinta-feira (21/9) foi empossado na cadeira nº 4 da AGL, que tem como patrono o político, orador e poeta goiano Antônio Félix de Bulhões Jardim, advogado, jornalista, lutou contra a escravidão e foi desembargador. Os dois primeiros ocupantes foram os professores Colemar Natal e Silva, que fundou duas das principais entidades culturais, e as presidiu – o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e a própria AGL, e também a UFG, tendo sido seu primeiro reitor; e Moema de Castro e Silva Olival, sua filha, doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo, defendendo tese sobre a obra de Bernardo Élis, tendo fundado e coordenado, por oito anos, o Mestrado em Letras e Linguística da UFG.



A solenidade de posse, na sede da Academia, a Casa de Colemar, presidida pelo escritor José Ubirajara Galli Vieira, foi muito prestigiada. A saudação ao novo imortal foi feita pelo acadêmico Luiz de Aquino Alves Neto, que lembrou o período militar e a censura aos criadores de artes, quando Ademir, no final dos anos 1970, inscreveu poemas no festival Grandes Revelações da Mocidade Inhumense (Gremi), promovido pelo Clube dos Trinta, e conquistou o terceiro lugar. Nessa época ele se casou com Lilianne Silva, com quem tem dois filhos: Bebel e Lucas, e quatro netos. A aproximação entre os escritores começou quando ele, estudante de Medicina, participava do ‘Xou do Esqueleto’, “impagável comédia em que somente os calouros do sexo masculino se apresentavam, travestidos de baleiras de cinema e de coristas do teatro de rebolado, em sátiras aos atos dos políticos e gestores públicos do momento”.

Em 1977 participaram, Ademir, Luiz de Aquino e Galli, de Exposição de Poemas-Cartazes num boteco da av. 24 de Outubro, em Campinas, numa iniciativa do presidente da União Brasileira de Escritores, seção de Goiás, Miguel Jorge, para promover atos e feitos dos autores goianos. O novo imortal esteve em duas mostras, em dois anos seguidos: numa, fez parceria com Siron Franco com ‘Travessia de Gente Grande’; noutra, com Naura Timm, apresentou ‘Prenúncio de Tempestade Interna’ – ambos integram o livro que Aquino escreveu. Nesse ano os três foram admitidos na UBE-GO.

Ele expressou seu amor à mulher, Lilianne, em poesia na peça ‘Canto Maior’, desde a primeira edição do livro de estreia “Travessia de gente grande”, de 1983, com capa do artista Roosevelt de Oliveira. Já publicou “O outro braço da estrela”; “Bebel e Leninha”; “Poesia, Samba e Rock”; “A ideia da Vaquinha” (infantil); “Leninha no Reino das Onças”; “Histórias de ternura” (antologia de crônicas, em parceria com Rossana Jardim); e quatro volumes de biografias, sob o título “De Goyaz a Goiás”.

Sonhos e razões

“Eu vim até aqui, e agora, pelo êmulo da esperança. As letras, os textos e suas formas ricas de literatura plantaram sonhos no eu-menino, em Paracatu, e eu trouxe, na mudança para Goiânia, a bagagem extra que continha aqueles sonhos”

Ademir Hamú

Quando saiu de sua cidade não lhe foi contado ou consultado aonde iriam morar e isso ficou marcado nele. “Eu só sei que não queria sair de lá. Para mim, não haveria o paraíso – e se existisse era ali mesmo, no quintal da nossa casa, comunicando com o quintal da avó pelos fundos. No intervalo desses dois, havia um campo de futebol”. Nas lembranças, a vida simples: nos finais de semana, os passeios “na roça”, os banhos nos rios e lagoas, os amigos em todas as casas, a casa dos primos e da avó Cuca; a única obrigação era tirar notas boas na escola. Andavam descalços e descalços jogavam bola. Ajudava o avô a alimentar os porcos com abóboras, trazidas da roça. E a tia Maria das Dores (Dorzinha), professora, que gostava de estimular sua criatividade, encomendando-lhe poemas para efemérides, como Natal, Páscoa, Dia da Mães. Semana da Pátria etc. Quando se instalaram no bairro de Campinas, a nova realidade: o pai, Abrão, saía cedo para trabalhar no Armazém Tocantins, na av. Anhanguera; não havia quintal, nem primos, nem a avó e a tia Dorzinha, não tinha campo de futebol. Chegava da escola, almoçava correndo e levava marmita para o pai no emprego, tarefa que detestava; logo fez amizade com os comerciantes da 24 de Outubro.


Fez o curso ginasial na Escola Técnica de Comércio de Campinas e o nível médio no Colégio Estadual ‘Professor Pedro Gomes’, de grandes recordações, e sua matéria predileta sempre foi Português / Literatura. Nessa escola, tão logo concluiu o Científico, começou sua carreira de professor, lecionando depois nos colégios ‘Carlos Chagas’, Pré-Médico, Rio Branco, ‘Professor Pardal’, Anglo e mais tarde foi proprietário dos colégios Campus e Dinâmico. No magistério se aproximou dos professores de Literatura Eurípedes Leôncio, Álvaro Catelan e Aldair Aires, dentre outros, e chegou ao escritor Miguel Jorge, para lhe mostrar o poema ‘Travessia de Gente Grande’, nome de seu primeiro livro.

“Hoje me encontro nesta Casa de Colemar, que foi também a casa de Moema. Casa em que aprendi a encerrar minhas tardes de quintas-feiras, encontrar velhos amigos, conhecer novos acadêmicos e exercitar a arte da palavra”, afirmou. “Não cheguei só. Não vim apenas pelos meus méritos, mas chego pela força do conhecimento e da amizade, da confiança em mim depositada”. “Agora posso dizer que atingi o ponto de chegada, a imortalidade – não a da matéria, mas a das palavras e das letras”, completou.

“Estar aqui é preencher a lacuna que me resta na vida”, afirmou, lembrando o escritor Bernardo Élis no emocionante discurso de posse na Cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras, em 1975: “Neste momento, quando o primeiro goiano chega a esta Academia refletindo a alegria que há na alma de meus coestaduanos, eu também não consigo disfarçar minha emoção. Não consigo abafar as recordações que me vêm ao peito”. 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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