Adeus a Maria Prestes
Aos 92 anos, de Coronavírus Covid 19, morre viúva de líder comunista
Uma mulher além do seu tempo
Renato Dias
Nascida em Recife, capital de Pernambuco, dia 2 de fevereiro de 1932, três anos antes do putsch político e militar do PCB, ANL e a Terceira Internacional, Altamira Rodrigues Sobral, que viraria, em 1950, Maria Prestes, a segunda mulher do Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, morreu, nesta sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022.
Primeiro segurança, sob a clandestinidade, ela teve sete filhos com o secretário-geral da legenda da foice e do martelo. O PCB [Partido Comunista do Brasil] havia sido fundado em 25 de março de 1922. Em Niterói. Por nove operários. A sigla, que fará 100 anos em 2022, desde 1924 integrava o Komintern. A central mundial da revolução socialista.
De 1947 a 1985, o PCB sobreviveu na ilegalidade. Luiz Carlos Prestes e Maria Prestes enfrentaram a ditadura civil e militar. O Partidão condenou a estratégia de luta armada. A legenda sofreu rupturas e dissidências. Como o PC do B, em fevereiro de 1962. Agrupamento Comunista [ALN], 1967. PCBR, PCR, Dissidência da GB, [MR_8].
O Comitê Central decidiu enviá – los para o exílio, em Moscou. À época, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas [URSS]. Dez anos em um apartamento na Rua Gorki. O retorno ocorreu com a sanção da Lei de Anistia. Em 28 de agosto de 1979. Assinada pela mão esquerda de João Figueiredo. Luiz Carlos Prestes solta em março de 1980.
A Carta aos Comunistas. O líder da coluna Miguel Costa – Luiz Carlos Prestes, responsável pela tentativa de assalto ao poder, em 1935, adotara narrativa, tática e estratégia esquerdistas. O CC rejeitou as teses. Com três derrotas _ 1935, 1964 e 1980 _, aproxima – se de Leonel Brizola e apoia, no 2° turno de 1989, Lula. Morre em 7 de março de 1990.
Vida privada
Maria Prestes revelou, em Goiânia, ao jornalista Renato Dias, que Luiz Carlos Prestes era um exímio descascador de abacaxis, usava calça e camisa social abotoada até o pescoço, para impor respeito em casa e teve, sim, momentos de lazer com a família, como ir à praia. Luiz Carlos Prestes testemunhou a queda do Muro de Berlim.
Saiba mais
De 1922 a 2022
A história dos comunistas
Por nove operários, o Partido Comunista do Brasil [PCB] é fundado em 25 de março de 1922, no município de Niterói, Rio de Janeiro. Uma breve legalidade é obtida com a criação do Bloco Operário Camponês [BOC]. A seção brasileira é integrada ao Komintern, a Terceira Internacional, central mundial da revolução, no ano de 1924. PCB, ALN e Terceira Internacional deflagram uma tentativa de tomada de poder, em 27 de novembro de 1935. É derrotada no Rio de Janeiro, Estado de Pernambuco e chega a assumir o governo no Rio Grande do Norte. O sonho acaba.
Getúlio Vargas e Filinto Muller operam violenta repressão. Com violações dos direitos humanos. Nunca investigadas. Luiz Carlos Prestes é preso e permanece de 1936 a 1945 atrás das grades. Olga Benario, a sua mulher, alemã, é deportada grávida de Anitta Leocádia, para as terras de Adolf Hitler, que ascendera ao poder em 1933. Com o Nacional-Socialismo. O Nazismo. O Estado Novo é instalado em 10 de novembro de 1937. Uma ditadura escancarada que dura até o ano de 1945. Getúlio Vargas é deposto, o PCB é legalizado e elege 14 federais e um senador.
O PCB, dois anos depois, é colocado na clandestinidade. Uma ruptura ocorre em 17 de fevereiro do ano de 1962. João Amazonas, Ângelo Arroyo, Pedro Pomar, Diógenes Arruda, João Batista Drummond retomam o nome original da sigla da foice e do martelo, Partido Comunista do Brasil. Com a estratégia à esquerda. O Agrupamento Comunista [SP] cria a ALN. Jacob Gorender, Mário Alves e Apolônio de Carvalho, o PCBR. Documento confidencial enviado a Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA, por Willian Egan Colby, diz que Ernesto Geisel autorizara execuções.
Depois de liquidada a guerrilha do Araguaia, os corpos dos guerrilheiros foram queimados na Serra das Andorinhas. O último golpe é a infiltração de um cachorro, Jover Telles, na reunião do Comitê Central do PC do B, em 16 de dezembro de 1976, realizada no Bairro da Lapa, São Paulo, capital. Ângelo Arroyo, Pedro Pomar e João Batista Drummond são executados. A sangue frio. A Operação Radar liquida com o Comitê Central do PCB. Dez são mortos e desaparecidos. Vladimir Herzog, jornalista, é morto, Manuel Fiel Filho, operário, também. Os dois sob torturas.
PCB e PC do B legalizados
O PC do B, que havia incorporado a AP, apesar da dissidência e resistência da AP – ML [Ação Popular Marxista Leninista] e o PCB são legalizados sob a Nova República. Os comunistas integram a Frente Brasil Popular [PT, PSB e PC do B], em 1989, e chegam ao segundo turno com o ex-operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de mais duas derrotas, 1994 e 1998, sobem a rampa do Palácio do Planalto e permanecem de 2003 a 2016 no poder, em Brasília. Um golpe de Estado líquido, pós-moderno, depõe Dilma Rousseff. A luta continua em 2022.
O que foi a ditadura civil e militar
Renato Dias
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso Nacional referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, marechal Humberto Castello Branco.
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque e Marieta Severo, na Itália; além de Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. O crime permanece até hoje, 2022, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1984, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2022, militares estão em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Hegemonia cultural
A disputa pela memória
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.
Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele encontrava-se em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública.