Guerras, polarização e o clima
Márcio Santilli
Começou em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a COP-28, conferência da ONU deste ano sobre mudanças climáticas globais. No evento, espera-se que sejam atualizadas e cobradas as providências que os países que mais emitem gases efeito estufa precisam tomar para cumprirem as metas de redução de emissões que assumiram, para 2030, no Acordo de Paris, o tratado internacional sobre o assunto vigente atualmente. Essa COP ocorre no momento em que 2023 encerra-se como o ano mais quente em 120 mil anos. A despeito da maior frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, a maior parte dos países está distante do cumprimento das metas. A prosseguir nesse ritmo, o aumento da temperatura média na superfície terrestre não será contido em 1,5 ºC e deverá superar os 2 ºC, o que será catastrófico.
A COP também sofre o impacto da guerra em Gaza, que mobiliza a atenção mundial, especialmente nos países árabes, e se sobrepõe à guerra na Ucrânia. Recursos que seriam preciosos para bancar a transição energética são gastos com esses conflitos e outros. Incertezas povoam o ambiente político e não favorecem avanços diplomáticos. Talvez por isso, os presidentes Joe Biden e Xi Jinping, dos EUA e da China, os dois maiores emissores de gases do efeito estufa, não estarão presentes na COP-28.
Posição de força
Apesar do cenário pouco promissor, há mudanças de posição importantes nos bastidores, como a volta do Brasil ao centro das negociações, após quatro anos de isolamento político. O Brasil retorna já em condições de apresentar resultados, como a redução do desmatamento na Amazônia. A delegação oficial brasileira é composta por 400 membros, entre governadores, secretários, parlamentares e representantes de vários órgãos e ministérios. Não é só o governo: estão em Dubai outros dois mil representantes de empresas, das organizações e movimentos sociais, estudantes, pesquisadores e comunicadores brasileiros. Apesar do custo, essa forte presença expressa a importância da questão climática para o país.
Porém, a estratégia diplomática brasileira vai além de Dubai e mira a COP-30, que ocorrerá em Belém, Pará, em 2025. Será o grande momento para discutir o papel das florestas tropicais diante da crise climática e os investimentos no desenvolvimento sustentável da Amazônia. A reunião do ano que vem ainda não tem local definido, mas já está sendo disputada por Bulgária, Azerbaijão e Armênia. Até 2025, o Brasil deve consolidar a tendência de reduzir o principal componente de suas emissões, que é o desmatamento, cacifando-se para cobrar o mesmo dos demais grandes emissores, que também deveriam prover os recursos necessários para ajudar os países mais pobres atingidos pelas mudanças climáticas. Vamos ver se as guerras permanecem em curso e quais serão a posição dos EUA após as eleições e a disposição da China em liderar uma redução global de emissões.
Contradições
Paralelamente às discussões oficiais da COP-28, ocorrem negociações de bastidores entre governos e empresas petrolíferas para garantir o fornecimento de combustíveis fósseis para os próximos anos. Não há uma agenda clara para eliminar o uso desses combustíveis e a sua substituição por energias limpas avança no ritmo do mercado, e não no da crise climática ou das decisões políticas.
O presidente Lula fez um discurso contundente na abertura da conferência, associando o enfrentamento às mudanças climáticas ao combate à fome, ressaltando a forma desigual com que os seus impactos afetam povos e segmentos da população. Antes, porém, de chegar a Dubai, Lula visitou a Arábia Saudita, onde recebeu um convite para o Brasil integrar a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), na condição de observador. Tudo indica que deve aceitá-lo. Trata-se, portanto, de sinalizações contraditórias. A Arábia Saudita é o segundo maior produtor mundial de petróleo, os Emirados Árabes Unidos são o sétimo e o Brasil, o nono. A Petrobrás, que pretende aumentar a sua produção com a exploração na Foz do Amazonas, reportou, em 2022, lucro líquido de US$ 34,4 bilhões, o quinto maior do mundo, atrás da Shell, ExxonMobil, Chevron e Saudi Aramco. A Petrobrás também não dispõe de uma agenda clara para a sua transformação em empresa de energias limpas.
Front interno
Alguns ícones do desmatamento também integram a delegação brasileira na COP-28, como Mauro Mendes, governador do Mato Grosso, estado que continua aumentando a destruição da floresta. Ele quer prender ativistas que defendem o “desmatamento zero”, mas também quer receber recursos compensatórios por reduções das taxas da devastação ocorridas em governos passados.
Representantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista, também estão em Dubai, e esperam que os proprietários rurais brasileiros possam acessar recursos relacionados à questão climática. No entanto, estão em franca campanha pela aprovação, pelo Congresso, de um conjunto de leis, conhecido como “Pacote da Devastação”, para restringir a demarcação de terras indígenas, facilitar a liberação de agrotóxicos prejudiciais à saúde, fragilizar o Código Florestal, a proteção da Mata Atlântica e o licenciamento ambiental. Durante a tramitação, no Senado, do projeto de lei que instituirá o mercado regulado de carbono no país, a FPA optou por excluir os grandes proprietários rurais de obrigações legais para reduzir emissões, mas, com a proposta agora na Câmara, manobra para tentar beneficiá-los, de alguma forma, retardando a aprovação da lei.
Apesar dos ciclones catastróficos que abalam o Sul, das ondas de calor que perpassam o país, da seca inédita na Amazônia, os ruralistas e outras bancadas radicais atuam no Congresso para confrontar atores sociais e medidas oficiais requeridas para se enfrentar a crise climática. A forte presença brasileira em Dubai é uma indicação evidente do efeito mobilizador que a COP-30, em Belém, terá para todo o país, antes, durante e após o evento. A sua aproximação vai tencionar a agenda política interna, assim como a recorrência de eventos climáticos extremos. Melhor será se os negacionistas, de dentro e de fora do Congresso, não se excluírem dessa agenda e também aprenderem com ela.