A economia desatola
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Márcio Santilli
Não fiz PHD em nada, em nenhum lugar do mundo, mas peço licença aos analistas de mercado para falar de intuições sobre a situação econômica do país. Não pertenço a nenhuma escola e não espero por soluções que emanem do mercado, ou do Estado, para ajustar as nossas relações com a natureza, os meios de produção e as condições de vida nesse território tão generoso, mas com tantas misérias, chamado Brasil. O fortalecimento do Bolsa-Família, associado à depuração dos cadastros de beneficiários, amenizou o sofrimento no andar de baixo. O alto nível de entropia econômica decorrente da doença e da violência generalizada persiste, mas o pequeno alívio faz muita diferença e está permitindo uma reorganização econômica mínima entre os mais pobres.
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A retomada do Bolsa-Família passou pela PEC da Transição, aprovada no apagar das luzes do mandato anterior. O próximo passo é a PEC do Arcabouço Fiscal, palavrão que substitui a expressão “teto de gastos”, também desabado no governo passado. Nesta semana, a Câmara aprovou o regime de urgência para votar o mérito da matéria na semana que vem. O ministro da Economia, Fernando Haddad, construiu essa proposta com muito afinco e paciência, levando cacete pela direita, que não acredita em aumento de arrecadação e vislumbra aumento de impostos para suportar a nova regra fiscal, e pela esquerda, que não quer limites para os gastos públicos. Os instintos indicam que Haddad deve ter razão.
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Quando a questão da regra fiscal estiver superada, a reforma tributária – outra reforma constitucional – estará no centro das discussões. Apesar das dificuldades inerentes ao tema, há consensos acumulados sobre uma primeira etapa da reforma, com a fusão de seis impostos federais e estaduais básicos, o que reduziria trâmites e custos burocráticos para empresas e contribuintes. De quebra, essa fusão, por envolver o ICMS, colocaria um fim na guerra fiscal entre os estados, ao fixar regras aplicáveis ao país todo, impedindo a concorrência predatória com desonerações tributárias para atrair empresas de outros lugares. No conjunto, essa guerra promove uma grande sangria fiscal no setor público.
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Qualquer reforma tributária incidiria de forma diferente sobre estados e municípios, o que gera resistências. A proposta em discussão inclui a criação de um fundo de compensações, que reduziria os impactos mais negativos e, também, maiores objeções. É provável que a implantação da reforma requeira outros ajustes de transição. A aprovação da reforma tributária dependerá da superação de outros obstáculos políticos, que unem o fisiologismo parlamentar ao corporativismo, além da oposição destrutiva da extrema direita. A exigência de maioria qualificada (60% + 1), em dois turnos de votação, tanto na Câmara quanto no Senado, dá espaço para boicotes, chantagens e “jabutis”, os famosos “contrabandos legislativos”.
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Apesar disso, espera-se a aprovação dessa primeira etapa até o final do ano, para que possa gerar efeitos a partir de 2024. O governo quer propor uma segunda etapa, que amplie a faixa de isenção de contribuintes com menor renda e onere os mais ricos. E já vem adotando medidas pontuais para tributar setores que não pagam impostos, além de rever isenções indevidas, anteriormente concedidas. O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo, que cerceia radicalmente as chances de crescimento da economia. O Banco Central sustenta essa taxa para conter pressões inflacionárias. Afirma a correção técnica dos juros abusivos, quando foi político-eleitoral o motivo principal do descontrole fiscal pelo governo anterior.
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Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, sustenta que a taxa de juros abusiva ainda se justifica, embora reconheça os esforços “no rumo certo” do atual governo. O presidente Lula tem criticado Campos, com frequência e veemência, por não reduzir a taxa básica de juros. Nessa refrega, Lula tem o apoio da população e dos empresários, que não suportam mais juros tão abusivos. Nesta semana, o governo anunciou mudanças na política de preços de combustíveis pela Petrobrás, com reduções significativas nos preços do gás natural, diesel e gasolina. Essa medida vai reduzir o lucro da empresa e dos acionistas, o que pode reduzir o valor das ações. Mas vai se somar a outros fatores para reduzir a inflação, o que também pressiona o Banco Central pela redução da taxa de juros.
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Outras ações do governo contribuem para reforçar a expectativa de crescimento da economia. O próprio Lula tem liderado a reabertura do país para o mundo, viabilizando acordos bilaterais, destravando acordos multilaterais e incentivando novos investimentos no país, apesar das dificuldades conjunturais, como as decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Também estão mais amenas as relações entre os entes federativos, que foram profundamente esgarçadas durante o governo passado. A presença de administrações conservadoras em vários estados não tem inibido a discussão sobre parcerias. A cooperação frente aos desastres naturais é indicativa da melhoria nas relações federativas.
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O governo deve anunciar, logo menos, uma nova versão do programa para investimentos em obras de infraestrutura. A escala do programa vai depender de investimentos privados, internos e externos, o que também vai definir o seu ritmo de execução. Do front da infraestrutura espera-se respostas mais rápidas ao desemprego e ao marasmo econômico, mas é também ele que mais impacta ambientes e gentes, gerando contradições com outras políticas de governo. Nesse contexto, considerando o conjunto da obra, noves fora as dificuldades, o bom senso reconhece essas expectativas positivas. É de se supor que, com avanços na economia, o país colha retornos sociais e o governo se fortaleça, na relação com o Congresso e na execução das outras políticas.