Márcio Santilli
Nacional

É o petróleo?

Márcio Santilli

A autorização, negada pelo Ibama, para a Petrobras fazer a primeira perfuração em águas profundas do Atlântico Equatorial, suscitou reações inflamadas durante a semana. A empresa recorreu administrativamente da posição do órgão ambiental, sem acrescentar ao pedido de licença os estudos solicitados. O que esquenta e acirra a divergência técnica entre a Petrobras e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é a questão amazônica. Testes já realizados por várias empresas nas proximidades da costa não deram bons resultados, mas a petroleira afirma que, em águas profundas a 150 km do litoral do Amapá, há condições geológicas favoráveis à ocorrência de maiores depósitos de petróleo. No entanto, a empresa desconsidera que essa região da foz do Amazonas dispõe de biodiversidade única, em formações de corais pouco estudadas, mas passíveis de serem afetadas por eventual exploração petrolífera em escala.

Petrobras

O que a Petrobras considera é que o pedido de licença é para a perfuração de um único poço, a fim de testar a composição e a economicidade daquele depósito de óleo. E que detém a tecnologia de ponta para perfuração em águas profundas, desenvolvida na exploração do Pré-Sal. O Ibama aponta que o pedido de licença não dispõe de informações específicas sobre as correntes marítimas e a dinâmica sedimentar da região, de alta relevância ambiental, o que potencializa os riscos do teste. A reação mais “over” à posição do Ibama veio do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, que anunciou a sua desfiliação da Rede Sustentabilidade. Essa atitude politizou a discussão, envolvendo em petróleo as suas divergências com o partido e com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem disputou a indicação para o ministério. Por outro lado, Randolfe vê os royalties decorrentes da eventual exploração de petróleo como a redenção econômica do Amapá e acusa o Ibama de não ter consultado o povo do seu estado antes de decidir.

Randolfe Rodrigues: senador da República

É indiscutível a legitimidade dos amapaenses nessa discussão, mas a eventual abertura de uma nova frente de exploração petrolífera no litoral da Amazônia teria implicações muito além do interesse regional e deveria ensejar um debate nacional, que extrapola o pedido de licença e a sua negativa. A reação do senador revela que essas implicações não foram discutidas devidamente, nem mesmo dentro do governo. Mas o bafafá deu espaço à proliferação de comentários na mídia de que a negativa do Ibama poderia ser uma espécie de “Belo Monte do B”, atribuindo, equivocadamente, a saída da Marina Silva do governo, no segundo mandato de Lula, à decisão de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que a abertura de uma nova frente de exploração é necessária para substituir a natural redução da produção do Pré-Sal no futuro. Ainda no período de transição de governo, no entanto, a empresa confirmava “uma impressionante subida na produção dos poços do petróleo, saindo em 2023 da ordem de 800 mil barris por dia e atingindo perto de 3 milhões de barris por dia lá por volta de 2029, 2030”. Qual seria, mesmo, a urgência dessa substituição?

Marina Silva: Rede Sustentabilidade

Outra consideração inevitável é que o enfrentamento às mudanças climáticas globais exige a redução, o mais rápido possível, da queima de combustíveis fósseis e a sua substituição por fontes limpas. Nesse contexto, a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo tem de considerar a longevidade efetiva do retorno esperado para esse investimento. A transição energética impõe a discussão sobre o futuro da própria Petrobras. Sugere a sua transição, de empresa petrolífera, em empresa energética, empenhando a sua capacidade de investimento para fomentar a produção de energias limpas e de tecnologias associadas. É evidente que os elevados investimentos demandados para a abertura de uma nova frente de produção petrolífera adiariam por muito tempo essa transição.

Também não dá para ignorar que a junção desses elementos – petróleo e Amazônia – tem implicações simbólicas e políticas inevitáveis, dentro e fora do país, capazes de afetar a credibilidade da postura de responsabilidade climática com que o presidente Lula vem se colocando. A bateção de cabeças entre autoridades governamentais pega mal e pode atrapalhar bastante. A Petrobras deveria rever o tratamento da questão, que não se reduz a um mero encaminhamento técnico de um pedido de teste, mas envolve todas essas dimensões. A discussão dentro do governo tem que ser substantiva e não comporta decisões “no grito”. E a sociedade tem direito às informações estratégicas básicas para firmar juízos a respeito. A pressa da petroleira tem um “q” de suspeição.

Luiz Inácio Lula da Silva

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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