Euler Ivo Vieira discursa
Política

Euler Ivo: história real do sertão baiano

A aranha caranguejeira

Uma saga dos comunistas

Numa certa noite, depois do jantar solitário, estava sentado na cadeira que eu mesmo havia feito. Sobre a mesa Ho Chi Ming, estavam os meus livros, onde estudava distraído. Naquele momento usava bermuda e sandália havaiana. Era noite e tudo estava escuro. Como minha casa não tinha energia elétrica, a minha luz era de uma única lamparina ali ao lado dos livros.  Minha casa não era rebocada, nem pintada. Os tijolos eram de adobe à vista e tinham a cor avermelhada da terra. Se fossem brancos ou claros, haveria mais luminosidade. Verdade que eu poderia ter pintado minha casa de cal branco. Mas o fato é que isso não aconteceu, mas a cor vermelha das paredes tornava o ambiente mais escuro. Havia alguns buracos na parede na junção dos adobes. A luz de lamparina sobre a mesa, projetava a sombra daquela mesa rústica no chão do quarto, fazendo-o ficar ainda mais escuro. Então eu estava ali distraído, lendo meu livro com os pés debaixo da mesa, calçado de sandália havaiana. Foi quando senti uma coisa estranha subindo no meu pé direito. Era uma coisa grande. Seria uma aranha caranguejeira? Se fosse, era perigoso, porque meus pés estavam nus e conforme sabemos, a caranguejeira tem as presas venenosas voltadas para baixo. Se ela estava sobre meu pé, qualquer movimento errado poderia levá-la a me picar. 

Todos esses pensamentos vieram ao mesmo tempo, simultaneamente, antes mesmo de verificar do que se tratava. Então, fiquei absolutamente imobilizado, evitando movimentar aquele pé e continuando a sentir por cima dele, aquela coisa que se movimentava de vez em quando, e que eu julgava ser uma aranha caranguejeira. Mantive-o imóvel e calmamente apanhei a lamparina e fui iluminar o que estava acontecendo. Realmente era uma enorme caranguejeira, peluda e preta que, com a sombra da lamparina, ficou ainda maior. Ela era enorme. Parte de suas patas estavam sobre o meu pé. Outra parte no chão. Começou a subir nele e ficou ali quieta. Creio que o calor da pele deve tê-la agradado. Com muito controle emocional sobre a perna, me preparei bem para retirar o pé de um só golpe. Quando vi que era possível, retirei os pés bruscamente para os lados para não levar picada. E ela correu. Correu e parou mais na frente.

Então fui lá fora, peguei um pedaço de pau e voltei para tentar pegá-la, tentar matá-la. Ela já estava subindo na parede, a dois metros do chão. Mesmo assim tentei matá-la. Não consegui. Mas arranquei-lhe uma grande pata. Ela terminou de subir pela parede, bem no canto onde ficava minha cama e sumiu. Parecia que tinha passado por cima da parede e ido lá para a parte de fora da casa. Fui do lado de fora iluminando a parede, iluminando o chão e não mais a encontrei. Voltei para dentro e não a encontrei. E agora? Como dormir com aquela aranha por ali? A aranha era realmente muito grande! Com as pernas abertas tinha uns 12 centímetros ou mais. Muito cansado, resisti o que pude, evitando adormecer. Temia que se deitasse a aranha poderia voltar e vir na minha cama. Mas por fim dormi sentado na cadeira, fora da cama. Duas noites depois, eis que a aranha caranguejeira faltando uma pata aparece de novo descendo pela parede. Como era muito grande, queria matá-la sem esmagá-la. Pensei em fazer dela um quadro para decorar a parede de minha sala. Afinal, minha casa não tinha um único quadro. Uma caranguejeira aparentando estar viva seria bom.

Para esse intento, me veio uma ideia na hora. Levantei-me, deixei-a na parede, saí de fininho, botei um litro de água para ferver no pequeno fogareiro a gás. Fui lá fora, cortei uma forquilha da goiabeira. Eu sabia que as caranguejeiras não correm rápido. Ao contrário, avançam na marcha e ficam imóveis. Depois avançam novamente e voltar a ficar imóveis. Por isso sabia que ela estava lá na parede e ainda que descesse, estaria por ali. Então, com a água fervendo e a forquilha, a persegui, até consegui prender sua cabeça com aquela forquilha, prensando-a contra o chão. Então, devagar fui despejando lentamente a água fervente na cabeça da aranha até matá-la sem esmagá-la. Então, no outro dia, voltei ao terreiro, cortei um grande espinho de laranjeira, e a espetei, fixando-a num bom pedaço de papelão. Com calma e atenção movimentei suas patas para ficarem abertas e bem esticadas, dava uns 15 cm de diâmetro, numa posição como se estivesse viva. Aquele papelão com a aranha espetada, virou o quadro da minha sala. A aranha era desmesuradamente grande e estava perfeita. Até a pata faltante eu a coloquei de volta, parecendo estar emendada no corpo. Ficou perfeita. Com o tempo ela secou. Uma arte mórbida.

Extraído do livro A Saga Comunista de Euler Ivo e Isaura Lemos

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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