Jean-Marc von Der Weid
Política

A ameaça de golpe

explosivo

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A ameaça de golpe

Jair Bolsonaro de moto _ Poder 360

Jean Marc von der Weid

[ex-presidente da UNE 69/71, agroecólogo]

 

Não acredito no golpe agora, mas acredito que estamos, possivelmente, em um ensaio geral. Desde meados de 2019 que venho escrevendo sobre a ameaça de golpe por Jair Bolsonaro. No início fui tratado como um alarmista inveterado, fora da realidade. O tempo se encarregou de mostrar que eu tinha razões de sobra para estar apreensivo. Que fez Bolsonaro desde que chegou à presidência?

Palácio do Planalto

Ele não se preocupou muito com a sua popularidade medida em pesquisas de opinião. Governou para uma fração dos que votaram nele, propondo, e muitas vezes aprovando, leis e decretos que a beneficiaram. Policiais, militares das forças armadas, grileiros, madeireiros, garimpeiros, caminhoneiros, grandes fazendeiros, milicianos, todos foram contemplados por intenções, gestos e discursos.

Walter Braga Neto

Não por acaso, esta minoria é a mais belicosa e, infelizmente, a que tem armas para intervir na política. Descobri que a lógica de Bolsonaro é maoísta: “o poder está na ponta do fuzil”. A medida em que Bolsonaro se afastava de uma boa parte do seu eleitorado, ele foi radicalizando e fidelizando esta base de forma consistente. Os que achavam que ele era um paradigma de honestidade, o supremo lutador contra a corrupção foram perdendo a fé com as múltiplas denúncias que vão mostrando as entranhas da famiglia.

Mao-Tsé-tung

Mas não importa ao candidato a déspota esta perda de apoio. Ele está armando os seus seguidores e eles estão se organizando nos clubes de tiro. Os que acreditavam no seu liberalismo econômico logo se deram conta de que o famoso posto Ipiranga não era mais do que uma marionete de circo mambembe apenas distraindo os desavisados. Os que acreditavam no antipolítica velha, no antissistema, viram o mito se dobrar ao tão condenado Centrão e também se decepcionaram. Não importa, enquanto ele ganha espaço no seu bloco radical e o insufla, sua aposta fica de pé.

Bolsonaro aposta na ruptura da democracia e vem consistentemente desagregando as instituições da república. O país está entregue a um total desgoverno, com a pandemia descontrolada (apesar das aparências recentes), a fome em expansão atingindo quase metade da população entre os que comem pouco e os que comem mal, o desemprego, subemprego e o desalento atingindo a metade da força de trabalho, o meio ambiente literalmente em chamas, a educação em pleno desastre de total abandono.

Desemprego

A ciência com financiamentos em queda livre, a economia prometendo inflação crescente (já estamos em 7% a/a) e o PIB com um crescimento ridículo de 1,5% (e caindo a cada avaliação) para o ano que vem. A lista é grande e será sempre incompleta porque o desgoverno atinge todos os setores da economia, da sociedade, da cultura, da ciência, da saúde e da educação, e um grande etcetera. Nada disso importa para Bolsonaro, se os garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, policiais, soldados, milicianos, etc. estão satisfeitos e querendo mais.

Variante Delta

O que importa para Bolsonaro não é aprovar leis, mas dizer para os seus fiéis que não o deixam governar. Não importa que morram 600 mil ou muitos mais pela covid, mas a narrativa de que a culpa é do STF que não o deixou espalhar o tratamento precoce, a cloroquina e a ivermectina. A culpa é dos governadores que arruinaram a economia com lockdowns e aperrearam as pessoas de bem com o uso de máscaras e a proibição de frequentar estádios e raves.

Ministro do STF, Alexandre de Moraes

Bolsonaro reza todos os dias, ao acordar e ao dormir, por uma crise social maiúscula, seja por causa da covid ou por causa da fome. Ele torce pelo desespero da população que leve a revoltas, quebra-quebras, saques. Tudo o que precisa é um estado de convulsão social para impor medidas de exceção, “pelo bem da paz pública” ou “pela defesa da propriedade”.

Congresso Nacional
Congresso Nacional

Quem acha que Bolsonaro não consegue o seu intento porque pode ser barrado (alguns acham que está sendo barrado) pelo STF ou pelo Congresso, não vê que ele não pretende seguir as regras. Se pedir um voto do congresso pelo Estado de Sítio e ele não aprovar, ele terá mais um argumento para fechar o congresso. Muita gente acha que o congresso não vai dar estes poderes a Bolsonaro porque até os marginais do Centrão se dão conta de que serão irrelevantes se o mito tiver plenos poderes. Mas a questão não é essa. A questão será, sempre, se os que estão armados estarão dispostos a virar a mesa em seu apoio.

Ciro Nogueira

Tenho ouvido argumentos sensatos dizendo que o golpe de 64 aconteceu porque Jango tinha contra si a igreja, a mídia, o empresariado, a classe média e as forças armadas (as polícias não contavam tanto naquela época). E agora Bolsonaro tem tudo isso contra ele, menos (e é um menos importantíssimo) as forças armadas. Diziam que os generais comandantes o conteriam, mas ele os dispersou com um sopro e colocou senão fiéis radicais, pelo menos fortes simpatizantes no lugar deles. Agora dizem que os generais de nível intermédio são pela democracia. Não é evidente que seja assim.

João Belchior Marques Goulart, presidente da República, em 1964

Creio mais que este escalão teme processos radicalizados que possam perturbar o seu dolce far niente. Mas eles já viram o muito que tem a ganhar com o energúmeno e, não esqueçamos, o revival da ideologia dos tempos da ditadura está a mil por hora. A oficialidade média, segundo vários analistas, é bolsonarista. Mas mesmo neste público essencial, Bolsonaro joga na destruição das instituições. Ao politizar a oficialidade e subverter a hierarquia Bolsonaro aposta em emparedar os reticentes nos níveis mais altos com a ameaça de que não serão obedecidos se se opuserem a ele. Creio mesmo que ele prefere desmontar o aparato de comando das forças armadas para criar uma estrutura dependente dele. Hitler não fez diferente na sua tomada do poder.

Adolf Hitler

Mas concretamente, tudo isto pode acontecer no 7 de setembro? É improvável. O ensaio de provocação de uma greve geral de caminhoneiros deu xabú. Se fosse para valer teríamos os ingredientes que Bolsonaro procura. Desabastecimento, suspensão da vacinação, agravamento da pandemia, hospitais desequipados, fome, revolta, saques, tumultos. Tudo isto com uma polícia que parece pronta para ou cruzar os braços e deixar rolar ou reprimir violentamente e agravar a crise. O interessante do fiasco bem provável da greve é a clara caracterização do ambiente que Bolsonaro procura.

A tragédia das mortes sob a Pandemia, no Brasil

Não vai haver a greve, mas Bolsonaro está apostando em mobilizações maciças e radicalizadas para invadir o STF e o congresso. Não é alarmismo, é o que está sendo conclamado pela web afora. Se vão conseguir é outra coisa. A pergunta é o quanto de bolsominions será necessário para uma invasão destes prédios símbolo? Já está claro que a convocação é para que portem armas (para defesa, é claro), mas quem vai impedir que alguns milhares de bolsominions (com uns 200 armados) invadam o STF e o Congresso? A polícia do Ibaneis? Os pouco e mal armados guardas postados nestes locais? Este é o primeiro risco, mas apenas a tomada dos prédios não gera o ímpeto que Bolsonaro necessita. Se a ocupação se prolongar coloca-se o impasse: se não vai ser a polícia a desalojá-los, terá que ser o exército, ou os fuzileiros navais ou os paraquedistas. É aí que veremos quem comanda quem: se os generais seguem Bolsonaro, se os coronéis seguem os generais, etc.

Fora Bolsonaro

A outra possibilidade é uma provocação sangrenta através de um ataque às manifestações do Grito dos Excluídos ou da frente Fora Bolsonaro, se ela não se somar à primeira. Um ataque armado com fuzilaria, mortos e feridos, pânico e terror é muito fácil de organizar. Neste caso a polícia, se tudo bem combinado, pode entrar em cena para engrossar o caldo e ampliar a catástrofe. Qual seria o day after de um episódio como esse? Bolsonaro pediria o Estado de Sítio? Ou aproveitaria a debacle para apelar para as FFAA, fechando o congresso e o STF? Tudo é possível, inclusive que nada aconteça e que tenha sido só um grande blefe com Bolsonaro acreditando nas suas próprias fake News.  Mas a lógica é essa e a busca da oportunidade vai continuar, porque Bolsonaro não tem alternativa. Se ele fica com o seu desgoverno até as eleições é possível que não vá nem para o segundo turno, se algum desses manés da terceira via se viabilizar. Ele vai provocar crise sobre crise buscando a sua chance e, mesmo que não a consiga, vai deixar o país em frangalhos sob todos os pontos de vista.

O que pode fazer a oposição? Continuar as mobilizações é fundamental, mas vai ser preciso furar a bolha da esquerda. Não vai ser possível colocar milhões nas ruas sem ampliar muito a frente que chama as manifestações. O modelo das Diretas Já devia ser retomado, com entidades amplamente reconhecidas como idôneas e isentas como CNBB, OAB e ABI, assumindo o protagonismo com o apoio de todos os demais, entidades da sociedade civil, partidos de esquerda, de centro-esquerda, de centro e centro-direita. Um grande movimento cívico de salvação nacional. Sem isso, ou por intimidação das instituições da República ou por sua destruição, Bolsonaro vai se prolongar no poder. Durará? Provavelmente não, mas se cumprir a promessa antiga dos 30 mil mortos que a ditadura deveria ter matado, muitos de nós não veremos o raiar da liberdade.

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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