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Ditadura, guerrilha, amor, lágrimas

Esquerda em armas

Ditadura, guerrilha, amor, lágrimas

‘Codinome Clemente’, documentário de Isa Albuquerque, premiado no Festival de Aruanda, parte, hoje, para o circuito internacional e é indispensável para o Brasil de 2021

 

Filme é selecionado

para os festivais de

Toulouse e Bordeaux

Isa Albuquerque, cineasta

 

Documentário obteve

os prêmios da crítica e

júri popular, Aruanda

Isa Albuquerque, cineasta

                             

Renato Dias

Ana Maria Nacinovic, militante da Ação Libertadora Nacional, a ALN, alvo de 348 tiros. De agentes do Estado. Sob a ditadura civil e militar no Brasil. ‘Ditabranda’. Como anotou a Folha de S. Paulo. Trata-se da primeira mulher de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Estuprada. Espancada. Socos no rosto abalaram-lhe a mandíbula e dentes. Com choques elétricos. No ânus. Na vagina. Presa em 1974, no DOI – CODI DP, com curso em Cuba, a sua mãe Maria Sarmento Coelho da Paz conheceu a sucursal do inferno. Não entregou o filho. O último comandante militar  da organização  de luta armada fundada pelo mulato baiano Carlos Marighella.

 

Não houve aula. Nem no dia primeiro muito menos em dois de abril do ano de 1964. No Rio de Janeiro. Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz possuía apenas 13 anos de idade. O garoto avisa a sua mãe, Maria Sarmento Coelho da Paz. A informação é veiculada pelo rádio. Motivo: golpe de Estado civil e militar. Com a deposição do nacional-estatista, em sua versão trabalhista, João Belchior Marques Goulart, ex-zagueiro das categorias de base do Internacional de Porto Alegre e ex – ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Secundarista, do Dom Pedro II, ao lado de Iuri Xavier Pereira e de Marcos Nonato da Fonseca testemunham as revoltas de 1968.

 

Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, menor de idade, encontra-se com Carlos Marighella. Na Cidade Maravilhosa. A esquerda em armas. A primeira operação, no Cine Ópera. O batismo de fogo. Primeiro, o  levantamento preliminar. Saldo: saíram sem uma mísera moeda e com o segurança baleado com mais de dez tiros. O balanço foi feito em uma pelada de futebol. Domingos Fernandez, que acaba de morrer, em 2020, vascaíno, é quem estabelece o codinome de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. A saber: nom de guerre Clemente. Para um apaixonado no Clube de Regatas Flamengo. Ari Clemente era um lateral cruzmaltino.

 

Convocado para o alistamento militar, em 1968, Clemente, que faria treinamento em Cuba, opta em consultar Carlos Marighella. O ex-deputado federal constituinte, eleito em 2 de dezembro de 1945, pelo Estado da Bahia, na breve legalidade do PCB do século XX, orienta-o a treinar no Forte de Copacabana [RJ]. O único a ministrar cursos de contraguerrilha. De comtrainsurgência. O revolucionário da ALN vira o Soldado Paz, 810. Segunda Bateria. Vibrador. Consórcio estabelecido entre MR-8 e ALN, como registra Franklin Martins, em Codinome Clemente, captura o embaixador dos EUA, no Brasil, Charles Burke Elbrick. Caçada à ALN.

 

Carlos Marighella morre em 4 de novembro de 1969. Clemente transfere-se para São Paulo. Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, delatado, cai em 23 de outubro de 1970. Morto sob tortura. Henning Albert Boilesen é justiçado. Clemente deu o tiro de misericórdia. No dinamarquês radicado no Brasil, presidente da Ultragaz, que financiava e testemunhava sessões de torturas a presos políticos. Data: 15 de abril de 1971. Já Márcio Leite Toledo, treinado em Cuba, membro da Coordenação Nacional da ALN, sumira 40 dias após a morte de Joaquim Câmara Ferreira. Sem entrar em contato com a organização. Depois, em ação militar, com uma metralhadora nas mãos, deixa a área de cobertura dos militantes. A ALN lhe propõe sair do Brasil. O  ativista nega a oferta. É justiçado. Era um risco para a ALN. Não me arrependo, atira.

 

Após um breve ponto, Clemente resolveu seguir o cabo José Anselmo dos Santos. Um ‘cachorro’. Homem que passa a colaborar com a repressão política e militar. Ele se encontra com o delegado do Deops SP Sérgio Paranhos Fleury, de olhos azuis e consumidor compulsivo de cocaína. Clemente dispara um tiro que acerta, de raspão, o nariz do torturador e integrante do Esquadrão da Morte. Um dos responsáveis pelas 1049 ossadas em sacos encontradas em 4 de setembro de 1990,Cemitério Dom Bosco, Perus, São Paulo, sob uma vala clandestina.  Com um instinto de gato, sobreviveu aos tempos sombrios da luta armada _ 1967-1973. Sem cair.

 

A ALN e o MRT, infiltrado, programaram capturar, em um domingo, na entrada da Igreja Batista, São Paulo, o Comandante do II Exército Brasileiro, Canavarro Pereira. Antes de uma celebração evangélica. Da Igreja Batista. Em São Paulo. Ninguém morreu, saiu ferido, caiu ou capturado. Homem que amava as mulheres, não era duro. Apenas nas lutas. Contra a ditadura civil e militar. Um poço de ternura. Lágrimas e sorrisos. Um ser humano que queria tomar de assalto os céus. O projeto de luta armada não encontrou eco na sociedade, que a rejeitou. Ex-MR-8, Franklin Martins já dava o recado desde 1972. Em Santiago. Chile. De Salvador Allende.

 

A sua cabeça estava estimada em um milhão de dólares. Pelo DOI-CODI [SP], Deops [SP] e a ‘caixinha gorda’ da ditadura civil e militar. Antes da crise do Petróleo. De outubro de 1973. A direção nacional da ALN vota a aprova o seu exílio. Primeiro, o Chile. Em seguida, a URSS. Por último, a França. Em Paris, trabalhou como instalador de carpetes. A anistia é promulgada. Em 28 de agosto de 1979. A sua volta ao Brasil ocorre somente em fevereiro de 1981. Para encontrar-se com Carlos Coelho, o seu pai, que não concordava com as ideias do filho e nunca lhe delatou, apesar das pressões dos agentes policiais, com câncer, no leito de sua morte. Multifacetado. Clemente era assim. Como?  Meio tropicalista,  Caetano Veloso e Mutantes.

 

Serviço

Filme: Codinome Clemente

Gênero:Documentário
Diretora: Isa Albuquerque

Avaliação: Visceral. Indispensável

 

Infográfico

  • 1964

Golpe de Estado no Brasil

  • 1966

Iuri Xavier Pereira

  • 1967

Carlos Eugênio vira ativista

  • 1968

Carlos Marighella em cena

  • 1969

Treinamento de contraguerrilha

  • 1970

Morre Joaquim Câmara Ferreira, Toledo

  • 1971

Henning Albert Boilesen é executado

  • 1972

Ana Maria Nacinovic é assassinada

  • 1973

Exílio e golpe no Chile

  • 1981

Clemente volta ao Brasil

  • 1985

Nova República

  • 1988

A nova constituição do Brasil

  • 2019

Morre Clemente

  • 2021

Codinome Clemente nos cinemas?

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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