“47 anos depois” – “O preço de uma luta”
47 anos depois
Ieda Santos Delgado
O preço de uma luta
Betty Almeida
É autora de Paixão de Honestino _ Editora UNB
Ieda Santos Delgado, nascida no Rio de Janeiro, em 9 de julho de 1945, era filha da dona de casa Eunice Delgado e do funcionário do Banco do Brasil Odorico Delgado. Na superquadra 308, construída pelo Banco do Brasil, em Brasília, a seus funcionários, moravam Dona Eunice, seu Odorico e seus quatro filhos. Ieda, reservada e discreta, era alegre, muito estudiosa e tinha facilidade para línguas estrangeiras. Gostava de praticar esportes, de judô e de ler. Também tinha seus amores, como lembra Álvaro Lins, um deles. A UnB era um ambiente politizado e a passagem de Ieda pelo curso de Direito despertou nela o interesse pelas questões sociais e pela luta contra a ditadura que oprimia o país. Ligou-se à Ação Libertadora Nacional (ALN), organização clandestina armada, participando como elemento de apoio.
Ieda formou-se na UnB em 1969. Em seguida transferiu-se, com a mãe e os irmãos, para o Rio de Janeiro, onde foi trabalhar no Departamento Nacional de Produção Mineral, na Praia Vermelha. Desde 1966, fazia estágios, cursos de especialização e aperfeiçoamento e participava de congressos. Ieda foi colaboradora do Centro de Pesquisas Experimentais, criado por um antigo colega do curso de Direito da UnB. O Centro publicava um suplemento na Tribuna da Imprensa. Ieda não participava de ações armadas da ALN, trabalhando em serviços de apoio, ajudando, por exemplo, pessoas muito perseguidas a sair do país. Em 11 de abril de 1974, na época dos feriados de Páscoa, viajou a São Paulo, a serviço de sua organização, para ajudar a organizar a saída do país do casal de militantes Flávio Augusto Neves Leão de Salles e Betty Chachamovitz.
Depois dessa viagem Ieda nunca mais foi vista. Sua família recebeu um telefonema lacônico e anônimo, informando apenas: “Ieda foi presa” – assim as organizações clandestinas comunicavam às famílias a prisão de militantes. Dona Eunice conseguiu localizar o cheque que a filha usou para pagar a passagem de avião para São Paulo. Ao longo dos anos, ela acreditou que Ieda estivesse viva, pois recebia telefonemas “com a voz dela”, dizendo que “estava bem”. Houve também cartas, que Dona Eunice submeteu a exames grafológicos. Segundo os resultados desses exames, as cartas foram escritas por Ieda. Quando Nelson Mandela foi libertado na África do Sul, Dona Eunice comentou que “se lá ele saiu depois de passar vinte e sete anos na prisão, isso também poderá acontecer com os que estão presos aqui no Brasil”.
Até sua morte, Dona Eunice militou em grupos de familiares de desaparecidos, sem nunca perder a esperança de encontrar Ieda viva. Na página 38 do livro editado em 2007 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos ela aparece segurando um cartaz com a foto da filha. O ex – delegado Sérgio Guerra, que confessou publicamente sua participação em ações da repressão aos opositores da ditadura, declarou que Sérgio Paranhos Fleury, da Operação Bandeirantes, confidenciou-lhe ter matado Ieda. Ruas no Rio de Janeiro e em São Paulo receberam o nome de Ieda. Na entrada do restaurante da UnB há uma placa com seu nome. Em 14 de maio de 2012 os três prédios dos Módulos de Apoio e Serviços Comunitários da UnB receberam, em cerimônia conjunta, os nomes de Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino da Silva e Honestino Monteiro Guimarães, ex-alunos da UnB que se tornaram desaparecidos políticos. A Associação dos Pós-graduandos da UnB tem o nome de Ieda e homenageou-a no seu Seminário, parte das comemorações dos 50 anos da UnB. A Secretaria da Mulher deu o nome de Ieda Santos Delgado ao Centro de Atendimento à Mulher da Estação 102 Sul do Metrô. A cerimônia de inauguração, no dia 7 de agosto de 2012, teve a presença de autoridades como o governador do DF, a Deputada Federal Érika Kokay e a Secretária da Mulher do DF.
Em 9 de novembro de 2012 Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino da Silva e Honestino Monteiro Guimarães foram homenageados no auditório da Reitoria da UnB, no evento Tortura não tem perdão, organizado pelo Coletivo de ex-alunos da UnB Da Oca ao Centro Olímpico, com a presença do Reitor da UnB, professor José Geraldo de Sousa Junior, do representante da Comissão Anísio Teixeira da Memória e Verdade da UnB e de muitos ex-alunos da UnB que conviveram com Ieda. O presidente da Associação Ieda Delgado dos Pós-graduandos da UnB entregou placas comemorativas aos representantes dos homenageados. Para Ieda, a jovem suave e corajosa, hoje parte da história política do país, o preço da luta por um mundo melhor foi a generosa entrega de sua própria vida.
(Depoimento de Betty Almeida, baseado em memórias pessoais, em conversas com familiares amigos de Ieda e em depoimento de Suzana Lisboa à Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, em janeiro de 2014 – ver https://www.youtube.com/watch?v=BKXoYaJszAs)