A contradição da luta de classes no Brasil
Francisco Celso Calmon
A contradição estrutural capital versus trabalho, embora permeie e condicione todo o sistema, no campo político não está posta, não assumiu a principalidade, em consequência do estágio primário da luta dos trabalhadores. Sem formação, organização e luta social e política permanente e intensa, os trabalhadores não alcançaram uma consciência de classe que produzisse um projeto de nação, no qual seus interesses fossem predominantes. A história já comprovou fartamente que é na democracia que a classe trabalhadora tem as melhores condições para operar a luta de classes no sentido de empoderar-se e, através da construção de um projeto, galvanizar as massas populares.
Desde o golpe de 2016 a democracia institucional sofre de um golpismo contínuo, no qual a conspiração às claras e às escuras não é uma teoria, mas uma prática secular. A história dos militares e das oligarquias centenárias é a de protagonistas desse atentado sucessivo à construção e consolidação de uma democracia, mesmo quando tem a Carta Magna como sua guardiã. Ferida várias vezes, a Lei Maior não contou com o dever da Suprema Corte em defendê-la e fazer ser obedecida. Não a exime de responsabilidade o seu covarde e iníquo comportamento frente à lava jato, ao golpe de 2016, à prisão de Lula e ao nascimento do bolsonarismo nazifascista – ideologia subversiva à Constituição Federal. Sem esses antecedentes a intentona de 8 de janeiro não teria ocorrido. Como já assinalei em outros textos, essa tentativa de golpe não foi contra o Lula, mas contra o Estado de direito. O bolsonarismo nazifascista é um atentando constante à democracia e ao Estado de direito que legalmente a garante.
A contradição política principal na atual conjuntura é entre a democracia e o golpismo fascista
Com a democracia atrofiada a partir de 2016, os direitos dos trabalhadores foram sequestrados. A intentona de 8 de janeiro foi abortada, não sepultada. A democracia permanece sitiada. Essa luta não deve ser de titãs, deve ser da sociedade civil organizada. O TSE vem fazendo a sua parte, embora lento; o ministro do STF, Alexandre de Moraes, considerado pelos bolsonaristas como o inimigo principal, vêm acertando no timing, com coragem e competência apropriadas para o cenário excepcional, e está incomodando a mídia golpista. Que o advogado Cristiano Zanin lhe faça companhia o quanto antes, sua indicação está mais que madura. E para o lugar da Rosa Weber, que a indicação não seja tão desgastante como foi a dele.
A PGR é adversária, e ainda haverá um convívio inevitável com seus atuais titulares, salvo se através de alguma negociação vantajosa à democracia puder antecipar a substituição de Augusto Aras. O presidente da Câmara, Arthur Lira, é adversário de extrema direita, seu projeto é enfiar o guiso no gato e governar com um semiparlamentarismo, como fez na época do governo passado. O presidente do BC, Campos Neto, é inimigo expresso e seu ego se alimenta das estocadas do Lula e da Gleisi. Como ele não vem cumprindo seus deveres estabelecidos em lei, é, em tese, sofrível de uma demissão, seja via Senado, seja via o STF. Nada fácil! O COPOM com novos membros indicados pelo governo pode começar a ter divergências, e elas tornadas públicas podem desinchar o ego do seu imperioso e intelectualmente frágil presidente. As indicações para o Judiciário e para o STF continuam sem filtro de RH e lentas, aumentando o risco de repetição dos erros dos governos Lula e Dilma no passado.
O governo mantém quadros bolsonaristas minando a máquina, e ainda conserva o Ministro da Defesa, Múcio, sempre à espreita para sugestões ao gosto da tutela militar. Com os EUA de olho, pois a situação internacional lhe é desconfortável, não se afasta o risco de uma terceira guerra mundial e voltar a fomentar golpes na América Latina. O Ministro Flávio Dino vem se expondo com relevância no Congresso e na mídia, fazendo o contraditório necessário, para não prosperar falsos valores e desinformações, tão comum e naturalizado nesta época de obscurantismo e fake news. Entretanto, tem lhe faltado tempo para tratar, para além da segurança institucional, da segurança do povo pobre, negro, feminino, jovem, LGTBQI+. As Mães da periferia já não aguentam mais enterrar os seus filhos em covas rasas ou de receber seus ossos.
Em torno de 20 jovens, sendo 80% negros, morrem por dia pela polícia militar no Brasil. A juventude da periferia não sabe se chegará aos 20 anos com vida. Até quando essas mães vão viver enxugando as suas dores, que há muito não são de partos, mas da violência do Estado. Que democracia é esta, quando o encarregado da segurança pública é a mão assassina dos agentes do Estado? Não será um trabalho fácil, exigirá um planejamento nacional com todas as forças encarregadas dessa hercúlea atividade que é a segurança pública.
A Comissão Nacional da Verdade elencou 29 recomendações em seu relatório de 2014, sendo a de número 20 a “Desmilitarização das policiais militares estaduais”.O Estado não acolheu, decorridos seis anos nenhum dos poderes republicanos implementou a orientação da CNV, então órgão de Estado. A intentona bolsonarista atingiu os três poderes. O que cada um de per si e em harmonia conjunta estão fazendo? O Judiciário e o Executivo, cada qual pelo seu turno, estão prosperando em compasso médio, e o Legislativo não se dedicou a debater e fazer leis no sentido de nunca mais se repetir uma intentona golpista ao Estado democrático de direito.
Devagar, devagarinho, deixe a vida me levar, dois para lá, dois para cá, são versos de canções e também estilo de vida pessoal e de gestão, dissonantes da democracia golpeada, a qual requer um planejamento de Estado para repará-la com a pressa dos que sofrem de fome e insegurança. Numa democracia sitiada e um governo cercado de inimigos poderosos, Lula tem se saído com a maestria de um de um grande líder. Mas não basta! Partidos do campo progressista e os movimentos sindicais e sociais precisam sair da expectativa para as ruas e assumir o tão sonhado e propalado protagonismo das massas.
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Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula