Betty Almeida
Política

A submissão forçada do corpo feminino

Betty Almeida

O estupro é a submissão forçada do corpo feminino ao homem, para a satisfação de um instinto bestial, tido como irrefreável, portanto, “natural”, em geral causado pela “provocação” feminina, com a exibição do corpo. Mas os homens também exibem seus corpos, ao andar sem camisa, ou ao usar camisetas colantes, calças justas, tangas sumárias nas praias e piscinas, sem ser, no entanto, como regra, assediados com insistência e violência por mulheres. A dominação da fêmea pelo macho remonta à divisão do trabalho entre provedor que busca o alimento no exterior do núcleo familiar e quem cuida da cria que nasce do seu próprio corpo. Passa pelo desenvolvimento das relações de produção e pelo surgimento da propriedade e suas leis de transmissão por herança 1 , que exigem o conhecimento da paternidade, portanto, a atividade sexual monogâmica da mulher.

 

 

Brasília – Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília

O apropriador de riqueza – inicialmente fruto de seu trabalho, depois fruto de sua força e habilidade em submeter e subjugar trabalhadores para tornar-se dono daquilo que outros produzem – considera-se superior aos que trabalham para ele. A mulher, produtora de filhos – força de trabalho – e repositora cotidiana da força de trabalho consumida cada dia, assimila-se a um bem de produção e se torna também propriedade 2 . A poligamia sempre foi um sinal de
opulência e riqueza dos poderosos – como os reis bíblicos David e Salomão. As mulheres, confinadas em haréns e serralhos, sempre ficaram sujeitas a regras de submissão total.

 

As mulheres cujos maridos partiam para guerras medievais eram submetidas à longa tortura do cinto de castidade, durante a ausência do homem, para impedir que usassem seus corpos, propriedade intocável por outro homem que não fosse o marido e senhor. Mas mulheres deixaram de viver trancadas em serralhos, em castelos ou em casas de ricos proprietários de terra ou indústrias. Isso ocorreu devido às necessidades da produção em massa, que levaram as mulheres ao mercado de trabalho, sempre menos remuneradas que os homens. Séculos de lutas das trabalhadoras podem ter melhorado suas condições de trabalho e seus salários, que até hoje, entretanto, não igualam os dos homens.

Violência contra Mulher

Muitas lutas, sacrifícios e martírios pessoais deram às mulheres o direito de escolher seu marido e o de divorciar-se, mas os crimes de “honra” – vingança do marido contra o adultério feminino – mereceram por longo tempo a absolvição dos criminosos nos tribunais. Hoje, o feminicídio provocado por ciúmes – como é chamada a dominação da mulher imposta pelo homem que se considera seu proprietário, ainda que não tenha mais vínculo legal ou social
com ela – é comum, mas já é punido por leis 3 . Homens íntegros e racionais hoje erguem sua voz em defesa da dignidade feminina e do respeito ao corpo da mulher.

 


No entanto, o capitalismo fez do corpo feminino uma mercadoria lucrativa, de fácil comercialização e de consumo estimulado pela propaganda. A prostituição é a forma mais primária, ligada na maioria dos casos a um explorador, que dá “proteção” à mulher e lucra mais que ela com a venda do seu corpo. A indústria cultural e os meios de comunicação propagam a imagem de uma mulher objeto, desfrutável, à disposição do homem 4 . Dessa ideia que a mulher está sempre à disposição do homem bestial surge a chamada “cultura do estupro”, que hoje tem no sistema judicial defensores da punição rigorosa para os estupradores e os feminicidas, perpetradores de crimes que têm a mesma origem e natureza.

Daniel Alves e Robinho

A punição exemplar, principalmente quando o feminicida ou estuprador é alguém notório, capaz de suscitar admiração e dar exemplo com seus atos indignos, é a única maneira de agir contra essa execrável e desumana “cultura do estupro”. A luta contra a mercantilização do corpo feminino e do próprio sexo é também uma trincheira importante para acabar com essa indigna “cultura”. A cultura da fraternidade e solidariedade entre sexos e gêneros poderá então predominar entre os seres humanos.

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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