51 anos depois
25 de abril de 1974
O que resta da Revolução dos Cravos

Renato Dias
Projeto de transformações radicais com uma perspectiva democrática, a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, assemelha-se à experiência do socialismo executado no Chile sob Salvador Allende [1970-1973], observa Daniel Aarão Reis Filho, professor doutor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense [UFF].

A via pacífica ao socialismo com vinho e empanadas foi afogada em um banho de sangue, em 11 de setembro de 1973, explica com exclusividade a www.renatodias.online o pesquisador do Tempo Presente. Um golpe de Estado civil e militar depõe o presidentes da República do Chile, Salvador Allende. O Palácio de La Moneda é bombardeado.

Menos de um ano depois do 11 de setembro, da América do Sul, uma nova revolução ocorre, na Europa, analisa o historiador. Com uma diferença radical, o protagonismo das Forças Armadas para derrubar a ditadura mais longeva do Velho Mundo, 49 anos, informa o escritor. Primeiro, Antonio Salazar. Segundo, Marcelo Caetano. O fascismo lusitano.
Isolado na Organização das Nações Unidas [ONU], país mais pobre da Europa do pós-segunda guerra mundial, Portugal enfrenta guerras de libertação nacional em Guiné Bissau, Moçambique e Angola, supostas “Províncias Ultramarinas”, e já testemunha, com os seus desgastes, a corrosão interna na unidade das Forças Armadas, afirma Daniel Aarão Reis Filho.
A ampliação dos campos de batalha, no Continente Africano, longe da metrópole, Lisboa, exige cada vez mais o aumento do recrutamento de civis, diz. O que gera descontentamento na sociedade civil, permite o pluralismo político, assim como o crescimento de uma tendência nas Forças Armadas de encerrar os conflitos e reconhecer as independências.
A saída era a deposição de Marcelo Caetano. Antonio Salazar morre em 1970. As Forças Armadas intervieram e a ditadura civil e militar cai. General, Antonio Spínola ensaia um golpe e é derrotado. Marcelo Caetano desembarca no Brasil. Portugal vira uma arena de debates, conta o especialista. Com a radicalização do processo, ele revela.

Primavera, os cravos florescem, afirma. Mais: a sociedade se identifica com os insurgentes e uma imagem de uma flor no cano de um fuzil marca 25 de abril de 1974, pontua Daniel Aarão Reis Filho. Exilado político à época da ditadura civil e militar no Brasil, o enragé participa das experiências na Argélia, em Cuba e Moçambique, país recém-libertado.

Portugal vira um laboratório da revolução, adianta. O MFA adota uma orientação esquerdista, pontua. Uma verdadeira festa revolucionária, registra. Um legado importante, alerta. As colônias do País na África e até na Ásia, como o Timor Leste, obtiveram a independência, insiste. Os avanços sofrem com a intervenção do general do Exército Ramalho Eanes, crê.
A transição pacífica para o socialismo com democracia entra na ordem do dia, frisa. Um golpe de Estado desferido por Ramalho Eanes impede a consolidação do projeto à esquerda, registra. Portugal instala um Estado Democrático Liberal, atira. As colônias obtêm a independência, anuncia. As eleições são realizadas em 1976. Os moderados ganham, fuzila.
Daniel Aarão Reis Filho aponta ainda que tanto o projeto de Salvador Allende, no Chile, quanto a Revolução dos Cravos, em Portugal, apesar das suas respectivas derrotas, não provariam a inviabilidade da transição democrática ao socialismo e até alargariam o alcance possível de uma experiência sem o recurso às armas. É uma questão polêmica nas esquerdas, vê.

Tempo Presente
Recuo e crescimento da extrema direita, diz David Maciel
A Revolução dos Cravos começa com um movimento militar antissalazarista, evolui para uma perspectiva socialista, radical e democrática, de mobilização e organização das classes trabalhadoras portuguesas, expropriação de empresas nacionais e estrangeiras. A interpretação é de David Maciel, marxista, professor doutor da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás [UFG].

O estudioso do tema atribui à direção do PS, apoiado pelos EUA e também pelas potências da Europa Ocidental, a captura da revolução. Com a anulação da perspectiva socialista, relata. Veja: ela limita-se a consolidar a democracia liberal e a conceder direitos sociais, critica. É o esvaziamento da revolução, observa. O que favorece a restauração da propriedade burguesa sobre as empresas.

Além de impulsionar o que define como o avanço do neoliberalismo. Com o ataque ao Estado de Bem-Estar Social, Welfare State, a integração subordinada ao capitalismo da União Europeia [UE], explica o historiador. Ao longo dos anos o referido processo possibilitou o crescimento das forças de extrema direita, inclusive aquelas que reivindicam o passado salazarista, ele afirma.

Inusitada para o Brasil
É a observação de Roberto Abdalla
Inusitada. Assim pode ser classificada a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974. É o que analisa, hoje, Roberto Abdalla, professor doutor e vice-diretor da Faculdade de História da UFG. Para o Brasil, em particular, onde as Forças Armadas promovem desde 1889 uma série de golpes de Estado para chegar ao poder político de Estado, dispara.

Ele lembra que o Estado Novo criado em Portugal possui influência do fascismo italiano de Benito Mussolini [1922-1945]. Sob a hegemonia do economista Antonio de Oliveira Salazar que permanecerá no poder até 1968. Ele morreria em 1970. Uma ditadura civil e militar das mais longevas, observa. Com meio século de duração, sublinha o intelectual.

O Movimento das Forças Armadas, em 1974, Portugal, é diferenciado, resume. O MFA derruba o Salazarismo e até hoje, em 2025, a Revolução dos Cravos é reverenciada, comemorada no País, o que não ocorre no Brasil com a promulgação da Constituição Federal cidadã em 5 de outubro de 1988 que supera a ditadura civil e militar de 2 de abril de 1964, frisa.

O MFA, de militares com patente média, esquerdas e sociedade não toleravam mais a ditadura, de traços fascistas, e a queda do regime autoritário de 49 anos consecutivos ocorre com somente cinco mortes, revela Roberto Abdalla. O que mostra que a Revolução dos Cravos teve reduzida violência, registra. As lutas anticoloniais foram indispensáveis, diz.

O que ele pensa
Peruano, Carlos Ugo Santander contextualiza
De perfil caudilhista, a ditadura civil e militar do economista Antonio de Oliveira Salazar manteve Portugal como um país pobre, atrasado na economia, sem industrialização, com 33% de analfabetismo adulto, além de tensões dramáticas, analisa o professor doutor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás [UFG], Carlos Ugo Santander, peruano.

A Revolução dos Cravos, em 25 de abril do ano de 1974, não foi um golpe de Estado civil e militar, garante o cientista social. Longe disso. Com elevada participação popular, afirma. Pacífica, com o mínimo derramamento de sangue, informa. Em tempos de guerra fria, o mundo caminhava para a descolonização, ele avalia. Um país anacrônico, em crise, instável, metralha.
Mais: é o início da democratização de Portugal, explica o sociólogo Carlos Ugo Santander. A Revolução dos Cravos teve limites, com uma forte polarização, até com uma tentativa de golpe de Estado fracassada, dispara. Uma transição com limites, insiste. Institucionais e políticas, registra. O Estado Democrático de Direito, plural e com alternância de poder é o que resta de 25 de abril de 1974, ele diz.

Marco contra o fascismo
Reinaldo Pantaleão e Fred Frazão analisam processo
Marco contra o fascismo em Portugal. É o que foi a Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974, informa o historiador marxista Reinaldo de Assis Pantaleão.

A esquerda radical acabou isolada sob o processo em curso e os socialistas moderados instalaram uma democracia parlamentarista limitada, ele observa.

Mario Soares promoveu o que poderia ser classificado como uma conciliação pelo alto, com uma inflexão para o centro, lamenta Reinaldo de Assis Pantaleão.
O desgaste interno do Estado Novo, sob Antonio Salazar e Marcelo Caetano, e as guerras contra o colonialismo foram fundamentais para 25 de abril de 1974.

A análise é do professor de História trotskista Fred Frazão. Um movimento da caserna obteve a adesão massiva da população de Portugal, ele afirma.

A Revolução dos Cravos golpeou ditadura longeva, deixou uma nova Constituição com voto universal, Estado do Bem-Estar Social e democracia, ele olha para trás.
1926_1974
Estado autoritário, corporativista. nacionalista e fascista
Versão de Frederico Vitor de Oliveira
Fundado por Antonio de Oliveira Salazar, o Estado Novo era corporativista, autoritário, nacionalista, com sólidas raízes no agronegócio, colonialismo, Igreja Católica, Forças Armadas e de inspiração fascista, diz o historiador e jornalista Frederico Vitor de Oliveira.

Pacífica, com somente cinco mortes, a Revolução dos Cravos deflagrada no dia 25 de abril do ano de 1974 ganhou uma dimensão de massas, popular, ele pontua. O regime político caiu quase sem resistência armada, relata o especialista na geopolítica mundial do Século XX.
Portugal é uma república democrática e parlamentarista, com eleições regulares livres, o pluripartidarismo, liberdade de expressão, sem censura, o real respeito aos direitos humanos e à autonomia e independência das suas ex-colônias, destaca o pesquisador marxista.


51 anos depois
Fausto Jaime e Anilzene Jaime participam de ato
Líder estudantil da UnB em 1968, guerrilheiro da ALN sob a ditadura civil e militar e fundador do PT, o médico intensivista Fausto Jaime participou, no último dia 25 de abril, do ato em memória da Revolução dos Cravos. Ao lado da operadora do Direito Anilzene Jaime, revolucionária. Assim como de Tatiana Jaime e Ângelo Jaime. Além da internacionalista Ariadne Fujioka. Um outro amanhã é possível. É o que eles também acreditam.