As urnas e o caos

Antônio Lopes
O cenário político pós-pleito eleitoral na Villa dos Guayanazes espelha o Brasil como um todo, escancara a extrema direita engajada. O resultado das urnas denuncia o retrocesso cultural-religioso, o advento das fake News e a militância das redes sociais, dinheiro lavado somado ao capital transnacional aportado no Região Central do País. O conceito Agro alicerça a guerra cultural em andamento, financiado pela força da mídia perfilada no sertanejo enquanto arma cultural de manipulação das vaidades vestidas a caráter ou despojadas dele no Centro-Oeste seco e devastado do País.

São tempos de um hoje perfilado nos dias de Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato, em 1959. A manchete do dia reflete com veemência e incredulidade as eleições locais cuja trama respinga em 2026. Enquanto durar o desmonte dos direitos assegurados na Carta Magna do País promulgada em 1988, em seus artigos quinto 5º/6º e incisos, adicionado do consumo pontual e desconexo a direita acerta naquilo que as esquerdas esqueceram de fazer, quer seja falar a língua e vestir a roupa da coletividade despojada de escola, salário digno e perspectivas que durem mais que 24 horas.

A maioria dos eleitores, formados na escola, ou não, não deseja mais ser acondicionada em bolsas assistencialistas, mandatos que favorecem aqui e ali as vagas comissionadas. É indecente o que se esconde nos bastidores das casas de leis e secretarias da gestão onde o que menos importa é a ética, vergonha na cara e formação do sujeito, barganhada pelo favor do poder feudal que alcançou o século XXI. A trama retrata a barganha de mentes, corpos e almas instaladas na senzala pós-moderna.

A opção política perpassa a notícia simples que conta dos resultados das urnas. Fascistas, na sua grande maioria, e à sombra da consciência política alienada, a coletividade expõe o jogo e trama política no número de abstenções maior que os votos obtidos pelo primeiro colocado pós-pleito eleitoral. Bem ou mal, caminhamos à direita, avalizamos o retrocesso, “somos bichos escrotos” (Titãs) endividados a crédito, débito, fundos conciliados na corrupção do Agro, nas malas de bastidores, amantes do poder no sentido antropofágico que alcança o teor e bochicho pornográfico.

A questão urge e remete à reflexão em como mudar a realidade política, econômica e cultural estrutural, apartar a localidade dos tempos do Ciclo do Ouro. A trágica realidade tem nome e manchete pós-moderna, retrata o advento do bolsonarismo – resultado histórico do analfabetismo funcional e da compulsão por templos transformados em facções partidárias que determinam o chicote no lombo da coletividade carente de sentido, significado, alguma significância.

O sobe-e-desce dos quadros políticos desmonta a ideia assistencialista como cabide eleitoral, firmada na proposta da emancipação recortada a programas sociais que historicamente determinam a conta-gotas os mínimos sociais. No que tange às políticas públicas de saúde, educação, meio ambiente e outros acessos estampados mas não garantidos na Carta Magna do Brasil, e à cara amarelada dos famintos e desempregados que descambam à prisão, o fantasma vivo sorri e dança o teatro dos absurdos dias conjunturais. Enquanto o segundo turno não chega a Nação conta sua maior população carcerária da história. E segue abençoada, amante do samba, futebol e turismo sexual.

O ‘voto evangélico’ consolida o cenário político, capaz de eleger da noite para o dia um ator central qualquer nas disputas pelo voto e poder, verdadeiros mitos de pés de barro a moldar, forjar e influenciar um lugar que ruma ao caos. Em 2018 o Brazil com Z, de Bolsonaro com B, determinou a virada assegurado em líderes e fiéis evangélicos, falácias, retóricas, ‘defesa da família’, assegurada no discurso do ‘bandido bom que é o bandido morto’, no combate à ‘ideologia de gênero’. Em meio às alucinações pós-modernas a viagem em vida da ministra capaz de ‘ver e conversar com Jesus em um pé de goiaba’. O ex-capitão ocupou o Congresso por 27 anos, tendo aprovado um projeto, e venerou, homenageou torturadores da ditadura, adota a falácia de seu evangelho cujas raízes transcendem a esfera religiosa, alcança o terreno das periferias, define o voto das massas.

A retórica remete à realidade de vários ‘Brasis’, urge refletir a influência evangélica na política capaz de transformar o cenário cotidiano na manchete do dia. A polarização não amplia a democracia, ao contrário, expande a senso comum os debates alicerçados nas ideologias do retrocesso consolidado na mídia que alavanca a direita cristã liderada por hereges pós-modernos. O crescimento à direita, em larga escala, reforça a presença evangélica na política, nas urnas, no debate e promoção das pautas sociais, morais, econômicas. O debate público reveste-se da promessa democrática, alavancado por bancadas parlamentares alinhadas à visão conservadora de mundo corrompida e advinda da crença no ‘deus mamon’ patrocinado a malas. São inúmeras e trágicas as implicações da alienação coletiva para o futuro do Brasil e do Mundo, lembrando que o velho Marx avisou “não ser a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social a lhe determinar a consciência”, também seu contrário.

E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio C. M. Lopes, professor pesquisador das Humanidades, mestre em Serviço Social e doutor em Ciências da Religião (PUC-Goiás); pós-doutor em Direitos Humanos (UFG); pós-doutorando em Doutrina Espírita).