Retrato 3/4 da China, hoje
Renato Dias
Não há miséria nas ruas, 100 milhões de habitantes compõem bolsões de pobreza, a internet sofre controle, inexiste liberdade e autonomia sindicais, assim como pluralismo político, ideológico e no jornalismo e ocorre, sim, uma brutal exploração do trabalho humano. É o retrato feito pelo economista marxista e trotskista Markus Sokol, in loco, da República Popular da China. Ele conversa hoje com exclusividade com o Portal de Notícias www.renatodias.online
Leia a integra da entrevista explosiva:
‘O Socialismo passa pela expropriação da grande propriedade privada dos meios de produção, como base de um planejamento democrático
✓ Como interpretar a China, no século 21: capitalismo selvagem com multinacionais, capitalismo de Estado com abertura e tutela do PC, partido único, ou socialismo com graves desvios?
Markus Sokol – O PT discute o socialismo há décadas. Na delegação à China, a discussão continuou. Acho que o socialismo passa pela expropriação da grande propriedade privada dos meios de produção, como base de um planejamento democrático onde participe a classe trabalhadora através de Conselhos, mais um sindicalismo independente do Estado, além de liberdade de manifestação para os partidos inscritos nos Conselhos. Não vi isso na visita de 10 dias, guiada pelo Partido Comunista da China, em todos os níveis do partido e governos, como também a empresas estatais e privadas. A história contraditória da China, depois revolução e da expropriação em 1949-53, mesmo com uma privatização parcial importante após 1978, tampouco pode ser resumida a um capitalismo selvagem ou “de Estado”, como procuro explicar no livro que estou lançando “Viagem à China – Relato Comentado”. Proponho uma análise concreta da situação concreta.
‘Sem liberdade de discussão o partido único se ossifica, a corrupção campeia, as artes sofrem
✓ Democracia não é incompatível com Partido Único, ausência de liberdade sindical, censura à mídia, artes e espetáculos?
Markus Sokol – Com certeza. Sem liberdade de discussão o partido único se ossifica, a corrupção campeia, as artes sofrem, e os trabalhadores e jovens tem suas demandas contidas, quando não brutalmente negadas; É conhecido o exemplo da Praça Tiananmen. Essa minha opinião se identifica com o pluralismo e a autonomia das organizações populares preconizados no artigo 1º dos Estatutos do PT [www.pt.org.br], nas resoluções dos seus congressos e nas plataformas eleitorais.
✓ A internet sofre controle?
Markus Sokol – Sabemos que sim, de forma seletiva, como ocorreu no começo da pandemia. Outra coisa é a polêmica sobre o direito de o regime bloquear a empresa Whatsapp, por exemplo, assim como o dos EUA bloquearem o Wechat (o zap chinês). Mas a delegação tinha acesso à navegação livre via o VPN, por exemplo, o que acho que os chineses também podem conseguir, hoje conseguem.
‘Oficialmente, ainda há 100 milhões de pobres
✓ A China possui bolsões de pobreza?
Markus Sokol – Oficialmente, ainda há 100 milhões de pobres que devem ser erradicados em 10 anos, depois que 800 milhões já saíram dessa condição. Mas isso em condições de trabalho dramáticas, com uma taxa de exploração e, consequente brutal acumulação, das empresas locais e estrangeiras. Registro que a delegação do PT não viu miséria nas ruas das grandes cidades que parecem seguras.
✓ Qual o papel dos Brics, hoje?
Markus Sokol – Resumindo, é um grupo informal com um banco regimentado e um volume de reservas para estabilização monetária, com recursos relativamente pequenos. Desenvolvo no livro. Não é um bloco econômico com diretrizes internas, como a União Europeia, muito menos um acordo militar, como a OTAN. O seu valor diplomático pode ser bem avaliado, com realismo, pelo papel na principal questão do ano, a guerra de Israel contra Gaza – nenhum papel, nem mesmo uma declaração!
✓ Projeção aponta que a economia da China irá ultrapassar a dos EUA, em dez anos. O que isso representa?
Markus Sokol – Cautela, também o Japão há 30 anos iria ultrapassar e sobreveio o marasmo. A Argentina já foi o 5º ou 6º PIB, até mesmo o 1º PIB per capita na virada do outro século. A China com certeza é uma potência, exporta capitais, mas não é hoje um país imperialista, ao contrário, em várias áreas tecnológicas é um país dependente.
‘A China é uma potência, exporta capitais, mas não é hoje um país imperialista