Ciclone do Sul
Márcio Santilli
Dessa vez, 42 pessoas morreram, 46 estão desaparecidas, quase mil já foram feridas e 25 mil estão desabrigadas ou desalojadas na região central do Rio Grande do Sul. Cidades inteiras devastadas, prejuízos materiais incalculáveis. Os danos totais podem chegar a R$ 1,3 bilhão, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Sofrimento, medo, desespero, desesperança.
Essa contabilidade sinistra multiplica-se. No Sul do país, os eventos climáticos extremos têm sido mais intensos e mais frequentes. Neste momento, sofrem a influência do fenômeno natural El Niño, potencializado pelo aquecimento global. Não há como reverter essa tendência no curto prazo, mas podemos e devemos adaptar cidades, áreas agrícolas e infraestruturas, incorporar tecnologias e treinar pessoas para nos anteciparmos às catástrofes, ou reagirmos em tempo real, reduzindo vítimas e danos.
Diante da nova tragédia, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou que a reconstrução das cidades afetadas deve levar em conta as mudanças climáticas, já que não faz sentido, por exemplo, reedificar áreas devastadas em margens de rios, diante da recorrência de eventos climáticos extremos. Essa situação suscita a revisão dos planos diretores municipais.
Deve piorar
Estamos apenas começando um novo ciclo de incidência do fenômeno El Niño, decorrente do aquecimento das águas do Pacífico Equatorial, que determina secas e enchentes agudas na América do Sul. Os cientistas preveem que esse ciclo será mais prolongado, igualmente potencializado pelo aquecimento global. O cenário de curto prazo é esse mesmo: de aumento da intensidade e da frequência de eventos extremos.
Um balanço geral, feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), das ações adotadas, em todo o mundo, a partir do Acordo de Paris, o tratado internacional sobre mudanças climáticas, acabou divulgado. Embora ele aponte avanços importantes na geração de energias limpas e em outras frentes, demonstra que, no ritmo atual, o aumento da temperatura média na superfície da Terra deve ir além de 1,5º C e chegar a 2,6º C, com graves consequências.
É mais do que sabido que as mudanças climáticas tendem a gerar efeitos mais dramáticos em países mais pobres, assim como sobre as populações mais pobres de qualquer país. Mas ninguém estará imune a eles. É urgente a destinação, pelos países mais ricos aos países e áreas mais pobres, de recursos em escala que dialogue com o tamanho da ameaça.
Atitude solidária
Mas também é preciso, num momento como este, que todos se unam para multiplicar atitudes solidárias com os nossos irmãos do Sul, gaúchos e catarinenses, com doações em dinheiro, equipamentos, pessoal treinado e apoio à reconstrução, além de discutir soluções estruturantes, como a erradicação de áreas críticas e o fortalecimento das instituições de Defesa Civil.
A prioridade, agora, é localizar os 46 desaparecidos e acudir os desabrigados que não terão como voltar para as suas casas, que foram destruídas. A seguir, a reconstrução de Muçum e Roca Sales, as cidades mais afetadas. O governo federal reconheceu o estado de emergência decretado em 87 municípios gaúchos.
Com os impactos da tragédia ainda vívidos, embora já perdendo espaço nas manchetes dos jornais, a previsão do tempo informa que o avanço da frente fria provoca a formação de um novo ciclone extratropical, com previsão de novos temporais e de novas cheias. Que os gaúchos possam resistir sem novas perdas.
Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.