Ucrânia - Um ano da guerra
Internacional

Um ano de guerra: quais os próximos capítulos?

Frederico Vitor de Oliveira

Jornalista e historiador

Especial para o Portal de Notícias

www.renatodias.online

Neste dia 24 de fevereiro de 2023 marca um ano da invasão militar russa sobre o território ucraniano. Para os próximos dias é esperado uma grande ofensiva russa com uma tropa de mais de 300 mil soldados. O que parecia ser, há um ano atrás, uma incursão rápida e fulminante, se transformou em um conflito de alta intensidade e de atrito. Estima-se que cerca de 100 mil russos e mais de 150 mil ucranianos perderam a vida nesses 12 meses de hostilidades. Cerca de 13 milhões de ucranianos abandonaram suas casas em direção à Europa ocidental.

A escalada da guerra Rússia e Ucrânia

Antes de mergulharmos em uma análise crítica acerca de um ano da invasão militar russa sobre o território ucraniano, devemos olhar para a questão, desde o ponto de vista de brasileiros, latino-americanos, habitantes de um país periférico, dependente e subdesenvolvido. É necessário evocar a Teoria Marxista da Dependência para tentar explicar o que levou o ímpeto de Moscou a escalar um conflito de alta intensidade contra a vizinha Ucrânia.

Karl Marx

Tal como o Brasil, a Rússia, a despeito de ser a principal herdeira (militar, tecnológica e política) da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, é um país subdesenvolvido. Seus indicadores econômicos e sociais são modestos para o seu gigantismo geopolítico e territorial.  Ao se inserir no mundo capitalista, após o desmoronamento do império soviético, no início da década de 90 do século passado, o povo russo se deparou com uma situação que nós, latino-americanos, já estávamos secularmente imersos. Ou seja, estava reservado à Rússia, outrora líder do condomínio soviético, o mesmo destino do Brasil e dos demais países da América Latina, África e Ásia: a periferia do sistema.

Boris Ieltsin

Ao ser condicionada a mais um país periférico, a Rússia, sob o tacão do presidente Boris Yeltsin, experimentou um brutal processo de “choque de capitalismo”. Na esperança de reverter o caos econômico e social, Moscou foi induzido a implementar uma avalanche de políticas de privatizações e financeirização de sua economia. O resultado final deste projeto foi um retumbante fracasso, em todos os sentidos.

Vladimir Putin jovem

Eis que na virada do século, se ascende ao poder na Rússia, um ex-tenente-coronel da KGB, a organização mais letal e temida da extinta União Soviética. Vladimir Putin já afirmou que a maior tragédia do século 20 foi o desmoronamento da União Soviética. No entanto, ele não reivindica a sua ressurreição. Ele vai mais além. Paira no horizonte de Putin a glória do Império Russo, dos tempos dos Czares. De Vladivostok, passando pelos estados bálticos até a Polônia.

Kremlin

Para Putin, a Rússia, convertida ao capitalista, com status de potência militar inconteste, jamais poderá se contentar a aceitar uma condição periférica do sistema. Para o mandatário do Kremlin, a pátria de Tolstói, Gógol e de Dostoiévski, precisa ser grande, em todos os aspectos.  Para alcançar a desejada grandeza, Moscou precisa rever seu império, e o início desta jornada rumo à glória passa pela satelitização da Ucrânia. Assim foi feito no passado, nos tempos de Pedro, o Grande (1682-1721), Catarina, a Grande (1762-1796) e de seu Príncipe Potemkin, fundador de Kherson, cidade ucraniana localizada no Mar Negro e às margens do Rio Dnieper, lar de uma importante indústria de construção naval e centro econômico regional.

Ucrânia, 2022

Mesmo sancionada e arremessada mais à margem do sistema, a Rússia se preparou frente ao cancelamento ocidental. Diferentemente dos tempos da Guerra Fria, ou seja, do mundo polarizado entre duas superpotências, na atualidade se estabeleceu um mundo multipolar. Este mundo multipolarizado assiste ao crescente protagonismo de países da periferia do sistema, como China, Índia, Brasil e a própria Rússia. É neste mundo multipolar que a Rússia se agarra para não sofrer uma total bancarrota de sua economia. Potências como a Índia, Indonésia, Turquia, Irã e principalmente a China, têm mantido relações econômicas, comerciais e políticas com Moscou. Pequim, inclusive, cimentou um novo eixo de poder que mantém de pé a economia russa.

Pequim, inclusive, cimentou um novo eixo de poder

A economia russa encolheu 2,1% no ano passado por causa das sanções ocidentais. A inflação saltou para mais de 11%. O rublo, apesar disto, está estável. A Rússia parece não precisar tomar empréstimos no exterior. Tudo que o governo russo precisa em termos de finanças está disponível por meio da economia de mercado doméstico e de seus vizinhos asiáticos. As exportações de energia desempenham um papel cada vez menor nas finanças russas e foram orientadas para longe do Ocidente, ou seja, voltada em direção à Ásia.

Ucrânia em chamas

Com a queda do estado soviético, a Alemanha é reunificada e se tornou para a Europa atual, aquilo que a Inglaterra foi no começo do século 18. Isto é, um país central e hegemônico, potência exportadora que criou uma periferia econômica a sua volta, a despeito de ela também ser industrializada. A Rússia de Putin, por sua vez, não aceita tal proeminência de Berlim sobre a Europa, mais especificamente em relação à Ucrânia. Moscou não teme a Alemanha em termos geopolíticos e, tão pouco a enxerga como uma ameaça militar. Os russos consideram o estado germânico como um vassalo de primeira ordem — tal como o Reino Unido e França — dos Estados Unidos na Europa Central.Não, por acaso, que sob o pretexto de cumprir compromissos com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Washington mantém cerca de 50 mil militares estadunidenses dentro do território alemão. Também não é coincidência que a Alemanha vai doar tanques Leopard 2 às tropas ucranianas. As doações de veículos blindados, munições, radares, mísseis e demais artefatos bélicos não vão alterar o jogo em favor da Ucrânia.

Olaf Scholz

A Rússia desfruta de vantagens pessoais, tanques, artilharia, munições, guerra eletrônica, aviões de combate, helicópteros e mísseis hipersônicos. Não há evidências de que a Ucrânia tenha vantagem tática sobre os russos no campo de batalha. Na verdade, há uma assimetria. O Exército Russo tem mais soldados treinados do que a Ucrânia por uma vasta margem. Mesmo assim, é pauta prioritária do governo do chanceler social-democrata, Olaf Scholz, dar cabo ao plano dos falcões de Washington de abduzir a Ucrânia para o Ocidente. Os americanos sabem que, para arredar a Rússia da Europa e enfraquecê-la ao ponto de transformá-la em um país periférico clássico — dependente, subdesenvolvido e refém de exportação de produtos primários — é necessário tirar dos russos sua proeminência política e militar de seu entorno estratégico.

Mikhail Gorbatchev
Mikhail Gorbatchev

Não custa muito lembrar: sem a Ucrânia, a Rússia cessa de ser um império. Apartar a Ucrânia da Rússia, por meio de sua inserção à União Europeia e, consequentemente, à OTAN, é matar o sonho russo da reconstrução de seu passado de esplendor e glória. A Ucrânia é percebida pelos russos como a jóia da coroa e, não se pode deixar este País, deslizar em direção ao Ocidente, custe o que custar. Nem que, se necessário, recorrer às armas. E foi esta opção que, há um ano atrás, Putin escolheu. É preciso lembrar que durante o processo de dissolução da União Soviética, o último líder daquela superpotência, Mikhail Gorbatchov, conseguiu um termo com os americanos que se comprometeram a não expandir a OTAN para o leste. Os estadunidenses quebraram todas as suas promessas e expandiram a OTAN em direção à fronteira da Rússia.

Aleksander Duguin

Sob este pretexto que Putin, um czar sem império, precisa de uma vitória militar para garantir sua sobrevivência. O presidente russo está criando uma sociedade militarizada e nacionalista, alimentada com propaganda e obcecada com uma eterna guerra existencial com os Estados Unidos e a OTAN. É fato que em 2014, os Estados Unidos orquestraram e financiaram um golpe no Maidan (Praça central de Kiev) para instalar um governo fantoche que forçaria a eventual admissão da Ucrânia na OTAN. Para os linha-dura em Washington, a ideia de poder instalar mísseis na fronteira Ucrânia-Rússia depois das bases de mísseis na Polônia e na Romênia, era muito tentadora.

 Paz distante

O mundo está longe de uma hecatombe nuclear. Porém, tal catástrofe atômica está menos distante. Nesta semana, que marca o primeiro aniversário da guerra contra a Ucrânia, Vladimir Putin declarou que Moscou estava suspendendo sua participação no novo tratado START — termo entre Estados Unidos e Rússia para a redução e limitação de armas estratégicas (nucleares).O tratado era o último pacto restante de controle de armas atômicas entre as duas potências nucleares. A decisão de Putin fez aumentar drasticamente a aposta em meio às tensões com Washington sobre os combates na Ucrânia. Não há como cravar quando será assinado um acordo de paz. O que é mais provável é um aumento gradativo da intensidade dos combates com a chegada ao front de novos soldados russos e, por outro lado, o cumprimento da promessa da OTAN de somar mais armas ocidentais ao arsenal ucraniano.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

O presidente Lula deseja formar um fórum internacional para discutir a paz na Ucrânia, ideia muito bem recebida pelos demais líderes. Por sua vez, o líder chinês, Xi Jinping, viajará a Moscou para uma reunião com seu colega russo, Vladimir Putin, nos próximos meses. Pequim busca assumir um papel de liderança na resolução do conflito na Ucrânia. A visita acontecerá em algum momento de abril ou início de maio, disse o jornal americano Wall Street Journal. Xi usará a cúpula com Putin para pressionar por negociações de paz multipartidárias com o objetivo de encerrar os combates na Ucrânia. Sucessivas rodadas de negociações de paz fracassaram no ano passado, com Kiev se retirando abruptamente das negociações em Istambul em abril. Seja qual for o desfecho desta crise é inegável que nos últimos 365 dias, o mundo mudou. Falar desta guerra como uma luta em defesa da democracia cimentou a supremacia americana sobre a Europa, mas está longe de convencer corações e mentes das elites políticas da Índia, China ou na Turquia. Ao completar um ano de hostilidades, há mais perguntas do que respostas. Caminhamos para uma nova era de guerras? As guerras e os choques de civilizações serão inevitáveis?

Xi Jinping, presidente da China

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 20 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 20 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. 

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