Comendo Carne em Santiago

Comendo Carne em Santiago
Leopoldo Paulino
Já faz mais de 20 anos que meu consumo de alimentos de origem animal se resume a peixe, ovos de galinhas criadas livres e eventualmente um pouco de queijo. Mas eu não tinha ainda essa consciência quando, com dezenove anos, fugi da repressão da ditadura partindo para o exílio.O Chile, nas décadas de 60 e 70, era um país com baixa oferta de carne bovina. Assim, durante 15 dias do mês ela era vendida normalmente e nos outros 15 dias existia a chamada “veda”, período em que não se comercializava o produto.
Sabores do exílio
Exilado naquele país, eu estava então com dezenove anos e tinha um hábito alimentar bastante carnívoro e me era difícil ficar sem a carne. Estocá-la não era possível, porque não tínhamos dinheiro para tanto e além do mais passamos vários meses sem possuir geladeira. Andando pelo tradicional mercado Mapocho, em Santiago, deparei-me com alguns açougues que vendiam carne no período de “veda”, o que para mim representou a possibilidade de seguir com minha preferência alimentar.
Usufrui assim durante algumas semanas de milanesas e bifes a cavalo, não entendendo o porquê dos demais brasileiros se privarem dessas iguarias. Certa vez, na casa dos compatriotas Bernardino Figueiredo e Leda, conheci um casal de exilados uruguaios, amigos dos anfitriões e contei a todos onde era possível adquirir carne bovina todos os dias do mês. A companheira uruguaia não conteve o riso e me disse:
_ Você está comendo carne de cavalo
Nunca mais fui ao mercado Mapocho com a finalidade de comprar “carne bovina” e durante vários dias senti o amargor da carne equina e me lembrei de que o produto que eu comprava era mais vermelho e com a gordura bem mais amarela do que a bovina. Fiquei tão impressionado com essa experiência que cheguei uma vez a sonhar com um belo alazão e seus relinchos, saltando obstáculos com sua tradicional galhardia.
Leopoldo Paulino no Chile