Rubem Fonseca Filho: 2021 como em 1968
1968
A passeata dos 100 mil em 26 de junho de 1968
2021
Fardados e civis derrubaram, com um golpe de Estado, deflagrado em 31 de março e consumado em 2 de abril de 1964, o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Um nacional-estatista. Em sua versão trabalhista. Herdeiro de Getúlio Vargas. O ‘Pai dos Pobres’, que se suicidou às 8h30 de 24 de agosto de 1954, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República à época. A operação obteve protagonismo das Forças Armadas [Exército, Marinha e Aeronáutica], com o suporte do Congresso Nacional, eleito em 1962, com recursos ilegais do IPES e IBAD e do Deus Mercado, o aval do STF, a corte suprema, além das narrativas, em pensamento únicos, dos editoriais, de O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Manchete, O Cruzeiro, conglomerados de comunicação. Monopólios de mídia. Abençoados pelos governos de Estado estratégicos, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Guanabara e Goiás. Assim como pela CNBB, OAB, ABI e as classes médias. A versão era contra o comunismo, a corrupção e pelas liberdades. Tão parecido como 1954, 2016, 2021. A Comissão Nacional da Verdade aponta 500.000 cidadãos investigados; 200.000 detidos; 50.000 presos; 11.000 acusados em julgamentos viciados; 5.000 condenados; 10.000 torturados; 8.300 vítimas indígenas; 1.196 vítimas entre os camponeses; 10.000 brasileiros exilados 4.882 mandatos cassados; 1.148 funcionários públicos aposentados ou demitidos; 1.312 militares reformados compulsoriamente; 1.202 sindicatos sob intervenção do Estado e do Judiciário; 248 estudantes expulsos de universidades; 128 brasileiros e estrangeiros banidos, parte sacerdotes católicos; 707 processos políticos instaurados pela Justiça militar em Auditorias; 49 juízes expurgados, três deles do Supremo Tribunal Federal; três vezes em que o Congresso Nacional foi fechado pelos generais ditadores. Censura prévia à imprensa brasileira; 434 mortos pela repressão; 144 desaparecidos. O saldo da ditadura civil e militar nunca saiu da memória de uma geração que reagiu, enfrentou, lutou e participou direta e ativamente da história. O atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que ingressou em 1973, no Exército Brasileiro, e os seus adeptos mais fanáticos defendem a intervenção das Forças Armadas, o fechamento do STF, a mutilação do Congresso Nacional e calar a boca da imprensa livre. Como contraponto, surgiu o Movimento Geração 68. Ele foi à luta. 1968 em 2021. O engenheiro Rubem Fonseca, 75 anos, é um dos coordenadores do Movimento Geração 68, em Brasília.
Veja a sua entrevista explosiva
O que é a Geração 68?
Rubem Fonseca Filho – A resposta mereceria um livro. A Geração 68 foi forjada nas lutas do movimento estudantil, principalmente universitário, realizadas nos anos de 1966 e 1967 e que no ano de 1968 se tornou o maior movimento de massas contra a ditadura civil e militar no Brasil. Com 19 anos, em 1966, entrei no Curso de Engenharia. Da Universidade Federal de Goiás. Desde o início, me juntei aos grupos de esquerda que combatiam a ditadura. Corações e mentes pulsavam no Brasil. A música de Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Gil, Vandré, João do Vale, Zé Keti, Sérgio Ricardo, Tom Jobim, Vinícius de Morais fustigavam a ditadura com canções de protesto, abordavam questões sociais e políticas, demonstravam a profunda desigualdade do país. Com passeatas de protesto contra a ditadura, em todo o país e tendo seu ápice na passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro, estudantes, intelectuais e artistas. Mais: as greves operárias em Osasco [SP] e Contagem [MG]. A ditadura, acuada, decreta o AI-5, o ato mais duro, sombrio e cruel da história do Brasil. Em 13 de dezembro de 1968. O fim das liberdades democráticas. Instala-se a censura à imprensa. A tortura e mortes nos presídios. Neste tempo agitado, eu me elegi vice-presidente da UEE – União Estadual dos Estudantes de Goiás e com o AI-5 assumi à presidência da UEE-GO. A Geração 68 foi o vetor principal nestes intensos anos de ebulição social. Produziu heróis e mártires. A partir daí, com a extrema violência do regime ditatorial, a nossa geração radicaliza contra a ditadura.
Quem são essas pessoas em Brasília?
Rubem Fonseca Filho – A Geração 68, em Brasília, constituiu um grupo no WhatsApp que chegou a ter 240 pessoas. Ativos no grupo tem umas 180. Criou-se também uma coordenação composta por: Hélio Doyle, Maninha, Betty Almeida, Madalena Rodrigues, Tancredo Maia, Moacyr de Oliveira (Moa) e eu. As pessoas da Geração 68 que moram hoje em Brasília, enfrentaram a ditadura militar, aqui ou em outros estados. Participando das passeatas, distribuindo panfletos, pichando muros, fazendo greves por melhorias no ensino e por liberdades democráticas. Nestes anos tumultuados da nossa história, no transcorrer da luta contra a ditadura, moldaram-se jovens líderes estudantis nos diretórios acadêmicos, nos DCEs [Diretório Central dos Estudantes], nas UEEs e na UNE [União Nacional dos Estudantes]. A juventude rebelde instigou as organizações tradicionais da esquerda. No movimento estudantil se criou duas importantes dissidências do PCB [Partido Comunista Brasileiro -“o partidão”]: a de São Paulo que se aliou à ALN [Ação Libertadora Nacional], de Carlos Marighella, da qual eu me incluí e a do Rio de Janeiro, que criou o MR-8 [Movimento Revolucionário 8 de outubro]. Muito ativo também era o PC do B, que implantou no campo a Guerrilha do Araguaia, a AP [Ação Popular que se originou da esquerda católica], a Ala Vermelha dissidência do PC do B), a Polop [Política Operária], a VPR [Vanguarda Popular Revolucionária] se juntou ao COLINA [Comando de Libertação Nacional] e deu origem à VAR-Palmares [Vanguarda Armada Revolucionária Palmares] liderada pelo Capitão do Exército Carlos Lamarca que fez ações de guerrilha rural no Vale do Ribeira. Muitos da G/68 de Brasília participaram das guerrilhas urbanas e rurais. Boa parte da G/68 de Brasília e do Brasil foi presa e torturada. Muitos da nossa geração, além de barbaramente torturados, foram também assassinados pela ditadura civil e militar. Como reação, as organizações guerrilheiras realizaram capturas de embaixadores estrangeiros, exigindo a libertação dos seus prisioneiros. Os guerrilheiros urbanos realizaram expropriações de bancos para apoiar a implantação da guerrilha rural. O objetivo dos guerrilheiros e de todas as organizações de esquerda era estabelecer um Estado socialista no Brasil. Em Brasília, tivemos o nosso mártir Honestino Guimarães. Hoje, essa geração, essas pessoas sempre na luta, estão unidas com outras forças no movimento Fora Bolsonaro!
Por que essas pessoas resolveram se juntar nesse momento?
Rubem Fonseca Filho – Porque a Geração 68, no passado, vivenciou momentos semelhantes na história do nosso país e sentiu por parte do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, uma movimentação [conspiração] com o objetivo de se implantar, de novo, uma ditadura civil e militar no Brasil sob seu comando. Por isso, a Geração 68 participa de uma grande frente que quer o Impeachment do tresloucado Bolsonaro. Os de cabelos brancos da Geração 68, os sindicatos, as centrais, dezenas de movimentos e os partidos de esquerda e progressistas se juntaram no grande movimento Fora Bolsonaro!
A geração 68 se resume a um grupo de pessoas com histórias comuns ou vai mais longe e já é um movimento?
Rubem Fonseca Filho – Posso dizer que a Geração 68 é um importante movimento. A ideia do movimento nasceu em São Paulo e hoje tem uma coordenação em praticamente todos os estados brasileiros. Hoje, o movimento Geração 68 tem milhares de participantes em todo o Brasil.
Todos os membros têm histórias relacionadas com a resistência à ditadura militar. Tem alguém trabalhando para juntar todas em um livro?
Rubem Fonseca Filho – Tem sim. A ideia do livro foi do jornalista Moacyr de Oliveira, o Moa, que compõe a Coordenação do movimento Geração 68, em Brasília, e está trabalhando na elaboração e edição do livro. Deverá ser selecionado um total de 68 depoimentos de pessoas, do grupo, que hoje moram em Brasília. Moa já tem em mãos a arte da capa e da contracapa e o projeto gráfico do livro. Olha, os textos estão chegando. Eu não comecei. Vou adiando. Relembrar esse intenso passado, da qual muito me orgulho, mexe com a gente e o cérebro ferve. Foram muitas lutas, muitas ações no movimento estudantil, na clandestinidade, mortes de companheiros brilhantes que se estivessem vivos estariam contribuindo muito com o nosso país. Essas memórias caminham comigo e me orientam até hoje nas lutas políticas.
Há algum projeto político eleitoral envolvido no grupo?
Rubem Fonseca Filho – Não. O foco hoje é participar e contribuir ativamente para intensificar, em Brasília, a mobilização da frente Fora Bolsonaro.
Embora seja formado por pessoas de esquerda o grupo/movimento tem gente de múltiplos segmentos da esquerda. O grupo pode ajudar na formação da tão sonhada frente de esquerda?
Rubem Fonseca Filho – Acredito que sim. A maioria da nossa geração que enfrentou a ditadura civil e militar, esteve sempre na luta e nunca deixou de fazer a boa política, em defesa do povo trabalhador e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Muitos da Geração 68 participaram da fundação de novos partidos de esquerda. Muitos se elegeram deputados e senadores. Outros se elegeram prefeitos e governadores e deram contribuições nas administrações de cidades, estados e do Brasil, conquistadas em eleições democráticas. Com programas implantados nas cidades, nos estados e no país, governados pela esquerda, tiveram repercussão internacional extremamente positiva A maturidade e a experiência temperada na luta, da Geração 68, pode contribuir com uma autêntica Frente de Esquerda.
Punho cerrrado
Já há algum tipo de discussão sobre eleições 2022 no grupo?
Rubem Fonseca Filho – Não. Não podemos cair nesta armadilha, isto nos divide. Neste momento o mais importante é centrar fogo na derrubada deste governo fascista que quer implantar a ditadura civil e militar. Essa nunca mais! O apelo maior é para que todos os democratas, estejam unidos no Fora Bolsonaro. Até a vitória!