Betty Almeida
Internacional

Para onde caminha o Peru?

Para onde caminha o Peru?

Keiko Fujimori é herdeira de tradição familiar de autoritarismo, fraude eleitoral e corrupção

 

Betty Almeida

De Brasília

Especial para o www.renatodias.online

 

Keiko Fujimori, da Força Popular, é a herdeira de uma tradição familiar de autoritarismo, fraude eleitoral e corrupção. Seu pai cumpre pena por crimes contra a humanidade e ela própria chegou a ser detida por corrupção. Contava, porém, com o apoio da direita peruana para cumprir a agenda neoliberal e perpetuar privilégios dos grandes empresários peruanos e do capital internacional. Mas acaba de ser derrotada em sua terceira tentativa de assumir a presidência do Peru.

Alberto Fujimori

Pedro Castillo, do partido Peru Livre – ambos pouco conhecidos – é um vislumbre de mudança nos rumos da política peruana. Sua declaração “Não mais pobres em um país rico” acende a chama da esperança na população pobre que o elegeu por pequena maioria. De origem humilde, professor das zonas rurais, sindicalista, líder de importante greve de sua categoria (no que se assemelha um pouco a Lula), autoproclama-se marxista, defende estatizações, ataca a desigualdade econômica, embora assuma posições conservadoras em relação a costumes, direitos reprodutivos femininos, legalização de drogas e mesmo em relação à pena de morte.

Pedro Castillo – eleito no Peru

Em um país religioso, de grande população camponesa, talvez justamente esse lado conservador de seu perfil tenha atraído eleitores da direita. Sua campanha deu-se essencialmente à maneira tradicional, com carreatas e comícios, em vez de presença ativa e maciça em redes sociais. Para Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto especializado em opinião pública e com experiência em pesquisas eleitorais no Peru, Pedro Castillo representa o Peru rural, dos pequenos rincões. Pedro Castillo tem uma ligação importante com os povos indígenas, a ponto de ser comparado com Evo Morales.

Keiko Fujimori, de extrema-direita, derrotada nas urnas

O Peru vem atravessando uma sucessão de crises. Corrupção, impeachment, suicídio, e a atual pandemia de Covid 19 configuram uma situação caótica no país. Entre 18 candidatos à  presidência, Pedro Castillo, um desconhecido, não foi tão visado pela oposição, que centrou fogo em Veronika Mendoza, candidata moderada da esquerda, que quase chegou ao segundo turno em 2016. Os eleitores peruanos decidiram-se entre uma direita corrupta que sempre espezinhou o povo e uma esquerda com propostas que trazem esperanças. A pequena margem da vitória espelha a polarização dos peruanos, mas também o cansaço com governantes que sempre desprezaram o povo.

Como vem acontecendo na América Latina (e até mesmo nos Estados Unidos), a derrotada Keiko Fujimori contesta o resultado da eleição, apoiado pelo sistema eleitoral do país e avalizado por observadores internacionais. Mas Pedro Castillo já se proclamou vencedor, mesmo antes do resultado oficial. E ao que tudo indica, as alegações de Keiko são inconsistentes e o resultado favorável a Pedro Castillo será confirmado. Ao ser investido na presidência dia 28 de julho, bicentenário da independência do Peru, os problemas de  Pedro Castillo estarão apenas começando. A configuração do Congresso peruano aponta perigos de governabilidade, materializados em uma forte ala fisiológica, que levou à derrubada dos presidentes Pedro Pablo Kuzinscki e Martin Viscarra.

A continuidade da maioria fujimorista da última legislatura poderá ameaçar o governo Pedro Castillo. Acordos com a ala fisiológica poderão tornar Pedro Castillo refém de um parlamento hostil. Por outro lado, o presidente peruano pode destituir o Congresso e convocar novas eleições. A Assembleia Constituinte proposta por Pedro Castillo, contudo, pode vir a ser um trunfo importante para a governabilidade à esquerda em um país que há vinte e um anos não elege um presidente saído de camadas populares.

Avaliar o impacto geopolítico representado por um presidente de esquerda no Peru implica em considerar os rumos políticos dos países do Cone Sul que rechaçaram a direita em suas últimas eleições, além de prognósticos para as eleições brasileiras de 2022. O Brasil traumatizado pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro e sua desastrosa gestão da pandemia poderiam trazer uma vitória da esquerda, não só na presidência, mas também no aumento de cadeiras no parlamento. Nesse caso, com Pedro Castillo no Peru e um presidente da esquerda no Brasil, é difícil crer que o grande capital internacional suportará impassível o advento de mais dois governos contrários a seus interesses na América do Sul.

Às dificuldades internas do Peru, então, poderia somar-se a intervenção do grande capital no governo de Pedro Castillo, sob inúmeras formas, desde pressões econômicas a conspirações e instigação de agitação popular encaminhadas para uma das muitas atuais modalidades de golpe, com (poucas) ou sem armas. Mas as eleições brasileiras não são favas contadas, muito ao contrário. Bolsonaro tem o aparelho governamental nas mãos. Têm militares e policiais com salários inflados. E suas milícias, que ele fez questão de exibir na recente motociata.

E embora algumas igrejas o estejam deixando, ainda existem pastores fiéis a dizer que os candidatos que propõem programas que beneficiam a população pobre são comunistas, ou seja, a encarnação do demônio. Castillo tem o apoio de metade dos eleitores peruanos. A Assembleia Constituinte poderá melhorar esse quadro. Mas a estabilidade do novo governo provavelmente custará o preço de acordos que mantenham a hegemonia estadunidense na América do Sul.

Peru em chamas

Betty Almeida é escritora, jornalista e analista do cenário político do Tempo Presente

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 20 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 20 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. 

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