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Política

PSTU: PCO e black blocks

PSTU: PCO e black blocks

José Maria de Almeida, band leader do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado [PSTU], ex-metalúrgico
No último dia 3 de julho, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo o país no terceiro grande dia nacional de mobilizações contra o governo Bolsonaro. Mesmo convocado às pressas diante das denúncias de superfaturamento e corrupção na compra de vacinas pelo governo, o 3J encheu as avenidas das principais capitais e se espalhou pelo interior, dinâmica que já havia ganhado impulso principalmente entre os atos do 29 de maio e de 19 de junho.
Vacinas
Vacinas
Em São Paulo, dezenas de milhares ocuparam a Avenida Paulista. Além das entidades, partidos e sindicatos, o ato contou com ampla participação de pessoas, sobretudo jovens, não-organizadas, fora do que tradicionalmente chamamos de “vanguarda”. Com cartazes escritos à mão, muitos traziam os nomes de vítimas do genocídio perpetrado pelo governo. A manifestação provocava ampla simpatia de outras pessoas que, mesmo sem se integrarem ao ato, de dentro dos carros, dos ônibus, ou mesmo das sacadas dos apartamentos, aplaudiam, e engrossavam o coro de “Fora Bolsonaro”.
Dois pequenos eventos, entretanto, em que pese a real proporção que tiveram diante da manifestação, acabaram por ajudar o governo em meio à crescente pressão que vem sofrendo das ruas. Na Avenida Paulista, uns poucos militantes do PCO expulsaram por meio de agressões físicas meia dúzia de tucanos que, bem afastados do centro da manifestação, empunhavam suas bandeiras com o nome do ex-prefeito Bruno Covas, e seguravam uma faixa escrita “PSDB-Fora Bolsonaro”. Não só bateram nos militantes do PSDB, como difundiram as imagens nas redes se vangloriando do feito. O outro evento aconteceu quando o ato já se dispersava. Um pequeno grupo depredou alguns pontos de ônibus, uma agência bancária e uma estação de metrô, e foram reprimidos pela Polícia Militar.
Bandeira do PSTU 27 anos
A grande maioria dos manifestantes sequer viu esses dois entreveros, mas as imagens das escaramuças municiaram as redes bolsonaristas. Até o final do dia, as milícias digitais da extrema-direita haviam ficado acuadas, desorientadas sem saber como responder aos atos cujas pautas traziam, além da denúncia do genocídio, o tema da corrupção. Bastaram as imagens da presepada do PCO e da repressão policial após o ato para que as milícias da ultradireita se atiçassem e atingissem a mesma influência e alcance que tiveram no 29M e no 19J. Encontraram, enfim, uma “narrativa” para unificar o discurso pró-governo: as manifestações se resumiam à “baderna” e “desordem”. Evidentemente, não agiram de forma espontânea. Foram centralizadas a partir do próprio Planalto. Bolsonaro, que vinha mantendo a tática de minimizar os protestos, sem muito efeito, viu aí uma oportunidade e mudou seu discurso, passando a tachar as manifestações de “violentas”. Esses são os fatos, independente da opinião que se tenha sobre o PCO ou a ação dos “black blocs”. Vamos falar agora sobre esses dois eventos que serviram de bandeja à extrema-direita num momento em que esta se via acuada.

PCO X Tucanos

No raciocínio tortuoso do PCO, talvez achassem que reproduziam a famosa revoada das galinhas verdes, mas com tucanos. Mas quem assiste às cenas deploráveis pode ver que a história não se repetiu nem como tragédia, nem como farsa. Foi ridículo mesmo. Meia dúzia de pessoas, certamente pagas pelo diretório do PSDB, levando chutes dos bravos militantes do PCO, que registravam as cenas como se estivessem numa luta encarniçada contra o “fascismo”, para postar depois nas redes sociais.
O PSDB não estava “infiltrado” no ato. Pelo contrário, já havia anunciado que iriam ao protesto. Mas esse nem é o problema. Na luta pelo Fora Bolsonaro, ou seja, para se pôr fim a esse governo, que é praticamente um consenso (ou deveria ser) que conta com um projeto autoritário, deve-se contar com todas as forças políticas que se disponham a ir às ruas contra ele. Todos os setores, incluindo a direita democrática-liberal. É o caso, por exemplo, do PSB, que já estava nos atos e passou incólume pela fúria tresloucada do PCO.
Não só é uma imbecilidade completa hostilizar o PSDB nas manifestações, como se deve fazer exatamente o contrário: exigir que todos os setores que defendem as liberdades democráticas e o fim deste genocídio participem também. É o be-a-bá da unidade de ação, que todo trotsquista deveria conhecer. Unidade em torno a um objetivo comum: derrubar esse governo, necessidade mais básica e urgente para a classe trabalhadora hoje e pré-condição para que paremos o genocídio em marcha e as ameaças autoritárias. Mantendo toda a independência política.
O PCO faz o contrário. Desde sua guinada petista lá atrás, é sectário na forma, mas oportunista ao extremo no conteúdo, defendendo o PT e os governos Lula e Dilma mais do que os próprios petistas. Ou seja, reivindica o PT que governou por 13 anos com e para a direita, os banqueiros, os grandes empresários e o agronegócio. E mais do que isso, o mesmo PT que hoje articula uma frente ampla que possa abarcar o próprio PSDB. Enquanto Lula se reunia com FHC, o PCO vendia camiseta do dirigente do PT em seu site. Unidade de ação com o PSDB, então, é inadmissível, mas governar sim. É o mundo invertido do PCO.

 

Luiz Inácio Lula da Silva – caricatura
Luiz Inácio Lula da Silva – caricatura
É absolutamente legítimo, e necessário, se utilizar da autodefesa diante de ataques ou provocações da ultradireita. Inclusive fisicamente. Em 2013, por exemplo, nos enfrentamos com grupos de extrema-direita nas ruas. Situação que nada tem a ver com os atos do Fora Bolsonaro, ou o PSDB. O que o PCO faz é justamente banalizar o enfrentamento à extrema-direita e atuar para desmoralizar as manifestações. As reais intenções disso permanecem nebulosas.
Tucano, símbolo do PSDB

A “tática black bloc”

Sobre o evento final, já com a dispersão da manifestação, repetiu-se o mesmo modus operandi que aconteceu no 19J, e que tantas vezes testemunhamos em 2013: um pequeno grupo separado da multidão começa a quebrar pontos de ônibus ou agências bancárias. A ação é acompanhada por uma estranha indiferença, à distância, pela PM, gerando a oportunidade do registro de um bom acervo de imagens. Ato contínuo, a Polícia Militar reprime de forma generalizada qualquer coisa que ande num raio de 500 metros. No caso agora, já não havia uma manifestação propriamente dita, mas jornalistas e fotógrafos foram agredidos e tiveram seus equipamentos danificados.
Primeiro, a repressão foi absolutamente desproporcional e absurda. A PM chegou a divulgar em suas redes sociais um vaso quebrado em frente ao Mackenzie como “prova” do vandalismo, a fim de justificar as agressões. A polícia enquanto instituição tem como função reprimir e atacar o movimento de massas, assim como qualquer ação da classe trabalhadora, como as greves, etc. Outra coisa é facilitar a ação repressora da polícia, e é isso o que a chamada “tática black bloc” faz, de forma deliberada ou não.
É exatamente por isso que, em 2013, houve tantos registros de policiais infiltrados, os chamados “P2”, caracterizados como “black blocs”. É uma forma eficiente, do ponto de vista da repressão, de deslegitimar e atacar o movimento. Não é coincidência que as depredações, tanto agora quanto em 2013, tenham tido toda a oportunidade de ocorrerem diante da cara da polícia. Ao contrário de uma manifestação de sem-tetos ou sem-terras que fecham uma rodovia ou fazem uma ocupação, e são quase instantaneamente reprimidos pela polícia, em geral nesse tipo de ação há um primeiro momento de completa indiferença, sendo posteriormente seguido de repressão. Não há como assegurar que as ações deste 3J tenham sido provocados por “P2” (embora seja curiosa a cena do suposto manifestante quebrando a vidraça de um banco e filmando ao mesmo tempo, ao lado de um “A” de anarquia sem o tradicional círculo em volta). A resultante, porém, é a mesma.
O “moderno” black bloc, que quebra vidro e filma ao mesmo tempo. E que não sabe desenhar o “A” do anarquismo
Em geral, os que defendem a “tática black bloc” afirmam se tratar de uma espécie de performance política a fim de expressar a raiva contra as instituições, o capitalismo, e, de alguma forma, elevar a consciência do povo. Mas, na prática fazem o oposto disso. Atuam contra a massificação dos protestos, e ajudam a legitimar a repressão. É, no máximo, e no melhor das hipóteses (quando não infiltração direta da polícia), a expressão de uma revolta individual, apartada das massas, e antidemocrática porque impõe a todo o movimento uma ação que provocará uma reação que atingirá a todos.
Não defendemos vasos quebrados ou vidraças de bancos, tampouco somos pacifistas. Principalmente, quando temos mais de meio milhão de mortos pela política genocida deste governo. Mas não vamos derrubar esse governo, ou esse sistema, quebrando uma ou duas vidraças de um banco. A legítima violência das massas se expressa exatamente quando a luta se generaliza, como no Paraguai em 2017, onde o povo na rua incendiou o Parlamento contra o então governo de Horacio Cartes. Quebrar um ponto de ônibus não vai dar vazão à raiva e indignação que cresce a cada dia embaixo. Ao invés de uma faísca que possa produzir uma explosão social, ajuda a tampar o fogo dos protestos.
Como afirmou Trotsky contra o “terrorismo individual”, devemos   rechaçar “todos os métodos e meios cujo objetivo seja forçar o desenvolvimento da sociedade artificialmente e substituir a insuficiente força revolucionária do proletariado com preparações químicas“. Nos opomos aos atos individuais porque “a vingança individual não nos satisfaz”. Nossa vingança se dará quando botarmos abaixo esse governo e esse sistema, e não duas ou três vidraças. E isso só ocorrerá quando massificarmos a luta. Algo que ações desse tipo (seja de ativistas ou infiltrados) dificulta.
Leon Trotsky

A necessidade da autodefesa do movimento

Defendemos a autodefesa do movimento diante da repressão do Estado, que também só pode ser realizada de forma coletiva e organizada. Em maio de 2017, em Brasília, na manifestação contra a reforma da Previdência, o movimento se enfrentou durante horas com a repressão. Foi um exemplo de força naquela ocasião, quando o movimento de conjunto impôs a manifestação contra a vontade da polícia.
Na conjuntura atual, com o crescimento dos protestos, a atuação direta da ultradireita, e a formação e organização de uma base miliciana pró-Bolsonaro nas forças de repressão, o tema da autodefesa ganha mais importância ainda. Uma tarefa que deve ser debatida com seriedade pelas entidades e organizações do movimento de massas, principalmente nas grandes manifestações pelo país. Tanto a autodefesa diante de sabotagens e provocações de agentes infiltrados, quanto em relação à repressão do próprio Estado.
Jair Messias Bolsonaro

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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