Opinião

Comissão estatal de memória e reparação

Comissão estatal de memória e reparação

Francisco Celso Calmon

Encaminhei esta proposta para o programa de governo Lula/Alkmin, e, como o limite da plataforma é de até mil caracteres, apresentei um resumo, conforme abaixo em itálico, e neste artigo exponho um arrazoado maior, com o propósito de fundamentar e ampliar o debate.

Proposta enviada para o item 3

https://www.programajuntospelobrasil.com.br/eixo-3/comunicacao-com-democracia-e-pluralidade/criar-comissao-estatal-permanente-de-memoria-e-reparacao

O SITE

Permite avaliar a proposta dando estrelinhas. Criar Comissão estatal permanente de memória e reparação. Alcance: Períodos traumáticos da história do Brasil – a escravidão dos indígenas, dos negros, e as ditaduras Vargas e militar. Não haverá democracia plena e sólida sem a aplicação da Justiça de Transição (JT). A JT é um processo no qual as violações aos DHs sofrem reparações judiciais, reformas no sistema político e social e medidas para prevenir a repetição do arbítrio e da impunidade.

Getúlio Vargas

Todo país que viveu um sistema antidemocrático necessita da JT para a estabilidade social e a compreensão dialética entre o passado e o futuro. Sem reparação e responsabilização, a impunidade prevalece e fará parte do DNA do país, como permissivo a outras práticas de barbárie acobertadas pela jurisprudência da própria história. O resgate da verdade histórica é o início para o processo de ruptura com a impunidade. O Estado tem a obrigação de preservar a memória dos períodos traumáticos da história através de museus, memoriais arquitetônicos e outras formas educativas de anteparo à negação e à recorrência. A CEPMR seria composta de no mínimo 8 (oito) membros, com mandato de cinco anos, renováveis. Representante do Executivo (Ministério dos Direitos Humanos), do Legislativo (Comissão de DH da Câmara), do MPF (idem), da Defensoria PF (idem) e da sociedade civil (movimentos dos indígenas, dos negros, dos anistiados, e dos filhos e netos dos ex-prisioneiros das ditaduras.

Ampliando as razões:

Sempre haverá a necessidade de uma Comissão da Verdade e Justiça quando uma democracia emergir após um estado autoritário. Todo país que viveu um sistema desumanitário, prevalecendo a barbárie em vez da civilidade, em lugar de uma democracia um regime de exceção, necessita de uma justiça transicional para construir a estabilidade social e a compreensão dialética entre o passado e o futuro, a fim de evitar que os entulhos pretéritos sejam transportados no ventre do novo sistema. Se a impunidade histórica prevalece, passará a fazer parte do DNA do país e incentivo a outras práticas de barbárie, acobertadas pela jurisprudência da própria história.

A justiça de transição tem basicamente três eixos. O primeiro é trazer à superfície aquilo que foi abafado, deformado e mentido. Contraditar a narrativa degenerada durante o arbítrio com a memória verdadeira baseada em provas documentais e testemunhais. Com isso passa-se ao segundo eixo, que é o estabelecimento da verdade, incontestável, pois fruto de um rigoroso trabalho de pesquisas alicerçadas sobre provas.

O terceiro eixo é o da justiça, que se abre em duas linhas: a primeira é a reparação moral, psíquica e material, a aqueles que foram atingidos pelos sistemas anticivilizatórios, tal qual o etnocídio dos indígenas, o genocídio dos negros, e dos afetados diretamente pelos regimes excepcionais, ou seja, os atingidos pela ditadura do Estado Novo e pela Ditadura Militar, e, também, pelas práticas neogenocidas do governo bolsonarista; a segunda linha da justiça é a responsabilização do Estado e a criminalização dos seus agentes, autores das políticas terroristas e dos atos de agressão aos direitos humanos.

Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra

A memória irá contribuir para a compreensão pública dos abusos passados e fomentar a consciência de rejeição a esses períodos históricos. As atividades nesse sentido conduzidas pela sociedade civil têm sido um dinamizador para que os Estados assumam seus deveres. A verdade estabelecida, documentada, vai possibilitar a prova para o cumprimento do eixo da Justiça. É a observância do direito humano de que todas as vítimas e sobreviventes de violações têm o direito de saber, respaldado tanto pelas regras e tratados internacionais como constitucionais do nosso país.

As vítimas não podem esquecer e o Estado tem a obrigação de preservar a memória desses longos períodos traumáticos e marcantes da história do Brasil. Nesse sentido, museus, nomes de espaços públicos como logradouros e ruas, memoriais arquitetônicos, atividades comemorativas de efemérides, são formas educativas e servem como anteparo à negação e à recorrência ao autoritarismo passado.

Blindados de Jair Bolsonaro

As iniciativas da constituição da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão da Anistia, da Comissão Nacional da Verdade, foram iniciativas positivas na aplicação da Justiça de Transição, entretanto, foram insuficientes, haja vista a assunção do Bolsonaro e o estabelecimento do bolsonarismo, com adesões sociais em torno de 20% da população, entre esses muitos jovens que não viveram e desconhecem ou conhecem a narrativa mentirosa do passado do Brasil.

Anistia, em 1979

A própria lei da anistia, que foi capciosamente interpretada no sentido de anistiar aprioristicamente àqueles que sequer foram indiciados, como os agentes que cometeram as graves violações aos direitos humanas durante a ditadura militar, carece de reinterpretação técnica e política correta.

Cartaz dos mortos e desaparecidos - Quarta reportagem
Cartaz dos mortos e desaparecidos

A Comissão da Anistia e a dos Mortos e Desaparecidos Políticos sofreram inversão de suas finalidades, sendo necessário que o próximo governo invalide todas as medidas tomadas durante o governo bolsonarista. A abrangência do trabalho dessa Comissão Estatal Permanente de Memória e Reparação, deve percorrer do período da escravidão e das ditaduras até as consequências transgeracionais, psíquicas, sociais, culturais, políticas, jurídicas.

Os generais de Jair Bolsonaro

Os crimes de lesa-humanidade ocorreram desde o dia do golpe de 1964 e até após a promulgação da Lei da Anistia e suas sequelas atingiram filhos e netos, bem como as decorrências geracionais da escravidão. Feridas abertas necessitam ser limpas para serem cicatrizadas. Por todo o exposto, a pauta memória, verdade e justiça é permanente e estratégica, até que o país se erga sobre uma plataforma de rejeição completa a esses períodos traumáticos e estabeleça um novo sistema no qual a dignidade humana seja o bem maior da nação.

Golpe de Estado de 1964
Golpe de Estado de 1964

Para isso, já temos parte do caminho andado, que foi a apuração da memória e verdade pela CNV e suas 29 recomendações, no entanto, o Estado brasileiro não cumpriu essas recomendações e nem apurou criminalmente os agentes e seus comandantes que praticaram os crimes imprescritíveis de lesa humanidade. Ademais, no governo bolsonarista as Comissões da Anistia e de Mortos e Desaparecidos andaram na contramão de suas finalidades, cabendo ao próximo governo anular suas decisões e restabelecer o curso em conformidade com seus escopos legais.

Desaparecidos políticos
Desaparecidos políticos

Militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade, declarou, na reunião do Conselho da República, em 19/02/2018, o general Eduardo Villas Boas, na época comandante do Exército. Enquanto os militares temerem a verdade histórica, a nação não caminhará sob eixos sólidos, todavia, acima do temor de generais cúmplices da ditadura, está o porvir do Brasil.

Comissão Nacional da Verdade: os crimes da ditadura civil e militar

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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