Política

É o enfraquecimento de Lula?

Renato Dias

Professor doutor de História, Alberto Aggio traduz Francesa Izzo, uma pensadora italiana. A pesquisadora reinterpreta as ideias do revolucionário morto em 1937, Antonio Gramsci, sob o fascismo de Benito Musssolini. Ele examina o conceito de cosmopolitismo e afirma, hoje, com exclusividade ao Portal de Notícias www.renatodias.online que os conceitos de Vladimir Ilich Ulianov Lênin e Lev Davidovich Bronstein Trotski estariam superados em 2025. O intelectual registra o crescimento global da extrema direita e alerta para ameaças à democracia com o enfraquecimento do Governo Federal e também das esquerdas democráticas no Brasil.

A Internacional

Leia a íntegra da entrevista

O que Antonio Gramsci conceitua como cosmopolitismo de novo tipo na versão de Francesca Izzo?

Alberto Aggio _ Francesca Izzo entende que Gramsci, baseado numa releitura profunda da história da Itália, recupera a marca cosmopolitista italiana desde o Império Romano, na figura de César. Nessa perspectiva, Izzo retrabalha o lugar decisivo dos intelectuais italianos no sentido de promover essa sua característica. Com o advento do movimento socialista, da Revolução bolchevique e com os problemas dai advindos com a crise dos Estados Nacionais, para Izzo, Gramsci vê uma via de passagem num cosmopolitismo de novo tipo para novos sujeitos transformadores da sociedade, pensados a partir de uma perspectiva global.

O que é Moderno Príncipe?

Alberto Aggio _ O Moderno Príncipe é uma alegoria, uma construção discursiva trabalhada por Gramsci nos seus “Cadernos do Cárcere” que nasce de uma releitura crítica do livro de Maquiavel e do que se chamou de “maquiavelismo”, para colocá-lo na época das grandes transformações que estão ocorrendo na Europa e no mundo depois da Primeira Grande Guerra. O sentido ambicionado por Gramsci é a recuperação da política na perspectiva de construção da hegemonia num tempo de “revolução passiva” e de crise orgânica dos Estados Nacionais, não mais de revolução como foi a revolução bolchevique, a que ele havia aderido, mas já era capaz de visualizar grandes problemas e desafios históricos que a problematizavam. 

 

Qual a sua crítica à noção de internacionalismo de Lênin e Trotski?

Alberto Aggio _ Lênin e Trotsky foram lideres revolucionários que se formaram no século XIX e num país atrasado da Europa, mesmo tendo ambos uma vivência internacional significativa. A lógica de ambos é a política como potência, expressa no movimento revolucionário que eles lideraram. Daí deriva sua perspectiva internacionalista, com Lênin mais voltado para a consolidação do poder revolucionário, e Trotsky pensando ainda que a revolução russa era apenas um capítulo inicial da revolução mundial. Essa lógica foi superada historicamente e Gramsci foi um dos pensadores que percebeu isso de forma antecipada e dramática.

O que significa Revolução Passiva?

Alberto Aggio _ É um conceito complexo, intencionalmente paradoxal. É formulado a partir de uma perspectiva global e não territorialista, nacional, em sentido decimonônico. Ele alude ao esgotamento histórico da revolução do tipo jacobino-bolchevique, que estaria levando à diversas derrotas do movimento operário na Europa e no mundo. Por isso, é um conceito que assume o caráter de um “critério de interpretação” da realidade social, ou seja, das transformações sociais em perspectiva mundial. Interpretar a realidade como “revolução passiva” também indicaria a necessidade de repensar o tipo de política que as classes subalternas deveriam adotar. Por isso, o conceito de “revolução passiva”, em Gramsci, tem um par analítico e propositivo com o conceito de “hegemonia”, ou seja, a necessidade de pensar a política não apenas como ação voltada para a conquista intempestiva do poder de Estado.

O que é Transformismo em Antonio Gramsci?

Alberto Aggio _ O transformismo é um neologismo criado e generalizado como uma categoria de análise da política contemporânea que busca compreender a prática política de determinados atores tanto na transformação quanto na normalização dos processos de mudança histórica, notadamente aqueles tem repercussão na implantação do moderno na estrutura social. Ele expressa, no plano da política, a dinâmica e o sentido das mudanças históricas. O transformismo é a expressão de processos e atores envolvidos em dinâmicas de transformação que se distinguem dos momentos concentrados de transformação histórica presentes nas revoluções. O transformismo emerge em contextos de “revolução passiva”, mas não depende exclusivamente da existência da “revolução passiva” para ocorrer. Em contextos de “revolução passiva”, a estratégia dos atores e as dinâmicas de transformação se mostram sempre dependentes da manutenção de elementos de conservação existente na sociedade, que passam a ganhar relevância política. Por outro lado, em situações nas quais o transformismo aparece desconectado de um processo de “revolução passiva”, o mais provável é que a cena política seja tomada por um conjunto de ações de caráter reacionário que, como observou Antonio Gramsci, acaba por gerar “sintomas mórbidos” que corroem, de maneira mais ou menos profunda, o organismo social.

O que Antonio Gramsci quer dizer quando se refere aos intelectuais orgânicos dos trabalhadores?

Alberto Aggio _ O tema dos intelectuais é central. Por ele, Gramsci investiga como as classes dominantes constroem sua hegemonia e como as classes subalternas têm como tarefa histórica compreender essa construção, dialogar com ela no sentido de perceber suas arestas e seus elementos substanciais, e, por fim, formular uma nova filosofia – que Gramsci chamou de “filosofia da práxis” – capaz de reconstruir a hegemonia na sociedade por meio de uma estratégia de “hegemonia civil”, capaz de superar tanto a perspectiva de uma ilusória “contra-hegemonia” quanto a ideia restrita de uma hegemonia de classe, pensada, inevitavelmente, em termos de uma “ditadura do proletariado”, como era a perspectiva leninista de hegemonia.

É possível explicar de forma didática para o leitor os conceitos de hegemonia política e cultural de Antonio Gramsci?

Alberto Aggio _ Talvez essa disjuntiva esteja sendo propriamente a perspectiva da extrema-direita ao tratar de Gramsci. Para ela, Gramsci seria um referente para sua ação política (disputar a hegemonia cultural, dizem os extremistas) e, ao mesmo tempo, atacar qualquer proposição da esquerda e julgá-la como expressão da anti-liberdade, como se a hegemonia em Gramsci estivesse sendo pensada para conquistar o mundo da cultura e depois implantar uma ditadura política. A hegemonia é um conceito que, em Gramsci, está sendo pensado politicamente para uma época na qual o fenômeno da revolução, entendida em termos convencionais, já estaria ultrapassado, e, portanto, também estariam ultrapassadas as formas de poder que a revolução suscitou. Política, cultura e filosofia estão sendo pensados em permanente articulação na obra de Gramsci.

Fundado nas ideias de Antonio Gramsci, como explicar o crescimento da extrema direita global?

Alberto Aggio _ Há uma crise mundial que Gramsci caracterizaria como “orgânica”, na linguagem do seu tempo. O crescimento da extrema direita global é o resultado de uma crise de hegemonia das forças democráticas em plano mundial. Esse processo vem desde o fim do “comunismo histórico” representado pela ex-URSS, do aprofundamento da crise do Estado de Bem-Estar Social na Europa, principalmente, mas também das grandes transformações tecnológicas que varreram as últimas décadas alterando todas as dimensões da sociabilidade. Mas gerando questões novas e contingentes. Entramos num mundo de incertezas cada vez maiores. A extrema direita se aproveita disso lançando mão de “novas filosofias” pragmáticas de reposição de “mundos ideais”, desprovidos de contradições e desafios. Vivemos num mundo em que a revolução se esgotou historicamente, as várias modalidades de revolução passiva produziram limites e limitações à emancipação humana, mesmo que tivessem promovido algo de positivo nesse sentido, e os transformismos viraram espaços abertos para os “mercadores de almas”, cavalgando monstros quase indecifráveis. Não há como não aceitar que a crise seja profunda. Num país como o Brasil, esses traços da hora presente são dramáticos visto o enfraquecimento notável do governo atual.  

A democracia continua sob ameaça no Brasil  após 8 de janeiro de 2023?

Alberto Aggio _ A sensação de ameaça persiste não precisamente pelos acontecimentos do 8 de janeiro de 2023. Persiste porque a esquerda brasileira, especialmente a que está no governo federal, nunca entendeu as mudanças globais que ocorreram nos últimos anos. Há uma mudança profunda na sociedade brasileira e a sustentação da democracia que, de certa forma, ajudou a implementar a mudança ao criar os espaços para absorvê-la, fez tudo isso acossada pela própria esquerda que agora governa o país. Por isso, estamos numa posição absolutamente defensiva e, muito provavelmente, entraremos numa situação que não poderá ser caracterizada senão como de “resistência” para podermos retomar, mais à frente, o generoso movimento de democratização e emancipação que vivenciamos nas últimas décadas.

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

Avatar photo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *