Foi bonita a festa pá
Renato Dias
Capitães das Forças Armadas ocupam com tanques e armas as ruas na madrugada fria de Lisboa, a capital de Portugal. Cai a mais longeva ditadura civil e militar da Europa. Do Velho Mundo. De 48 anos. De 1926 a 1974. Sob o som de Grândola Vila Morena, 25 de abril, a Revolução dos Cravos. Sem disparar um tiro. Romântica e com reviravoltas.
Mais: um economista, adepto da receita de ajustes fiscais ortodoxos e austeridade, com o auxílio da polícia política violenta, a PIDE, o recurso à arma da censura, a bênção da Igreja Católica, Antônio de Oliveira Salazar montou o Estado Novo, não entrou na Segunda Guerra Mundial e adota os mantras nacionalista e protecionista na economia.
Os gastos estratosféricos com as tentativas de sufocar as guerras pela independência colonial em Angola, Moçambique e Guiné Bissau, o cansaço das Forças Armadas, as crises cíclicas com o modelo econômico, a desigualdade social, o atraso econômico do País, ausência de democracia há 48 anos fomentaram o clima revolucionário.
Um ano depois, em 1975, como revolução e contrarrevolução estão em disputa, o general Antônio Spinola solicita ao ditador do Brasil, o luterano Ernesto Geisel, apoio financeiro e militar para deflagrar um golpe de Estado e não obtém respaldo. Como a Grécia, Portugal promove uma Justiça de Transição e pune os crimes do Salazarismo.
A História não é linear. Nem possui caminho inexorável. Cinquenta anos depois, em 25 de abril de 2024, Portugal tem, hoje, no Poder, a direita, após anos de hegemonia das esquerdas. A novidade é o Chega. De extrema-direita, xenófobo, conservador, avesso à inclusão. Legenda que obteve uma expressiva votação nas últimas eleições.
Explicações
Para a longevidade do Salazarismo
Apesar da afinidade política e ideológica de Antônio de Oliveira Salazar com os fascismos da Itália, de Benito Mussolini [1922-1945], e de Adolf Hitler [1933-1945], Portugal, pragmática, manteve vínculos com Inglaterra e França e a neutralidade sob o tensionamento mundial e a Segunda Guerra [1939-1945], diz David Maciel, professor doutor da Faculdade de História da UFG.
Após o conflito, Portugal integra a OTAN, operação política que permite atrair capital externo, reforçar a centralização capitalista e garantir por décadas a manutenção do colonialismo tanto na África quanto na Ásia, avalia o pesquisador. O que explicaria a longevidade da ditadura civil e militar em Portugal, de 48 anos, com Antônio de Oliveira Salazar e depois, Marcelo Caetano.
Historiador e jornalista, especialista em Geopolítica, Frederico Vitor de Oliveira informa, hoje, ao Portal de Notícias www.renatodias.online que a estrutura de poder do Estado Novo era fascista, mantida pelo latifúndio, Forças Armadas, Igreja Católica e a polícia política, a PIDE, e relata que Portugal estava na Periferia da Europa. Em papel secundário, observa o analista.
Mais: populista, de linhagem conservadora, o ditador Antônio de Oliveira Salazar possuía traços fascistas, extraía lucros das colônias, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, avalia o historiador Reinaldo Pantaleão. Já a Revolução dos Cravos irá romper com a estrutura e lógica do Salazarismo, registra. Um marco à esquerda, atira 50 anos depois.
Portugal, meu avozinho!
Lenine Bueno
Professor de Arquitetura e Urbanismo
Este foi o título de um artigo do jornalista conservador David Nasser na revista “O Cruzeiro” logo depois do sequestro de um navio português por um opositor de Salazar. Refletia um Portugal conservador, parado no tempo e guardião dos costumes de um tempo somente presente nas canções populares. Desde os anos 1950 Portugal destoava do conjunto dos países europeus: “neutro” na 2ª. Guerra, fez companhia a Franco e com a Espanha manteve as melhores relações entretendo profícua aliança na cata de opositores e no conservadorismo comum.
Para entender o “congelamento” da Nação portuguesa é preciso evocar o contexto do sul da Europa desta época, onde, da Grécia a Portugal, passando pela Itália, temos um quadro de relações capitalistas arcaicas, onde o colonialismo decadente se une a relações de produção atrasadas e a um déficit de modernização assombroso: a Espanha franquista se apoiando – paradoxalmente – no turismo e Portugal, seguindo suas pegadas “artesanalmente” e combinando esta atividade à produção agrícola, azeite e vinho. (Espanha também!)
O mesmo acontecia na Grécia, com os mesmos ingredientes e a mesma qualidade dos azeites e dos vinhos… Ora, era evidente o descompasso ibérico em relação aos demais países europeus, que já tinham “harmonizado” suas relações com as antigas colônias e “enterrado” seu passado de exploração colonial, ainda nos anos 1960. Assim, poderia o frágil e empobrecido estado português manter guerras coloniais em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, a um custo crescente e com um aparato econômico baixa produtividade?
É neste quadro que surge o Movimento das Forças Armadas, onde a jovem oficialidade resolve cumprir se ideal e renovar o seu amado Portugal. Guerras coloniais, capitalismo decadente e uma sociedade petrificada em uma religiosidade em branco e preto, nos mostram o que era Portugal em 1964. A então ascendente Comunidade Europeia, se não estimulou, observou de perto e velou para que as mudanças sociais não “exagerassem”. Gente como Otelo Saraiva, Lobo Antunes, e outros buscavam avançar neste processo de modernização com o socialismo em seu visor estratégico, combatendo os adeptos de um “salazarismo sem Salazar”, que logo se manifestaram.
O contragolpe de direita do General Antonio Spínola buscou por aqui o apoio que a sociedade portuguesa não lhe deu e não conseguiu as armas desejadas para “restabelecer uma ordem” que o capitalismo recusava, por arcaica! Assim, entre percalços de toda espécie os Capitães de Abril não conseguiram a manutenção do poder cedendo passagem aos socialdemocratas de Mario Soares que deram sequência ao processo de institucionalização do pais. Estive em Portugal logo depois do 25 de abril e não entendi a profundidade do que estava acontecendo: a Lisboa cosmopolita de hoje contrasta agressivamente com a cidade parada no tempo de 1975, onde você se sentia dentro de um fado de Amalia Rodrigues. Nem mesmo o turismo daquele que era o “Jardim d’Europa a beira-mar plantado” evoluía.
E nem poderia, pois, o salazarismo era isso, a petrificação das relações sociais, o engessamento da atividade econômica. A emergência das mudanças revolucionárias não se fazia sentir de pronto e os visitantes eram tratados com uma cativante hospitalidade que nada tem em comum com o turismo industrial que se instalou e se mostra até agressivo nestes tempos de Airbnb; me lembro ainda de passar por uma livraria no Rocio, ser convidado para entrar, com um “vem tomar um café com a gente” que me enterneceu…
É isso: necessidade de modernização capitalista, o caldo e cultura das guerras coloniais e uma demografia que remoça a sociedade e faz aflorar novas demandas e a repulsa total a um clima que minava a vida social e o cotidiano das pessoas e se antepunha a qualquer processo modernizante. A juventude portuguesa dizia não às guerras coloniais, não a opressão conservadora muito presente em uma Europa que já tinha passado pelas lutas sociais de 1968. Por isso, Renato Dias, mande um cravo para mim! Ouvindo Zeca Afonso e sua Grândola, vila morena!