Vanguarda do atraso
Márcio Santilli
No semestre passado, a bancada ruralista, denominada Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), condicionou o seu apoio aos projetos de lei que regulam o mercado de carbono à exclusão da agropecuária da lista dos setores produtivos que mais emitem gases do efeito estufa e que, por isso, devem assumir metas para reduzir as suas emissões. Mas reivindicou o acesso do setor às oportunidades econômicas da política climática.
Na semana passada, ao discutir, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, um projeto de lei que regula os planos de adaptação aos impactos da mudança climática, a FPA também exigiu que o setor ficasse desobrigado, fosse apenas “incentivado” a tratar das suas vulnerabilidades e tivesse acesso a outras vantagens econômicas. Como o relator do projeto, senador Alessandro Vieira, só acolheu a desobrigação, a bancada requereu o seu envio para a Comissão de Agricultura, onde quer fazer o serviço completo.
A bancada ruralista finge que não sabe que o mercado do carbono tem caráter compensatório e que é da obrigação de reduzir emissões que decorre o interesse nos créditos, pagos a quem se disponha a cumprir parte dessas metas. Também finge que não sabe que a agropecuária está entre os setores mais vulneráveis à mudança climática.
O agro produziu uma safra recorde em 2022/23, com um crescimento de 15% em relação à anterior, e que alavancou o aumento de 2,9% do PIB de 2023, anunciado nesta semana. Porém, a economia ficou no zero no quarto trimestre do ano passado, puxada para baixo pela queda de 5% na safrinha de meio de ano, atribuída a fatores climáticos.
A quebra na safrinha já se deu por influência do fenômeno El Niño, que decorre do aquecimento excessivo das águas do Pacífico equatorial e que, na atual edição, veio agravado pelo aumento da temperatura na superfície terrestre, sobretudo das águas do Atlântico equatorial. Sua influência foi sensível no plantio da safra 2023/24, ainda não colhida, mas que promete perdas em várias regiões.
Muitos produtores atribuem essas perdas a fatores sazonais naturais. De fato, o El Niño, assim como o La Niña, o aquecimento do Atlântico equatorial, são fenômenos naturais e sazonais. O que não é normal é a intensidade atual, a persistência dos ciclones extratropicais no Sul e das ondas de calor no Sudeste e no Centro-oeste, o avanço da desertificação no Nordeste e a estiagem inédita na Amazônia.
Se a redução no volume de chuvas e a irregularidade na sua distribuição forem perenes, os efeitos sobre a agropecuária serão devastadores. Os cientistas alertam que esses fenômenos estão sendo provocados ou potencializados pelas mudanças climáticas, que, por sua vez, são promovidos pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, fruto da ação humana.
A bancada ruralista articula, hoje, a maioria dos deputados, além de muitos senadores, e pode aprovar projetos de lei. A agenda que ela promove é regressiva: enfraquecer o licenciamento ambiental e o Código Florestal, impedir a demarcação de terras indígenas, regularizar o roubo de terras públicas, liberar o uso de agrotóxicos lesivos à saúde.
Em vez de favorecer o aumento dos conflitos, do desmatamento e de outros danos ambientais, a FPA, para ser fiel à agropecuária e protegê-la da ameaça climática, deveria ter uma agenda positiva e buscar soluções. Mas não é ela que protagoniza a regulação do mercado de carbono e da adaptação. Só usa a sua força para emparedar o trâmite dos projetos sobre o assunto e tungar as propostas que querem enfrentar a crise, sem propor soluções.
A sustentabilidade climática do agronegócio depende dos seus formuladores de estratégias e dos seus representantes enfrentarem os seus fatores de emissões, aumentarem o conhecimento sobre as suas vulnerabilidades e adaptarem os seus processos produtivos às novas condições climáticas em cada caso. Se tivessem agenda positiva consistente, ficariam em posição de força para romper os seus laços com o “ogronegócio”, que mata, desmata, polui e, ainda por cima, queima o seu filme.
Além de se encarar no espelho e construir agendas positivas, o agronegócio precisa que os seus concorrentes e os demais setores produtivos também o façam. O seu peso na economia e na política deveria induzi-lo a liderar, em vez de retrancar, os processos legislativos, o que dependeria de credibilidade e reconhecimento.