Para tempos de intolerância
Eduardo e Mônica, filme inspirado em letra de Renato Russo e música da Legião Urbana
Renato Dias
A cara da década de 1980 do século XX. Ele pode servir como um modelo ou padrão civilizatório ao Brasil do ano de 2022. Já no século XXI. Tempos sombrios. Fundados na intolerância e no culto ao ódio à democracia e à ciência. Assim poderia ser definido ‘Eduardo e Mônica’. O longa metragem inspirado na letra de autoria de Renato Russo. O band leader da Legião Urbana. A música compõe o LP Dois. Um hit dançante que marcou a geração.
Eduardo Souza, estudante secundarista de aparelho ortodôntico a emoldurar o sorriso. Monica, em luto pela morte do pai. Artista plástico incentivo exilado. O garoto, órfão de mãe, era criado pelo avô, com quem jogava futebol de botão. O velho era uma viúva da ditadura civil e militar. Noite que durou 21 anos. A jovem iria se formar em Medicina. Amante do cinema de Jean-Luc Godard. Realizador francês. A paixão envolve-os.
Brasília, década de 1980
O cenário é Brasília. Capital da República fundada em 1960 pelo então presidente Juscelino Kubitschek. Com baladas de rock’n roll. Festa estranha com gente esquisita, canta Renato Russo. Artista que morreria de Aids, em 1996. Explosão do rock, protestos políticos e UNB. A idade, os caminhos e obstáculos da vida conspiram contra a celebração para um final feliz da relação entre opostos. O audiovisual brasileiro mostra o seu vigor.
Serviço
Filme: Eduardo e Mônica
Produção: Nacional
Com: Alice Braga, Gabriel Leone, Victor Lamoglia, Otávio Augusto, Bruna Spinola
Direção: Renê Sampaio
Avaliação: Ótimo
Eduardo e Mônica
Renato Russo
Legião Urbana
Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?
Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram
Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir
Festa estranha, com gente esquisita
Eu não tô legal, não aguento mais birita
E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
É quase duas, eu vou me ferrar
Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard
Se encontraram, então, no Parque da Cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo
Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão
E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia, como tinha de ser
Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato, e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar (não!)
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz
Construíram uma casa há uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana, seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram
Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias, não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação
E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?