Stalinismo e comunismo no Brasil

Stalinismo e comunismo no Brasil

Cientista político Marcos Guedes [UFPE] aborda a história do PCB de 1922 a 1992
Renato Dias
Os bolcheviques adotaram, após a revolução russa socialista de 25 de outubro ou 7 de novembro 1917, no novo calendário, políticas sectárias e autoritárias. Sob a hegemonia do advogado de classe média, refém da calvície, intelectual marxista, Vladimir Ilich Ulianov, ‘codinome Lênin’, nascido em 22 de abril de 1870 e morto em 21 de janeiro de 1924. A análise é do professor doutor titular do Departamento se Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE], Marcos Guedes, autor de Comunismo e Stalinismo no Brasil, Editora Prismas. Fundamentado em pesquisas na Europa, Velho Mundo, Estados Unidos das Américas e Brasil.

O pesquisador examina a longa História do PCB. O historiador e cientista político narra e formula ácida críticas ao Partido Comunista do Brasil. Fundado em 25 de março de 1922, por nove operários, em Niterói, Rio de Janeiro. A sua trajetória é dividida em três partes. Do putsch político e militar fracassado de novembro do ano de 1935, com a ANL e o Komintern, à etapa de unidade nacional com a burguesia, em tempos de coexistência pacífica e da Guerra Fria e o último, do declínio da URSS, o seu fim em 1991, a extinção em 1992, do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, e a Era do PPS. O PCB, nos moldes de 2021, é refundado em 2006.

Lênin anuncia a criação da Tchecka, a polícia política antecessora da violenta KGB, em 20 de dezembro de 1917, controlada por Felix Dzjerjinsk. Minoritários, os bolcheviques decretam o fechamento da Assembleia Nacional Constituinte, em 19 de janeiro de 1918. Os socialistas-revolucionários de esquerda e os mencheviques de esquerda são expulsos do poder soviético. Mais: os anarquistas, isolados. Silenciados. A guerra civil é aberta em 1918 e encerra-se apenas em 2022. A família imperial, de Nicolau Romanov II, é executada na madrugada fria, gélida, trágica, do dia 17 de julho de 1918, na Casa Ipatiev, na Sibéria.

O massacre à revolta dos marinheiros de Kronstadt é promovido em 18 de março de 1921. Logo após, a proibição de frações dentro do PCURSS, proposta por Lênin, é aprovada no 10º Congresso da sigla soviética. O autoritarismo e o sectarismo se consolidam, aponta Marcos Guedes com exclusividade ao Portal de Notícias www.renatodias.online A filósofa política Hannah Arendt diz que os homens querem mudar o mundo, delegam poder a um grupo ou indivíduo, que precisam de freios institucionais e morais, pesos e contrapesos, para evitar uma tendência à tirania, atira.

A história é ilustrada por tiranos que chegaram ao poder nutridos de supostas ‘boas intenções’, afirma o cientista político. As consequências do sucesso dos tiranos constituem os elementos para os seus próprios fracassos e àas suas derrotas, diagnostica o intelectual público. O bolchevismo, o partido único e a tradição autoritária do Leste Europeu foram as bases políticas, ideológicas e administrativas em que o georgiano Josep Stálin, um ex-seminarista [1878-1953], construiu, operou e executou no Estado Soviético. O terror contra uma parte da população, sublinha. “Crimes da polícia secreta atingiam dissidentes políticos e ideológicos”, destaca.

A política classificada como ‘Terceiro Período’ adotada pela Terceira Internacional, a central mundial da revolução socialista criada em 1919 por Lênin e Liev Davidovich Bronstein, nom de guerre de Leon Trotski [1879-1940], morto em 21 de agosto na Cidade do México, que permitiu a ascensão do nazismo de Adolf Hitler, na Alemanha, no ano turbulento de 1933, assim como a derrota dos Republicanos na Guerra Civil Espanhola [1936-1939], a ‘última batalha das utopias’, com a ascensão do fascismo de Francisco Franco, tornou o movimento socialista internacional como um ‘braço do stalinismo’, diz Marcos Guedes.

_ O seu fracasso é a pá-de-cal no movimento socialista internacional, que desde então, deixou de possuir protagonismo central na política global.
Pós-1927, o PCB passou a ser uma organização de caráter militar e submissa a Josep Stálin, define-o. País de tradição política autoritária, o Brasil não resistiu e curvou-se ao stalinismo, resume. No Chile, no Cone-Sul, os comunistas locais liam Karl Marx bem antes dos escritos de Lênin, relata. O Brasil apreende Marx e Lênin pelos escritos de Josep Stálin, fuzila. A esquerda brasileira entendia que stalinismo e marxismo eram a mesma coisa, ironiza. Uma tragédia teórica gauche, metralha. Observação do editor: a exceção é Mario Pedrosa, Lívio Xavier e Pagu, do Grupo Lenine, do Grupo Bolchevique-Lenine e da Liga Comunista Internacionalista, da Oposição de Esquerda Mundial.
– Em 1935, a esquerda se perdeu em dogmas. O resultado? Trágica derrota.

Saiba mais
Nota introdutória
Marcos Guedes
Cientista Político
UFPE
Cem anos atrás as nações entravam em uma rota de colisão. O que levou a duas grandes guerras mundiais e à Guerra Fria. As inseguranças trazidas pelo mundo industrial e urbano alimentavam a sedução de se percorrer caminhos onde as certezas ideológicas garantiriam uma sociedade estável, alicerçada em um sistema centralizador e totalitário. Foi assim que os sonhos dourados das revoluções europeias produziram consequências que mais tarde levariam ao terror na União Soviética, e nos anos seguintes ao Fascismo, na Itália, e ao Nazismo. na Alemanha.

Em 1991, a Guerra Fria chegara ao fim e desde então duas décadas e meia já se passaram. Nesse período obras foram publicadas sobre o comunismo no Brasil. Nenhum, contudo, preocupado com a abordagem e o uso das fontes primárias que cito. Isso me motivou a deixar o livro o mais próximo possível da pesquisa original. Existem três áreas-chave nos estudos de partidos políticos. A primeira lida com a estrutura partidária, tratando de sua organização, composição de seus quadros, liderança, sistemas partidários e suas relações com outras organizações sociais.
Tais como sindicatos e associações empresariais. A segunda aborda o desempenho partidário e analisa, basicamente, o apoio eleitoral de um determinado partido, ou seu papel em negociações políticas. Uma terceira área voltada para políticas partidárias e ideologias. Nela se produziu uma enorme quantidade de material tentando estabelecer uma relação entre partidos políticos e grupos ou classes sociais, ou revelando interesses políticos por trás de programas partidários, ou ainda determinando a existência de influências nacionais ou internacionais.
Comunismo e Stalinismo no Brasil, Editora Prisma, pertence à última categoria. O problema aqui considerado é se as políticas do Partido Comunista do Brasil [PCB] se originaram de fontes nacionais ou internacionais. O que tem dividido a literatura sobre o movimento comunista. Por um lado, os defensores da abordagem nacional acreditam que as políticas do PCB foram, inicialmente, um produto de ideologias nacionais como tenentismo, nacionalismo, ou resultado de desvios de direita e de esquerda causados pela influência ideológica pequeno burguesa.
Eles creem que elas resultaram, na grande maioria dos casos, de avaliações e decisões tomadas pela liderança comunista brasileira sobre a conjuntura nacional. Os defensores da abordagem internacional acreditam que as políticas do PCB foram, basicamente, reproduções dos dogmas, práticas stalinistas, bem como de políticas que Stálin e líderes soviéticos traçaram para o Movimento Comunista Internacional [MCI] via suas organizações: a Internacional Comunista, IC ou Comintern [1919-1943] e o Bureau de Informação Comunista ou Cominform [1947-1956].
As políticas do PCB não resultaram de um pensamento independente e crítico produzido pelas lideranças brasileiras. Comunismo e Stalinismo no Brasil apresenta uma interpretação geral das políticas do PCB de uma abordagem internacional, em diferentes períodos da vida da sigla, desde o fim da década de 1920 até a sua dissolução em 1992. É baseado em ampla pesquisa documental. A base é o Albert Sloman Library da Universidade de Essex. Documentos e estudos guardados, por exemplo, na ex-URSS, ex-RDA, nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Brasil.
Ao explorar o banco de dados interligado das bibliotecas inglesas, localizei material e planejei visitas em busca de informações. Assim, na British Library e na Marx Memorial Library, pesquisei uma série de estudos e documentos sobre o tema e todas as edições em inglês, espanhol, francês, russo, alemão e português dos jornais da Internacional Comunista e do Cominform. Nos arquivos do Foreign Office, nos arredores de Londres, li e fotocopiei todos os relatórios da diplomacia inglesa sobre comunismo e insurreição no Brasil, em novembro do ano de 1935.
Com memórias e depoimentos de militantes comunistas. Tanto a minha monografia de bacharelado quanto a dissertação de mestrado foram sobre o PCB sob a chamada redemocratização de 1945. Na época, as preocupações acadêmicas estavam voltadas para o entendimento do que de fato deu de errado naquele momento histórico. O que levaria à falência do emergente sistema democrático e a cassação da legenda do PCB. Posteriormente, à instabilidade política que em menos de duas décadas desaguou – se na ditadura civil e militar do ano de 1964.
Sem dúvida que a Guerra Fria [1945-1991] desempenhou um papel importante nesses desdobramentos, mas seria, ao meu ver, irresponsável se deter apenas nesse aspecto, uma vez que em outros países se conseguiu manter o poder civil e uma esquerda legal. Ao meu ver o cerne da questão estava em como as elites políticas nacionais, de direita e de esquerda, elaboravam a narrativa de Brasil. Essa narrativa era, em geral, composta de leituras doutrinárias e incompatíveis com as respectivas práxis dessas mesmas elites políticas.
A direita discursava, e ainda o faz, um liberalismo ilustrado de elogios à socialdemocracia europeia e ao Estado Mínimo enquanto conscientemente gozava, e ainda o faz, em berço esplêndido das benesses do patrimonialismo estamental brasileiro. Quando começou a evoluir do anarquismo e estava prestes a descobrir Karl Marx, a esquerda comunista se deixou ceifar pelas forças disciplinadoras do stalinismo, confundindo-as com a sedução libertadora da revolução russa. Por décadas, a esquerda conheceu e venerou a narrativa stalinista e reduziu Marx ao Manifesto.

Nos anos 1960 luzes inovadoras brilharam. Incapazes, porém, de sensibilizar a causa partidária. Maoísmo. Castrismo. Foquismo. Sempre o dogma do pensamento. Coube ao sindicalismo dos anos de 1980 e ao PT o desafio de renovar a esquerda e levá-la ao poder. Estrela petista que brilhou como um cometa e que sucumbiu, deixou a esquerda órfã em um mundo que a cada dia se parece mais com o de cem atrás. Se o desafio político do Brasil no século passado foi pensar e construir um modelo original de poder além do patrimonialismo e do imperialismo, capaz de domar o capitalismo selvagem, reduzir as desigualdades, estabelecer a democracia, a tarefa está inconclusa. Ao olhar um segmento das forças políticas nessa perspectiva, o livro mostra como e porque os comunistas brasileiros não conseguiram realizar o seu objetivo estratégico.

