Fernando Casadei Salles
Internacional

China século XXI: a metamorfose do mundo

China século XXI: a metamorfose do mundo

Fernando Casadei Salles
Há quase duzentos anos Marx no seu famoso Manifesto Comunista começava já no primeiro parágrafo com a constatação da presença de um fantasma rondando a Europa: o fantasma do comunismo. Essa insólita presença, segundo o autor, teria sido responsável por inéditas alianças de forças tanto pela extensão quantitativa dos seus participantes quanto pela diversidade ideológica das forças políticas reunidas: “do papa ao czar,…dos radicais franceses aos espiões alemães”. Todos unidos contra o fantasma comum.
Karl Marx e Friedrich Engels
Karl Marx e Friedrich Engels
Passados quase dois séculos a caça ao fantasma reaparece sob nova versão: Modelo 2.0, made in China. Sai o antigo modelo de fantasma e entra um novo, totalmente adaptado às circunstâncias e idiossincrasias, criado a partir da crise internacional do capitalismo em escala mundial. O novo fantasma surge como risco à humanidade. A emergência da China à posição de potência mundial principal, caso se efetive como a maioria das análises apontam, não só deslocaria o impensável poder político mundial do Ocidente para a Ásia como encerraria um processo de hegemonia ocidental de pouco mais de 500 anos, iniciado ainda na era das grandes navegações marítimas. Mas, independentemente da amplitude concreta da imaginação, o fantasma da emergência da China como principal força do poder político internacional, em vias de se consolidar como opção concreta se confronta ainda com diferenças de requisitos metodológicos, políticos e ou filosóficos completamente distintos a de outra épocas vigentes durante a modernidade iluminista que precisam ser superados.
Xi Jinping
Se a motivação central dos animadores de fantasma no passado se moveu sob as condições do Estado-nação com seus respectivos corolários de independência e soberania nacional, a dos contemporâneos se dá sob novas condições. Entre as quais se destaca as dadas pela globalização onde o princípio da independência das nações cede espaço ao da interdependência. Nas palavras do recém falecido sociólogo alemão Ulrich Beck, autor entre outros livros de A Metamorfose do Mundo, a referida situação corresponderia ao processo em andamento decorrente da substituição do “nacionalismo metodológico”, onde o mundo gira em torno da nação pela categoria oposta do “cosmopolitismo-metodológico”, onde inversamente é a nação que gira em torno do mundo. A partir dessa cosmovisão o fantasma chinês se imiscuiria nas entranhas da interdependência entre as nações, da qual nem mesmo a condição de futura potência hegemônica a isentaria da condição de parte intrínseca da cosmopolitização do mundo. Seria como uma dialética em que o mundo e suas diferentes partes fossem para efeito da sobrevivência da própria contradição parte e ao mesmo tempo sociedade global. Nenhuma parte da contradição sobreviveria sem a outra.
Deriva dessa diferença metodológica, posta aos caçadores de fantasma do presente em relação aos do passado uma série de obstáculos e ou limitações que delimitam a luta contra a emergência da China como maior potência mundial no curso do século XXI. A primeira dessas limitações é quanto a natureza geoestratégica que delimita o referido problema. O mundo no qual se desenvolve a emergência da China como a grande potência mundial não é igual ao mundo no qual a Inglaterra se consolidou como primeira potência nos meados do século XIX e início do século XX, quando o capitalismo industrial se consolidava como o modo de produção mais dinâmico do mundo em transição para o capitalismo monopolista que dava seus primeiros sinais e, ou mesmo quando os EEUU ascenderam a essa posição em substituição a Inglaterra ao longo do século XX, no período de ouro do capitalismo quando, inicialmente, o capitalismo de monopólio se consolida para em seguida faze-lo transitar da indústria para o setor financeiro, para a financeirização do capital. Enquanto o mundo do início do século XXI observa aterrorizado a crise em escala mundial da decadência do capitalismo, observa também o fenômeno concomitante da ascensão da China candidata à maior e mais importante nação do mundo.
Por fim cabe assinalar a diferença fantasmagórica entre os mundos que serviram de contexto às diferentes hegemonias desde a da Inglaterra a dos EEUU, ao mundo atual no qual a China se candidata a ser reconhecida como a nação mais importante do mundo. O melhor referencial talvez seja coadjuvação dessas hegemonias com a trajetória histórica desenvolvida pelo modo de produção capitalista. De maneira geral as trajetórias do capitalismo desenvolvidas ao longo da hegemonia mundial da Inglaterra, séculos XIX e início do XX, são lineares, progressivos e continuístas. Enquanto o estágio do capitalismo no início do século XXI é de decadência e ruptura. Exatamente no qual a China ensaia sua caminhada mais decisiva rumo ao lugar de nação mais importante do mundo.
Joe Biden
Joe Biden
Comparando essa trajetória com a da Inglaterra do século XIX e EEUU do século XX, vê-se que enquanto a trajetória dessas se dá em um clima de continuidade e progresso sem fim, sem novidade portanto para os planejadores estratégico, para a China as balizas que delimitam a sua trajetória é marcada por características distintas, que marcam indelevelmente a humanidade no início do século XXI: o princípio da incerteza e do risco. Há quem se refira a esse novo mundo como um mundo em metamorfose (A Metamorfose do Mundo-Novos Conceitos Para uma Nova Realidade, Ulrich Beck)
Parodiando Ulrick a ascensão da China precisa ser examinada talvez muito mais como uma metamorfose do que como um mundo simplesmente em crise e ou em transformação. Seja como for, falta compreender em que medida a metamorfose que contextualiza a ascensão da China como a principal Nação do mundo contribuirá para a diminuição tanto das incertezas sociais como a fome e a miséria que se espalham em dimensões significativas pelo mundo, como sua liderança tratará junto com as outra nações do mundo os riscos internacionais disseminados por toda sociedade global.
Fernando Casadei Salles

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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