Marighella, carbonário baiano
Marighella, carbonário baiano
Sem censura
ALN, a esquerda em armas contra a ditadura civil e militar no Brasil
Renato Dias
Com um revólver na nuca, o segurança do trem se rende à expropriação. Uma operação com a participação do inimigo público número um. Da ditadura civil e militar. Tempos sombrios. Uma noite que durou 21 anos. História real. Da luta armada no Brasil. Do ano de 1968 até 1975.
Filho de um italiano de olhos azuis e de uma negra, neta de escravos, da etnia Haussá, Carlos Marighella nasceu em Salvador, Estado da Bahia. A terra de todos ‘os santos’. Jovem, ele ingressa no curso de Engenharia. Graduação que nunca terminaria. O estudante entra para o PCB.
Um golpe de Estado civil e militar, em 2 de abril de 1964, com aval dos EUA, Congresso Nacional, referendo da Corte Suprema, suporte dos conglomerados de mídia, a benção da Igreja Católica, apoio da OAB e ABI, depõe o presidente da República, João Belchior Marques Goulart, o Jango.
Já em 1964, o mulato Marighella é baleado e preso, em uma sala de cinema ao lado de crianças, na cidade do Rio de Janeiro. Crítico do Partidão, o revolucionário funda o Agrupamento Comunista, depois cria a Ação Libertadora Nacional [ALN]. A organização adota a luta armada.
Bancos são expropriados para financiar a guerrilha rural. O início da revolução socialista no Brasil. Poeta, um amante do gênero musical samba, ele alertou a Joaquim Câmara Ferreira e a Virgílio Gomes da Silva, Jonas, que a captura de Charles Burke Elbrick aumentaria a repressão.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, radicado na Cidade Maravilhosa, parou no cativeiro. De um consórcio revolucionário. Da ALN e MR – 8. Dia 4 de setembro de 1969. Quinze presos políticos foram libertados. Eles desembarcaram, livres, na Cidade do México. Após horas de voo
Homens e mulheres do porão fecham o cerco. Quedas em efeito dominó. Caem o GTA e o GTB. Da ALN. Além de militantes do MR-8. A relação da ALN com os dominicanos é descoberta. Freis são submetidos às torturas. Exatos dois meses depois da captura de Charles Burke Elbrick [EUA].
Sérgio Fleury monta operação. 4 de novembro de 1969. À Alameda Casa Branca, nº 600, à noite. Um ponto. Emboscada. Com a participação de 57 agentes do Estado. Desarmado, sentado no banco de um Fusca, um carro da Volkswagen, Carlos Mariguella é executado. A sangue frio.
_Um ano após, é morto sob tortura: Toledo.
Saiba mais
O que foi a ditadura civil e militar: 1964 – 1985
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, marechal Humberto Castello Branco.
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil e em Goiás, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. O crime permanece até hoje, 2021, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1983, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Hegemonia cultural
Uma disputa pela memória
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.
Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele encontrava-se em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública.
Veja o filme Marighella
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