224 mortes já por covid-19 em Jataí
Crise sanitária
224 mortes já por
covid-19 em Jataí
‘Quando morre um, é uma multidão que morre’
Simone Oliveira Gomes
Durante as comemorações de Natal e de Ano Novo no fim de 2019, enquanto familiares e amigos se abraçavam comemorando o nascimento de Jesus ou início de mais um ciclo de renovação da fé, dos sonhos e da esperança em nossas vidas, um ser invisível aos nossos olhos surgia em um horizonte distante, até então, e trazia em si dores e perdas gigantescas para a humanidade, naquele ano de 2020 que começava. Eram nossas últimas festas livres, nossos últimos abraços sem medo, nossos últimos sorrisos sem máscaras. Rapidamente, a dor e a morte ganhavam o mundo. O ser invisível já tinha nome: novo coronavírus.
E sua doença, a cada dia, estaria mais e mais presente em nossas vidas. Eram os números de vítimas da covid-19 na Itália, na Inglaterra, nos EUA, na Espanha. A tragédia era rápida, era terrível, mas, para nós, de uma cidadezinha no interior de Goiás, no interior do Brasil, embora já nos comovesse, os mortos ainda não tinham rostos, não tinham nomes, nem apelidos. Eles estavam lá e nós aqui. Humanos que somos, cheios de afetos, de amores amigos, amantes e familiares, sempre nos foi difícil lidar com a saudade, com a distância dos nossos cantinhos de aconchego e de carinho, com a ausência do toque amoroso de quem só nos quer bem. E foi justamente a saudade que trouxe para Jataí nossa primeira pessoa infectada com o novo coronavírus. Vinda da Espanha, cheia de amor e de saudade dos seus, ela foi diagnosticada, aqui, no dia 18 de março de 2020. A proximidade do amor, do afeto, tornou-se isolamento.
Fomos entendendo forçosamente que já não poderíamos abraçar sem medo quem amamos. Ir trabalhar era perigoso. Passar na casa da mãe pra tomar um café já não era mais carinho. Reunir a turma no fim da tarde no barzinho já não era tão bacana. Uma solidão imensa se instalava na pequena Jataí. Um novo normal nos envolvia, nos aprisionava e nos revoltava. Nossa primeira vítima fatal da covid-19 sucumbiria, aos 72 anos de idade, no dia 18 de maio daquele ano. A primeira família que perdia o pai, o avô, o irmão, o esposo, o filho, o amigo. Afinal, cada um e cada uma de nós somos muitos nós para os muitos que amamos e nos amam. Cada um de nós somos um bocado de amor repartido e vivo. Agora, pouco mais de 11 meses após a primeira vida perdida, chegamos assustadoramente a 224 mortes.
Não conheço um coração nessa cidade que não esteja partido, dolorido, dilacerado, porque perdeu a mãe, perdeu o pai, perdeu o filho, a filha, a esposa, o marido, o amigo, a amiga, a noiva, o noivo, o namorado, o avô, a avó, o colega, o vizinho, a professora, o aluno, o empregado, o patrão, o conterrâneo… Afinal, quando morremos um, somos uma multidão que morre. Quando morremos 224, todos nós morremos. Por isso, nós, do Projeto Colmeia Solidária, nos solidarizamos com cada um e cada uma que perdeu alguém que ama para essa doença e com toda a nossa comunidade. Estaremos sempre aqui, juntas e juntos, para lutarmos com amor e sabedoria pela vida. Sonhando com festas livres, com abraços sem medo, com sorrisos sem máscaras, no dia em que vencermos esse vírus e essa dor imensa e insuperável nos trazer a dimensão exata do valor de uma única vida.
Simone Oliveira Gomes, advogada
Em nome de todas as voluntárias e dos voluntários do Projeto Colmeia Solidária