Codinome Clemente
USP exibe documentário
Codinome Clemente
Filme da cineasta Isa Albuquerque. Tempos sombrios. Da ditadura civil e militar no Brasil. A luta armada. Esquerda em armas. Hoje e amanhã. Conversa online nesta sexta-feira, às 17h
Renato Dias
Codinome Clemente. Um filme da cineasta e jornalista Isa Albuquerque. Tempos sombrios. Da ditadura civil e militar no Brasil. Com escalada conversadora na América Latina. A luta armada. Esquerda em armas. Prisões, torturas, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, exílios, internacionalismo. Com uma roda de conversa. É o que o Grupo de Antropologia Visual [GAVI] da Universidade de São Paulo [USP] exibirá e promove nesta sexta-feira, 19 de março de 2021. Sob a Pandemia do Coronavírus Covid 19 e o descontrole do Palácio do Planalto, habitado, hoje, por Jair Messias Bolsonaro. Com as participações especiais da realizadora, Isa Albuquerque, da historiadora Maria Claudia Badan Ribeiro, autora do livro seminal ‘Mulheres na Luta Armada – O Protagonismo Feminino na ALN’, Editora Alameda, lançado no ano de 2018. Já um best-seller. Além dos professores da USP, Esther Hamburger, de Cinema, e de História, Osvaldo Coggiola e Wilson do Nascimento Barbosa. Virtual, online, o bate-papo começará às 17h. O filme estará disponível até amanhã, às 16h59. Mais: o acesso é gratuito.
Registros
O comandante do II Exército, general Humberto de Souza Mello, desceu do carro. Para participar de um culto religioso. Um fiel da Igreja Batista. Em São Paulo, capital. Vila Mariana. Um consórcio com Ação Libertadora Nacional, a ALN, e o Movimento Revolucionário Tiradentes, o MRT, montara uma operação revolucionária. Para capturá-lo. Não era um sequestro. O que é um crime comum. Captura é um ato revolucionário. Contemporâneo daqueles tempos sombrios. Anos de chumbo. O comandante da ação, Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Codinome: Clemente. Ele ingressara na luta armada aos 16 anos de idade. Os guerrilheiros cercaram o oficial e a sua família. Com armas nas mãos. De grosso calibre. De surpresa. Agentes do DOI-CODI [SP] lhes fecharam. A retaguarda da revolução fez um círculo contra os meganhas do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. A operação acabou sem captura. Nem presos. Mortos ou feridos. O militar, com sangue frio, sugeriu a retirada. De todos. O que ocorreu.
Filho de Maria da Conceição Sarmento Coelho da Paz, que treinara em Cuba, acabara presa pelo delegado do Deops [SP], Sérgio Paranhos Fleury, torturada e libertada após campanha internacional, ele morreu em 2019. Dois anos sem ele. Lágrimas da viúva Maria Claudia Badan Ribeiro, graduada em Letras, mestre em Sociologia, doutora em História, com estágios pós-doutorais em Sociologia e História. Autora de ‘Mulheres da Luta Armada – Protagonismo Feminino na ALN – Ação Libertadora Nacional’. Para a apreensão da ditadura civil e militar e suas múltiplas formas de resistência. Com a cineasta cultuada, Isa Albuquerque, ela promove, hoje, uma campanha de arrecadação de recursos financeiros. Motivo: para levar às telas, no Brasil e no exterior, o filme-documentário Codinome Clemente, da realizadora. É que a Ancine, agência do Governo federal, cancelou, em um cenário de grave ataque às liberdades democráticas, os subsídios já previstos para a distribuição da produção cinematográfica.
_ A meta é arrecadar R$ 280 mil. Para contribuir, acesse http://vaka.me/758706
Com imagens de época, depoimentos de ex-militantes, uma angulação original, testemunhos explosivos, Codinome Clemente relata uma cena antológica. O último tiro. De misericórdia. Depois da saraivada de balas. Contra o presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen. Um dinamarquês radicado no Brasil. Homem que financiava a tortura a presos políticos. Nos anos de chumbo & de ouro. Quem apertou o gatilho? Ele: Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. O último comandante militar da ALN. Uma organização de extrema-esquerda. Fundada pelo carbonário baiano, filho de um italiano de olhos azuis e de uma negra, neta de escravos, da etnia Haussá, Carlos Marighella. A ALN adotou a estratégia de luta armada contra a ditadura civil e militar. Sob a inspiração na revolução de 1º de janeiro de 1959, em Cuba, e nas ideias de Régis Debray, autor de ‘Revolução na Revolução’. Uma fagulha que incendiaria a seca pradaria. O ex – guerrilheiro morreu, dia 29 de junho de 2019, em Ribeirão Preto, São Paulo.
– De câncer de garganta e com problemas cardiovasculares. Nascido em Maceió, Alagoas, em 23 de julho de 1950, morreu aos 69 anos de idade.
A sua aventura revolucionária iniciou-se aos 16 anos de idade. Secundarista. No Colégio Pedro II. Ano: 1966. Dois anos depois do golpe de Estado civil e militar de 1º e 2 de abril de 1964. Operação civil [Fiesp, CNBB, OAB, ABI, PIB do Brasil], militar [Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública Militar], midiática [Conglomerados de comunicação, monopólios de mídia], jurídica [STF], institucional [Congresso Nacional] e internacional, com a ativa participação dos Estados Unidos, com Lyndon B. Johnson, Inglaterra e França, que depôs o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. ‘Clemente’ foi o ‘codinome’ de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Ele serviu o Exército Brasileiro [EB], hegemônico nas Forças Armadas, no tradicional Forte de Copacabana. A sua ideia estratégica era receber treinamento militar e aprender as múltiplas operações de contraguerrilha. Exímio atirador, ele chegou a ser condecorado na caserna. Carlos Marighella morreu em 4 de novembro de 1969. Joaquim Câmara Ferreira, ‘Toledo’, ‘Velho’, é assassinado no dia 23 de outubro: 1970. Registro: sob torturas.
Exílios
Contra a sua vontade, a Coordenação Nacional da ALN aprovou a sua saída do Brasil. Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz foi parar em Havana, Cuba. Depois, Moscou e Europa. O guerrilheiro rejeitou projetos revolucionários. Como o de Arnaldo Ochoa. General cubano. Com a anistia, retornou ao Brasil. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça o anistiou. No ano de 2010. O relator do seu caso é Egmar José de Oliveira, de Goiás, advogado e ex-vice-presidente da instância. Uma das medidas da tardia e incompleta Justiça de Transição, no Brasil. Bem distante dos modelos adotados na Argentina e no Chile, Cone Sul; de Portugal, Itália, Grécia, Europa, Velho Mundo; além da África do Sul, com Nelson Mandela, preso político durante 27 anos do ‘Apartheid’, regime de segregação racial. Autor dos livros ‘Viagem à Luta Armada’ [1996], Editora Civilização Brasileira, e ‘Nas Trilhas da ALN’ [1997], Record. A sua namorada Ana Maria Nacinovic Correia foi executada extrajudicialmente. A sangue frio. Músico, ele casou-se com Maria Claudia Badan Ribeiro. O filme documentário Codinome Clemente, não custa lembrar, é uma produção cinematográfica inédita no Brasil. Vale a pena conferir.