A fúria contra ‘Codinome Clemente’
Sob Regina Duarte, secretária Nacional de Cultura, a Ancine seguraria, hoje, R$ 750 milhões, recursos carimbados para o cinema nacional, que deveriam ser repassados ao setor, reclama a cineasta Isa Albuquerque, 58. A diretora, radicada há exatos 30 anos no Rio de Janeiro, quer lançar, dia 27 de julho de 2020, no mercado nacional “Codinome Clemente”. O pré-lançamento na França, Portugal e Suíça, em múltiplas cidades, universidades e salas de cinema, estava programado para iniciar-se no mês de março. A crise mundial do Coronavírus Covid 19 explodiu e impediu a sua saída e a de Maria Cláudia Badan Ribeiro, doutora em História, autora de As mulheres da ALN, viúva do personagem emblemático da luta armada no Brasil contra a ditadura civil e militar morto em 2019, de câncer, em Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo.
“O guerrilheiro lamenta apenas não ter acertado o tiro de raspão que deu no delegado do Departamento de Ordem Política e Social [SP], Sérgio Paranhos Fleury, morto em 1979” – Isa Albuquerque
A realizadora informa com exclusividade que o documentário possui uma hora e quarenta e um minutos de duração. O filme traz imagens exclusivas, desenho e animação, revela. Assim como contém revelações e entrevistas explosivas, pontua. Com Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, Franklin Martins, ex-MR-8, o ideólogo e redator do texto da captura, ato revolucionário, que não é sequestro, que é tipificado como crime comum, do embaixador dos Estados Unidos das Américas [EUA], no Brasil, Charles Burke Elbrick, ocorrido em 4 de setembro de 1969, na Cidade Maravilhosa. Por um consórcio da ALN e do MR-8. Franklin Martins fugiu do Brasil, transportado para São Leopoldo [RS], pelo estudante da ALN Fernando Casadei Salles. Uma rota montada por Carlos Marighella com Carlos Alberto Libânio Christo.
A produção cinematográfica tem depoimentos de Alberto Muniz, Aloysio Nunes, homem da ALN, em Paris, com participações em ações armadas, Walderez Coelho da Paz, estudante presa no XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, São Paulo, imagens de Joana, o codinome de Maria Conceição Coelho da Paz, presa e torturada, de Antonio Roberto Espinosa, ex-Vanguarda Popular Revolucionária [VPR] e ex-VAR-Palmares, preso em 1979, Carlos Russo Júnior, ex-ALN, na cadeia de 1969 a 1974, quando foge para a Argentina, Ilma Noronha, Guiomar silva Lopes, médica, da direção nacional da ALN, Takao Amano, guerrilheiro urbano, Ana Maria Nacinovic, uma das paixões do revolucionário Clemente. O filme é sentimento, resume Isa Albuquerque, que nasceu no Maranhão. O primeiro plano é sentimento, define. Clemente queria a revolução
“Codinome Clemente, em síntese, seria a emoção humana e os conflitos advindos” – Isa Albuquerque, cineasta
Codinome Clemente, em síntese, seria a emoção humana e os conflitos advindos, sublinha. Trocando em miúdos: a subjetividade do Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. O que o moveu, destaca. De 1968, ainda secundarista, a 1973. Com a execução de Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragás, dinamarquês radicado no Brasil, ocorrida em março de 1971. Ele arrecadava, com Delfim Netto, o czar do milagre econômico brasileiro, de 15 de março de 1967 a 15 de março de 1974, dinheiro ao DOI-CODI. O justiçamento de Márcio Leite de Toledo, em um ambiente tóxico, de paranoia, da repressão política e militar dos anos de ouro e de chumbo. O guerrilheiro lamenta apenas não ter acertado o tiro de raspão que deu no delegado do Departamento de Ordem Política e Social [SP], Sérgio Paranhos Fleury, morto em 1979.
O filme durou nove anos para ser finalizado. Com baixo orçamento, registra. A Ancine deveria repassar ainda à produção de ‘Codinome Clemente’ o valor de R$ 200 mil para exibição nas salas das 27 unidades da federação e gastos com divulgação e marketing. Da bilheteria, 25% retornarão aos cofres da Ancine, informa. É a história do tempo presente. Clemente, ícone da luta armada nos Anos de Chumbo, sempre esteve à margem das narrativas, anota. Homem das lutas clandestinas contra a ditadura civil e militar, instalada com o golpe de Estado de 1964, deflagrado pelas Forças Armadas, ratificado pelo Congresso Nacional e a Corte Suprema, com o suporte dos Conglomerados de Comunicação, em editoriais, da Igreja Católica, OAB, ABI, das classes médias fascistas, da Marcha da Família com Deus, e dos EUA: ‘Operação Brother Sam’.
“É a história do tempo presente. Clemente, ícone da luta armada nos Anos de Chumbo, sempre esteve à margem das narrativas” – Isa Albuquerque, cineasta
A pandemia do Coronavírus Covid 19, declarada pela Organização Mundial de Saúde, a OMS, não estava no mapa, prevista, interrompe os projetos em execução, fechou 100 por cento das salas de cinemas, lamenta a cineasta bela e cult Isa Albuquerque. A Ancine cria e recria entraves burocráticos, que poderiam ser evitados, explica. Um território das incertezas, desabafa. A verdade também é que a cultura está sob ataque, denuncia. Com uma indefinição nos rumos da gestão da atriz Regina Duarte. Fatores externos e internos, revela. Planos interrompidos, informa. Em um tom de tristeza. Em relação às dificuldades apresentadas no ano de 2020, século XXI, da modernidade líquida, como anota o sociólogo polonês dissidente Zygmunt Bauman, na economia, na política, na cultura, na sociedade, além da saúde pública.