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Dono do poder na Rússia

A mística do novo czar

Vladimir Putin é suspeito da morte de Alexander Litvinenko

Jornalista, Anna Politkovskaya acabou executada em 2006

População carcerária do País é composta por 15% de empresários

Rússia amarga 154ª posição em transparência entre 178 países

Presidente por acidente, ele é o operador de um sistema de governo, paranoico e fechado, que trabalha para aniquilar os seus inimigos. Não custa lembrar: em 1999, o seu padrinho político, Boris Yeltsin. com baixíssimos índices de popularidade, não passava de uma sombra do que fora no passado recente. A Rússia mergulhara em hiperinflação, corrupção e desigualdades abissais. Os russos passaram a odiá-lo com absoluto fervor. O clã no poder procurava um sucessor. Boris Berezovsky apresentou um nome de um homem que recusara-se a receber propina, ao chefe de

gabinete presidencial, Valentin Yumashev. Ele não tinha feito carreira no PCURSS e era do FSB, a ex-KGB. Deu certo. Vladimir Putin assumiu o Poder Executivo.

De Boris Yeltsin:

– Parece um bom homem, mas um tanto baixinho.

Na verdade, o novo comandante da Rússia era esbelto, baixo, elegante e usava ternos europeus. Com a cara da nova Rússia que Boris Yeltsin prometera dez anos atrás, em 1991. O velho bêbado que atropelara Mikhail Gorbatchev, o reformista Gorby,  sabia muito bem que o seu afilhado não deixaria que lhe processassem ou o perseguissem. No dia 9 de agosto de 1999, Vladimir Putin é nomeado primeiro-ministro do País. Oito anos depois da extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas [URSS]. O novo líder, que aparecera na televisão russa com ‘mensagens duras’ contra supostos terroristas, já dava claros sinais de que governaria com mão-de-ferro. No apagar das luzes daquele turbulento ano, Boris Yeltsin renuncia: 31 de dezembro.

– O maior País do mundo em extensão territorial, possuidor de petróleo, gás e armas nucleares, tinha um novo líder…

Medo e mídia leal. É o que queria a partir de então o novo czar. Oculta, a sua nova face logo se desnudou. Explosões ocorrem no País, Jornalista, Masha Gessen, em ‘Putin – A Face Oculta do Novo Czar’, Editora Nova Fronteira, insinua que os atentados ocorreram para disseminar o medo, incitar os cidadãos a se unificarem em torno de um novo líder, implacável. Filho de Maria e de Vladimir Putin, ele nascera em Leningrado, em 1952, sete anos após a segunda guerra mundial e o início da guerra fria, que dividira o mundo em dois blocos, um socialista, e outro, capitalista: EUA versus URSS. Na infância e também na adolescência, o garoto vivia se envolvendo em brigas, sopapos e confusões

De adolescente brigão a jovem disciplinado. Assim ocorreu a transformação em sua personalidade. O seu sonho era ingressar na KGB, a polícia política soviética, um braço armado do Estado cruel com os dissidentes. O homem ingressa no curso de Direito, começa a fazer judô e chegou a possuir um carro, ganho em uma loteria pela família. A KGB o contatou. Ele se casou aos 31 anos de idade, um pouco velho para os padrões russos, com uma comissária de voos domésticos, Ludmila Putin, e teve duas filhas: Maria e Ekaterina. Tempos depois, é designado para Dresden, Alemanha. Após quatro anos no exterior, ele consegue dinheiro para comprar apenas um carro. O casal mora uma época com os pais. A vida em Moscou era dura. Para lá de Russa…

A sua ascensão política iniciou-se como assessor do presidente da Câmara Municipal de Leningrado, Anatoly Sobchak. Tempos depois, Sobchak é eleito prefeito da cidade. Detalhe: Vladimir Putin é o vice-prefeito para relações internacionais. Marina Salye seria a única voz a denunciar a vinculação do agente formado na KGB com uma oligarquia corrupta. Masha Gessen diz em ‘Putin – A Face Oculta do Novo Czar’ que ele nunca foi um idealista político. “A sua lealdade era à KGB e ao império a que ela deveria servir: a URSS”, observa a autora. O futuro czar teria a função também de ‘grampear’ jornalistas, para controlar o fluxo de informações, revela a repórter Anna Sharogradskaya, personagem influente da mídia na Rússia daqueles tempos.

Com a derrota política do seu chefe, Vladimir Putin se muda para Moscou e passa a auxiliar Boris Yeltsin. Indicado para concorrer ao cargo de presidente da República, ele era um homem sem rosto, nem plataforma e que não havia feito campanha eleitoral. Apesar disso, obteve 52% dos votos válidos e venceu o pleito já no primeiro turno. Em 7 de maio do ano de 2000, é empossado no cargo. Um dos seus prazeres era desfilar com relógios caros. Entre eles, um Patek Philippe Calendário Perpétuo, em ouro branco, avaliado em 60 mil dólares. Logo ele mostrou as suas garras afiadas: mandou atacar a sede do Meia-Most, a maior empresa privada de comunicação da Rússia. Vladimir Gusinsky, o seu proprietário, foi parar atrás das grades.

– Vladimir Gusinsky deixou o País e se tornou o primeiro refugiado político pós-Vladimir Putin.

O ex-operador da KGB ressuscitou os instintos soviéticos. Até contra Garry Kasparov: “O regime deles tem medo das palavras”, disparou. Sob o domínio do terror, mais uma morte seria debitada em suas costas. A de Alexander Litvinenko, ocorrida em 23 de novembro de 2006, em um hospital de Londres, Inglaterra. Ele foi envenenado com Polônio, uma substância rara e altamente radioativa. A lista não para por aí. A jornalista Anna Politkovskaya, que documentara abusos e crimes de guerra perpetrados pelas Forças Armadas da Rússia na Chechênia, uma mulher com dois filhos e de cabelos grisalhos, acabou executada a tiros no elevador do prédio onde morava. Quando? Em 7 de outubro do ano de 2006. No dia de sua morte, Vladimir Putin comemorava o seu aniversário de 54 anos. Um presente e tanto…

– A morte de Alexander Litvinenko é, sem dúvida, uma obra do governo russo!

A escritora Masha Gessen insiste em ‘Putin – A Face Oculta do Novo Czar’ que na Rússia, hoje, rivais políticos e críticos declarados são, muitas vezes, mortos, e a ordem vem do gabinete do presidente da República. É a morte da democracia no País, denuncia. Para completar, ele nacionalizou a mídia e aprovou a nomeação de delegados federais para supervisionar os governadores eleitos. É o poder total, metralha. Bem distante de uma democracia emergente, como destacava conglomerados de comunicação dos Estados Unidos [EUA], a Rússia passou a ser vista com as suas “tendências autoritárias”. Um país mais corrupto que 64% das nações do mundo, registra a jornalista. Já em 2010, ela seria mais corrupta que 86% das nações.

– A fortuna pessoal de Vladimir Putin é estimada em US$ 40 bilhões.

Vladimir Putin sofreria de Pleonoxia, um desejo incontrolável de possuir o que, por direito, pertence a outras pessoas. Para tanto, ele compensaria a sua compulsão criando a imagem de um servidor público honesto e incorruptível, atira Masha Gessen no livro polêmico. “O regime russo não tem ideologia, nem partido, muito menos política. Ele não passa do poder de um único homem”, fuzilou Boris Berezovsky, em 2 de outubro de 2011. Números: a Rússia amargaria a 154ª posição no ranking mundial de 178 países em transparência, relata a autora. Preto no branco: com 15% da sua população carcerária composta por empresários, capitalistas. Eleito para mais um mandato presidencial, o seu projeto seria o retorno ao status da URSS.

– Pode levar anos, mas a bolha de Vladimir Putin vai estourar.

Outro lado

Anna Arutunyan frisa em ‘A Mística de Putin’, Editora Quetzal [Portugal], que a Rússia tem, hoje, um Estado patrimonial irracional moderno. Não existe democracia real no País, analisa. Controlado por um homem sem ideologia nem agenda, avalia. Para ela, o poder do Estado e não a lei tem um estatuto sagrado na nação. “Os russos sentem o poder do Estado como uma divindade, de quem, nos momentos difíceis, esperam respostas”, observa. A Rússia via a necessidade de um czar e de um senhor patrimonial, acredita. Já Vladimir Putin quer restaurar a “aparência” de ordem e a grandeza imperial, crê, em tom de indignação. O novo czar permitiu que a sociedade o transformasse em uma espécie de rei sagrado. Com a igreja sendo um apêndice do Kremlin, como é visto no filme Leviatã, que concorreu ao Oscar.

Serviço:

Livro: ‘Putin – A Face Oculta do Novo Czar’

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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