Dois meses de guerra
Dois meses de guerra
Luís Felipe Miguel
Quando a invasão foi deflagrada, os escribas putinófilos não esperaram para anunciar a vitória russa. No mesmo dia em que as tropas atravessaram a fronteira, Pepe Escobar louvou a Rússia como a maior potência militar do mundo, profetizou a derrota ucraniana em curtíssimo prazo e, em arroubo retórico juvenil do qual imagino que hoje se arrepende, escreveu: “Isto é o que acontece quando um bando de hienas esfarrapadas, chacais e pequenos roedores cutucam o Urso: uma nova ordem geopolítica nasce a uma velocidade de tirar o fôlego.” Já era patético na ocasião – lambeção de botas de um autocrata, deslumbramento diante de demonstração de força, despudor ao substituir análise por propaganda.
Dois meses se passaram. O “Urso” mostrou-se bem menos forte do que se anunciava. Na verdade, exibiu ao mundo as deficiências de seu poderio militar. Está sofrendo pesadas perdas, de homens e de armamentos. Em dois meses, morreram mais soldados russos do que em dez anos de Afeganistão. Putin foi obrigado a recuar de Kiev – o que, entre outras consequências, desacredita completamente a história de que o objetivo seria “desnazificar a Ucrânia”. O objetivo é anexar a região do Donbass, nada mais.
A tradição da esquerda é, por bons motivos, condenar as guerras de conquista. Para os putinófilos, não importa. De repente, descobriram que os nazistas estavam todos em Mariupol. Não os incomoda o absurdo da imagem deste Putin antinazista – ele, um autocrata de extrema-direita, que conta com o apoio ativo dos grupos neofascistas de seu próprio país. Trata-se apenas da busca, desesperada, do “mocinho” que se opõe à OTAN.
Como se o resultado líquido das ações de Putin não fosse o fortalecimento seja da legitimidade da OTAN (já que evidenciou a ameaça contra a qual se proteger), seja dos grupos neonazistas ucranianos (alçados à posição de mártires da independência nacional). Não há mocinho. Há, isso sim, 50 mil mortos, muitos deles civis. Há milhões de pessoas desalojadas de suas casas. Repudiar a agressão russa e exigir o fim da guerra é um imperativo moral e político inegociável.