
Fernando Safatle
Mesmo antes do término da COP 30 surgiram manifestações e declarações acusando de ter sido um fracasso sua realização. Suas justificativas são decorrentes sobretudo da ocorrência das manifestações dos movimentos sociais questionando as contradições emanadas da conferência. Esperavam uma conferência sem debates e conflitos ideológicos, sem a presença pujante dos movimentos sociais, indígenas e setores vários da sociedade e, finalmente, com um documento adocicado cheios de boas intenções e objetivos e metas descumpridas. Essa a expectativa desses setores.

Minha leitura é outra, exatamente ao contrário. A surpresa agradável das manifestações vigorosas ocorridas dos mais de 70 mil pessoas, oriundas de diversas partes do mundo, com uma presença marcante dos povos originários e tradicionais, indígenas, quilombolas, sindicalistas, camponeses, mulheres e vários outros setores sociais, constituíram um movimento de despertar de uma consciência ambientalista extremamente significativa e impactante do ponto de vista político e ideológico.

Não só isso, acrescente se a unificação de posições costuradas em torno da Declaração Final dos povos, que analisa a conjuntura de ascenso do fascismo no mundo, as contradições de uma transição energética sob a batuta do capital e a própria condenação do capitalismo como força motora da insustentabilidade ambiental. A lucidez é maturidade política alcançada pelo movimento social foi, sem dúvida nenhuma, o ponto alto dessa conferência, como nenhuma outra aconteceu.

Portanto, mostrar as contradições, ambiguidades e limites de uma conferência, acossada pela direita que impõe obstáculos e não deixa avançar, não constitui em fracasso, muito pelo contrário, mostra o avanço e consciência política atingida pelos movimentos sociais, como até então nunca ocorreram. Não vai ser nenhum documento elaborado pelos especialistas de plantão e nenhum acordo de bastidores dos chefes de governo, patrocinados pelas grandes empresas de mineração e grandes conglomerados que iram realizar as mudanças climáticas.

Somente os movimentos sociais organizados serão capazes de abolir com os interesses do capital e fazer as mudanças necessárias. Aqui vai ter que acontecer uma convergência de movimentos. As pessoas vão ter que adquirir uma consciência de que o capitalismo, seu modo de produção exacerbado, seu padrão de desenvolvimento sustentado no valor de troca e não de uso, com uma sociedade de opulência que cria necessidades constantes e desnecessária, constituem fatores de crises ambientais e colocam a existência da humanidade em risco de sobrevivência.

Por outro lado, as mudanças climáticas que vêm ocorrendo no mundo, com a intensificação dos cataclismos ambientais coloca em xeque a vida do planeta. Esses dois movimentos irão um dia caminhar juntos criando uma consciência coletiva da necessidade de construir um sistema socialista, de novo tipo, que imponha limites ao capital e defina um novo paradigma de desenvolvimento concernente a capacidade de reposição dos recursos naturais existentes no planeta.

Isto porque, já afirmava Celso Furtado, ainda na década de 70, que o mito do desenvolvimento deveria ser revisto, pois, para isto, os países precisariam extrair recursos da natureza de tal monta, que o planeta não teria mais capacidade de repor. Os limites físicos estariam dados pela própria natureza. Eis a questão.
Fernando Safatle é economista












