Da ditadura ao Tempo Presente
Renato Dias
Tarzan de Castro, carbonário, e Carlos Alberto Santa Cruz Serradourada, um mix de Danton, líder da revolução francesa do ano de 1789, com o poeta Castro Alves. Os dois “fizeram a cabeça” de Euler Ivo Vieira. Secundarista, ele mudou-se de Piracanjuba para Goiânia. Antes do golpe de Estado civil e militar no Brasil de 2 de abril de 1964. Noite que durou 21 anos.
Os dois eram então os líderes estudantis mais à esquerda, barulhentos e com um amplo apelo de massas nas décadas de 1950 e 1960. Na capital do Estado de Goiás. Uma cidade fundada em 1933. Mais: projeto anti-oligárquico do médico Pedro Ludovico Teixeira. Para esvaziar a velha capital. À época sob o controle da Família Caiado. Veja: conservadora.
Tarzan de Castro atuou com Francisco Julião, advogado e um dos criadores das Ligas Camponesas. Movimento de trabalhadores em marcha pela reforma agrária. No País. Na lei ou na marra. Depois, ele ingressou no PC do B. Preso, o revolucionário promoveu uma fuga espetacular. Até cinematográfica. Com refúgio na embaixada do Uruguai.
O ativista político exilou – se no Uruguai. Ao retornar à pátria é preso e torturado. A sua mulher Maria Cristina Uzlenghi Rizzi, nascida no Uruguai, para no pau-de-arara. Os dois testemunham, no Chile, a Era Salvador Allende, da Unidade Popular. Um golpe de Estado civil e militar de 11 de setembro de 1973 destrói o sonho socialista. Restou o exílio na França.
Euler Ivo Vieira conta, em seu explosivo livro de memórias políticas de 50 anos consecutivos da saga com Isaura Lemos, o assalto ao Tiro de Guerra, em Anápolis, executado pelo PC do B, com protagonismo de Neso Natal. O único sobrevivente da operação em 2024. Um ensaio à luta armada. Como a guerrilha do Araguaia. De Divino Ferreira Souza.
Divino Ferreira de Souza é desaparecido político. Os seus restos mortais nunca foram entregues à sua família. A mesma tragédia de Marcos Antônio Dias Baptista, que sumiu em 1970. A sua mãe Maria de Campos Baptista morreu em um acidente em 15 de fevereiro de 2006. Após sair de audiência com José Alencar e Paulo Vannuchi. Em Brasília [DF].
Band leader da Revolta de Trombas e Formoso, em Goiás, o camponês eleito deputado estadual José Porfírio de Souza e seu filho Durvalino de Souza, ambos no ano trágico de 1973, sumiram sem deixar vestígios. Manoel Porfírio, rebento do lutador social, virou preso político. Tempos de Dirce Machado. É o que relata, na obra, Euler Ivo Vieira.
Eleito presidente do Grêmio Estudantil do Pedro Gomes e diretor da UBES, ele lutou ao lado de Paulo Silva de Jesus, Juarez Ferraz da Maia, além de Waldomiro Batista [Mirinho], Erotides Borges, conheceu Isaura Lemos, de Campinas [SP], recorda-se da ocupação do avião no Brasil em 1970 e desviado para Cuba por Athos Magno Costa e James Allen Luz.
Membro da clandestina Ação Popular, Euler Ivo Vieira morou no aparelho de Honestino Monteiro Guimarães. A AP foi incorporada ao PC do B, em 1972. Da mesma organização passou a fazer parte o ex-presidente da UNE Aldo Arantes. Anos depois, eles reorganizaram o PC do B com Fábio Tokarski, Adalberto Monteiro, Luiz Carlos Orro, Lucia Rincón.
Com a Anistia, Euler Ivo Vieira fez uma parceria com o jornalista Batista Custódio, amigo de Valterli Guedes, Tarzan de Castro, Carlos Alberto Santa Cruz Serradourada, e colocou o jornal Tribuna da Luta Operária nas bancas. Ele contou com a colaboração do médico da ALN Fausto Jaime, que gerenciava a gráfica política Libertação.
Euler Ivo Vieira relata que João Silva Neto, preso político à época da ditadura civil e militar, torturado, cassado pelo Decreto 477, perdeu o mandato de vereador obtido nas urnas. Mais: Paulo Silva de Jesus também caiu na malha da repressão política. O seu irmão morreu assassinado em 9 de agosto de 1972: Ismael Silva de Jesus. Já o advogado e jornalista, Valterli Guedes acabou demitido por ligações com a Polop.
Preso na campanha das diretas já em 1984, ele fundou o Movimento Contra a Carestia, o MLCP, distribuiu 50 mil lotes, casas, apartamentos populares ao sem-teto, elegeu-se vereador em Goiânia e contribuiu com as cinco eleições consecutivas à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás de Isaura Lemos e, hoje, continua na luta.
Trecho do livro explosivo
Coincidências e consequências
Já era final de 1963 e eu já havia completado 15 anos. Como filho homem mais velho e com grande responsabilidade, ajudava ao máximo nos preparativos para a mudança definitiva de nossa família para Goiânia. Aquilo me deixava preocupado, temendo pelo pior na nossa vida de açougueiros, mas ao mesmo tempo ficava excitado em vir para aquela grande panela fervente que era Goiânia naqueles dias.
O movimento estudantil na capital estava em ebulição. Os jornais mostravam fotos de muitos ônibus urbanos sendo incendiados, em manifestações contra o aumento das passagens. Os líderes, Tarzan de Castro e Santa Cruz Serradourada estavam em evidência. O movimento popular, sindical, social e político de Goiás e de todo o país, também estava agitado, particularmente nos estados do sul.
Tarzan de Castro era um jovem revolucionário comunista, muito inteligente e corajoso, que havia participado do movimento armado de Trombas e Formoso, ao lado do líder comunista camponês José Porfirio. E por ser muito destemido, Tarzan era igualmente temido por aqueles velhos líderes da direita latifundiária de Goiás.
E sua fama de comunista assustava os reacionários, até porque já havia estudado na China e na antiga União Soviética. Perseguido, foi preso e torturado muitas vezes e fugiu espetacularmente da famosa prisão da Ilha das Cobras. No futuro Tarzan de Castro, seria um deputado estadual, quando do fim do regime militar. E até hoje tenho grande prazer em ouvir suas histórias.
Santa Cruz Serradourada era também comunista declarado, além de grande orador e agitador de massas. Mesmo jovem ele já admirava Castro Alves, o poeta da luta contra a escravidão. Daí passou também a ser um poeta da liberdade. E sua oratória era conhecida porque muito especial, que tocava na emoção dos jovens e adultos, até porque misturava realidade com poesia, cultura com coragem e esperança.
E eu, que também gostava dos poemas de Castro Alves e havia lido sobre a revolução francesa, o comparava ao famoso revolucionário e grande orador Danton, que com suas palavras levava as massas a ações revolucionárias destemidas. Santa Cruz Serradourada era uma mistura de Danton com Castro Alves. E no futuro seria um respeitado jornalista e escritor.
Então os jornais falavam de Santa Cruz Serradourada como aquele jovem líder estudantil da capital, que carregava uma tocha incendiária nas palavras, e que com seus discursos inflamados, estilo Danton, permeados de poesia, levava seus ouvintes à emoção e indignação máxima, fazendo-os transformar aquela tocha de oratória em uma verdadeira tocha incendiaria, com a qual chegaram a botar fogo na frota de ônibus de Goiânia.
E daí eu via aquela fila de ônibus incendiados na avenida Anhanguera, perto do lago das rosas e ficava louco para falar com o Santa Cruz e também com Tarzan de Castro. Queria vê-los de perto. Então a mudança de nossa família, de Piracanjuba para Goiânia, despertava em mim a ideia de entrar numa nova realidade menos morta, mais cheia de vida. Naqueles dias o governo americano já estava com seu golpe militar quase completamente preparado, para derrubar o presidente eleito João Goulart e implantar uma ditadura militar.