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A gramática da relação

 

Renato Dias

A Estrela de Davi e até a bandeira de Israel coloriam a Avenida Paulista, em São Paulo. Ao lado de camisas amarelas da Seleção Brasileira, sequestradas desde as jornadas de junho de 2013. Sob o som do sermão do pastor Silas Malafaia. O homem do batismo do suposto Messias Jair Bolsonaro no Rio Jordão. Um personagem ungido por Deus.

Esquizofrênica, a extrema-direita, hoje, no Brasil descobriu Israel. Sem saber que o País possui 80,5% de sua população que professa o Judaísmo. Mais de 10% são de adeptos do Islã. Não têm religião 3,2% dos israelenses. Os cristãos resumem-se a traço estatístico. O Judaísmo não crê em Jesus Cristo. O que importa é só a fotografia.

O engraçado é que a pauta de costumes neopentecostal não encontra eco em Tel Aviv. Os casais LGBTs possuem direito à pensão, em casa de viuvez, à herança, além de o Estado permitir a adoção de crianças. As mulheres são empoderadas. O aborto é legalizado. Com o agendamento online. A maconha é descriminalizada no País.

As instituições em Israel funcionam. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ensaiou uma reforma política para reduzir os poderes do Judiciário e produzir uma hipertrofia do Poder Executivo. Mais ou menos ao estilo ‘O Estado sou Eu’. As mudanças foram rejeitadas. Veja: protestos ruidosos acordaram ruas e praças.

Identidades existem, sim. A Necropolítica do Sionismo com a extrema-direita no Brasil. O que é isso? O poder político, econômico e social de decidir quem irá viver. A sórdida morte de 31 mil palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e de 700 mil pessoas sob a Pandemia no Brasil são incensadas pela mesma lógica perversa.

Michele Bolsonaro deu o sinal. Política e religião devem caminhar de mãos dadas. Nada de Estado Laico. Teologias da Prosperidade e do Domínio controlam, hoje, corações e mentes. Mais’ projeções do IBGE mostram crescimento estratosférico nas próximas décadas dos neopentecostais. O futuro já está em disputa em 2024.

Não houve na Avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro de 2024, um único gesto de compaixão por crianças, mulheres, idosos, famintos e sedentos, mortos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Não é o que ensina o cristianismo histórico e libertador. Apenas ódio era destilado. Longe de oferecer a outra face. A liturgia é mesmo da destruição.

A adesão acrítica da extrema-direita do Brasil à Israel tem motivação política e ideológica, usa uma leitura apressada do velho testamento, referência para o Judaísmo, e é explorada para manipulação pelas múltiplas igrejas neopentecostais. A barba de Edir Macedo e o Templo de Salomão constituem símbolos caricatos.

O povo escolhido por Deus?

Adeptos do capitão reformado do Exército Brasileiro [EB], católico batizado por um evangélico nas águas do Rio Jordão, Jair Messias Bolsonaro, creem que Israel é a Terra Prometida e os judeus, o povo escolhido por Deus. A interpretação é do historiador Frederico Vitor de Oliveira.

O pesquisador aponta que há um fascínio pela violência de Estado executada desde 1948 por Israel. Sob 75 anos consecutivos, diz. O bem contra o mal, explica. Os justos versus os ímpios, resume. O que justifica o genocídio na Palestina, sublinha. De maioria muçulmana, adepta do Islã, ele conta.

A violência estatal nas periferias, no Brasil, operadas pela lógica de que “Bandido bom é bandido morto”, que atinge jovens, negros e pobres, assim como os feminicídios e os ataques aos indígenas e LGBTs caem como uma luva no projeto real de Necropolítica da extrema-direita, vê o analista de cenário.

Crítico, o professor doutor de Ciências Sociais da UFG, Flávio Sofiati atribui a adesão da extrema-direita à Israel ao papel do cristianismo pentecostal na construção do conservadorismo. Ele para a judaização da liturgia evangélica e à difusão no País de inverdades sobre Gaza em 2023 e 2024.

Filósofo, o ambientalista Márcio Santilli [DF], ex-presidente da Funai, diagnostica como racismo o que classifica como a ideologia de uma suposta superioridade de um “povo branco, endinheirado e militarizado”, abençoado por um Deus Fundamentalista, em relação às outras etnias e culturas.

Doutor em Ciências da Religião, o professor Antônio Lopes exorciza, hoje, as teologias da Prosperidade e do Domínio. Ele mostra a distância entre as ideias de Jesus Cristo histórico, o Judaísmo, o Sionismo e ainda da extrema-direita. As direitas têm aversão aos direitos humanos, frisa. Cadê a ONU?, fuzila.

Ao não separar o Judaísmo das doutrinas evangélicas neopentecostais, promover um apelo religioso fundado na ética da violência, a extrema-direita no Brasil opta pelo oportunismo para tentar chegar ao poder, crê o historiador Reinaldo Pantaleão. Com o suporte da narrativa da mídia, diz.

Quais os interesses da família Bolsonaro?

Betty Almeida

Especial para renatodias.online

Antes da eclosão da guerra, a família Bolsonaro e militares já faziam rapapés ao governo de Israel, interessados em armas e softwares de espionagem para fortalecer o chamado gabinete do ódio, como foi recentemente noticiado. O embaixador de Israel foi convidado para a reunião em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral brasileiro. 

O governo brasileiro, no início do conflito, quando ainda fazia parte do Conselho de Segurança da ONU, pediu o cessar fogo e o cancelamento do ultimato de Israel à população de Gaza. Isso já seria suficiente para o  anti-governismo primário da direita brasileira colocar-se ao lado de Israel. As razões humanitárias para a condenação de Israel são facilmente neutralizadas por notícias falsas, que propagam as mentiras mais absurdas (vide a mamadeira da eleição de 2018).

Além disso, os Estados Unidos apoiam e fornecem armas a Israel, razão a mais para colocar a direita brasileira decididamente a favor de Israel. Parecem motivos simplórios, mas não esqueçamos as orações para pneus e a invocação de ETs. De onde viria essa tendência a apoiar um Estado que comete crimes contra a humanidade e destrói, literalmente, uma região onde vivem 2,5 milhões de pessoas?

Desde que a ONU, por iniciativa da Grã-Bretanha, tomou mais da metade do território palestino para doá-lo aos sionistas a fim de sediar o Estado dos judeus, vítimas do Holocausto, já estava visível a intenção de colocar uma cunha ocidental entre os países árabes da região. Gamal Abdel Nasser foi um estadista de prestígio e sua ação foi fundamental para evitar a ocupação do Egito pela França e Grã-Bretanha aliadas de Israel.

Israel sempre declarou seu projeto de ocupar toda a Palestina e expulsar seus habitantes para formar a chamada Eretz Israel, a grande Israel. No momento atual, com as novas rotas da seda chinesas abrindo caminhos para o comércio mundial livre do jugo estadunidense, Israel poderia criar seu corredor entre oriente médio e Europa. E enfim, as riquezas da região e um  litoral importante para o comércio não são um osso que Israel e seu grande irmão aliado queiram largar.

Todos esses fatores estão por trás da boa recepção de Israel à ex-família presidencial brasileira e a viagem paga a magistrados brasileiros, incluindo um ministro da Corte suprema (tido como terrivelmente evangélico) para garantir lealdade à extrema-direita sionista que governa Israel.  O irônico é que os apoiadores de Israel na manifestação pró-bolsonaro no último 25 de fevereiro diziam dar seu apoio aos “cristãos”. E seguramente não sabem que aborto e maconha são legais na terra governada por Netanyahu.

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Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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