Exposição Tempo de Gravura dia 20
Assinatura Ateliê de Gravura
Concepção de ZéCésar
O Ateliê Livre de Gravura foi concebido pelo professor e gravador ZèCésar, responsável pela disciplina de Gravura na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás por mais de três décadas, como um espaço livre de experimentação e criação através dos processos gráficos. Em uma tarde semanal, ele se dispunha a produzir e compartilhar conhecimentos sobre a gravura de maneira prática e livre, atraindo alunos da graduação, estudantes da pós-graduação e artistas gravadores. Muitos chegaram para experimentar e se apaixonaram pela grande variedade de processos que fazem parte do universo da gravura. Em 2013, o Ateliê Livre de Gravura passa a se caracterizar como projeto de pesquisa científica, mediante cadastro no Sistema Integrado de Gestão de Atividade Acadêmica (SIGAA) da Universidade Federal de Goiás. O grupo, sendo registrado como parte de um projeto de pesquisa acadêmico, pertencente à Faculdade de Artes Visuais, adquiriu importância no tecido das pesquisas dos cursos de Bacharelado em Artes Visuais e Licenciatura em Artes Visuais, pois amplia as discussões sobre gravura contemporânea e colabora para perpetuar a busca pelas experimentações e produções com gravura com procedimentos tradicionais e/ou alternativos, além de escritas de TCC (Trabalhos de Conclusão de Curso) que envolvem a temática da gravura, tanto teórica como prática no desenvolvimento de processos criativos e poéticos.
A trajetória expositiva do Ateliê Livre de Gravura começa quando o grupo apresentou sua produção em 2013, na Potrich Galeria, na cidade de Goiânia, com o nome “Projeto Gravado”, uma coletânea dos projetos de pesquisa poética dos integrantes, em graduação e mestrado. Posteriormente abriu espaço para alunos do doutorado em Arte e Cultura Visual e artistas profissionais que atuavam em parceria com a Faculdade de Artes Visuais, no qual o coletivo Ateliê Livre de Gravura se insere seguindo sua vocação para o diálogo com o público em diversos espaços, através de mostras, lambes, feiras de arte e de publicações independentes. Um dado interessante de se apresentar é a participação de Veronica Noriega, ex-aluna do CCBP/Instituto Guimarães Rosa – Lima/Peru e da UFG por meio de uma bolsa do PEC-PG, participando do Ateliê Livre desde esse ano. O impacto que a bolsa teve e os laços de irmandade entre os países foram reforçados na geração de atividades culturais como uma oportunidade de dar continuidade a uma relação entre instituições, como o ocorrido depois do primeiro convite bem-sucedido para participar, em 2019, da VIII Bienal do Exquisito/Brasil, paralela à II Bienal de Lo Inusitado/Lima com o tema “Transmutación de La Verdad” comum aos dois Países.
A partir daí o Ateliê Livre de Gravura tem procurado ocupar os espaços expositivos locais, regionais, nacionais e internacionais com a marca de sua produção: a diversidade de técnicas e temas, tendo a gravura como elemento comum. Exemplos disso, as participações da FARGO – Feira de Artes de Goiás em três edições e a parceria com a Arte Plena Casa Galeria, no projeto Clube da Gravura, quando os integrantes do Ateliê Livre de Gravura produziram, cada um, uma gravura com tiragem de doze cópias, que constituíram uma coleção acondicionada em caixas/gravura contendo uma obra de cada artista. A coleção foi exposta na sala Sebastião Barbosa, da Vila Cultural Cora Coralina, em Goiânia. Durante a pandemia, no período de isolamento social, os gravadores realizaram em seus espaços de criação pesquisas autorais, o que instigou processos alternativos com gravura, já que a maioria dos participantes não possui os equipamentos tradicionais como prensas, caixa de breu, etc. resultando em trabalhos com frotagens, monotipias, carimbos, impressões com produtos naturais e uso de materiais reciclados. No retorno aos encontros presenciais do grupo em 2022, novos elementos de pesquisa foram propostos como um desafio ao grupo, como pesquisar a cor vermelha como coadjuvante de suas pesquisas poéticas singulares. Essa pesquisa resultou na exposição “Encarnado” na Grande Sala da Vila Cultural Cora Coralina, em Goiânia, participaram vinte artistas ao todo. Foram produções sobre temáticas diversas, com preocupações desencadeadas durante os últimos anos, tendo a palavra “encarnar” um sentido ampliado de “humanizar-se”, resultados de pesquisadores comprometidos com a representação da diversidade e suas reflexões de convivência, expressões de um grupo que considera os amadurecimentos possíveis, frente à complexidade que nos cerca.
Tempo da Gravura
A exposição que agora se projeta como um novo desafio para o grupo Ateliê Livre de Gravura é um ensaio que apresenta a gravura em sua complexidade, com técnicas diferenciadas que se integram e se complementam em diferentes poesias e subjetividades. A mostra tem a questão do “Tempo” desenvolvido no processo de gravação, reflete sobre a gravura como técnica milenar que continua reverberando entre os procedimentos artísticos contemporâneos. Trata-se de um fazer pensante mediante diversidade de possibilidades, com sua magia, alquimia, ferramentas e ateliê de trabalho. A gravura e suas etapas de construção nos integram à nossa humanidade, por meio do processo de criação, reflexão e experimentação, proporcionando significativas ações de gravar, entintar e imprimir conforme suas linguagens gráficas tradicionais. Gravadoras e gravadores se localizam em meio aos cadernos de anotações (ou cadernos de artista/ gravador), diários de bordo, manuais, receitas, poesias, lembretes, colagens, testes, esboços, anotações de ideias e resultados de experimentos. Tudo que foi pensado e que está anotado tem conexão com a materialidade das ferramentas, das prensas, dos químicos, das matrizes e suportes. No “Tempo da Gravura” há um laboratório imaginário, uma lacuna de espaço/tempo, onde o passado e o presente convivem dentro de um lugar de pensar e fazer. Nesse espaço entre o pensamento e o fazer não existe o tempo da urgência, ou, talvez, esse espaço separadamente, como ausência, nem exista e poderíamos denominar “tempoespaço” do “pensarfazer”.
Percebe-se com isso a relevância de nos sensibilizarmos para saberes técnicos, manuais, artesanais em contraponto à pressa por resultados, numa sociedade ansiosa e adoecida pelo excesso e rapidez das coisas. No entanto, consideramos as reflexões sobre atuais formas de impressão impulsionadas pelas tecnologias mecânicas e digitais, as quais alargam o conceito de reprodutibilidade técnica criado por Walter Benjamin e questionam sobre a suposta democratização da arte. Diante de tais inquietações, vimos que o tempo vem corroendo os conceitos e os limites do processo da gravura. A matriz se transmuta em autonomia com linguagem própria e diversa. As impressões adquirem novas faces, não se obrigam às tradicionais tiragens. Matrizes e impressões se descolam entre si, libertam-se, ambas frequentam universos digitais e elevam suas possibilidades reprodutivas ao infinito.
O “Tempo” no decurso de criação com gravura também é visto como elemento corrosivo, este é produtor de ferrugens tintórias, de solos, de rochas e espaços côncavos que modificam e esculpem a vida, cotidianamente. Retrocedendo à origem da matéria, ele esculpe as pedras litográficas, as árvores para xilogravura, as plantas para papéis, os metais e até mesmo a matéria prima dos químicos, das matrizes de plástico e das tintas. Aliado à natureza, aparentemente de forma lenta, ele faz brotar, regar, ramificar, frutificar, alimentar e semear, completando ciclos, reproduzindo entre ação e espera, nele aprendemos a refletir e ponderar sobre os resultados. Vagarosamente o tempo transforma os espaços e as pessoas.
Assim, temos a falsa ilusão de controle, de precisão, mas o tempo é um sal ou um ácido que ataca a estabilidade das coisas. Mesmo no manuseio das técnicas tradicionais, para o Ateliê Livre de Gravura é importante considerar processos híbridos entre o “velho” e o “novo”, expandindo para além do ateliê como espaço físico, constituindo a “gravura” como linguagem, ou como palavra que abrange diversas linguagens resultantes de impressões com matrizes de relevo, matrizes de côncavo, matrizes permeáveis, matrizes planas e demais possibilidades, onde as etapas – gravação, entintamento e impressão – proporcionam diálogos únicos, singulares entre si. Estes em conversa com diferentes poesias, resultantes de pesquisas e experimentações.
Entre o grupo, a gravura se torna um elemento de interação de subjetividades, o elemento meio. O Ateliê Livre de Gravura considera que toda alquimia gerada em seus processos experimentais são atravessados pelos pensamentos, o fazer é filosófico, nele é preciso morosidade onde há tempo para o “erro” e para refletir sobre as descobertas contidas nele. Para isso, é preciso o tempo da espera, das corrosões, do refazer, do reimprimir e da volta. Nesse vai e vem, a gravura permite que cada um seja uma espécie de “matriz perdida”, onde a vida imprime, o tempo grava em movimentos de “espelhar” e “espalhar” mundo afora. O tempo modifica essa matriz, cria camadas sobrepostas que se reconfiguram sempre nessa humanidade. Elas são sobrepostas e saltitantes, cada uma é viva e se refaz, não tem lógica hierárquica. Assim, as camadas que chegam à superfície geram surpresas ao infinito.
Com base na reflexão acima sobre o “Tempo”, O Ateliê Livre de Gravura apresenta a exposição “Tempo da Gravura” no Centro Cultural UFG – CCUFG, que acontece do dia 20 de abril ao dia 12 de maio em Goiânia, com trabalhos de Adriana Mendonça, André Berger, Augusto César, Célia Gondo, Doris Pereira, Filomena Gouvêa, Helder Amorim, Ilda Santa Fé, Jessika Lorrane, Luciene Lacerda, Mari Soares, Nancy Melo, Suely Lima, Veronica Noriega, Vinícius Yano, Xica e ZèCésar. A Curadoria é de Adriana Mendonça, Filomena Gouvêa, Luciene Lacerda, Nancy Melo, Suely Lima e ZèCésar, com Expografia de Jessika Lorrane, Luciene Lacerda, Nancy Melo, Dóris Pereira e ZèCésar.