Uma amarelinha especial
Flávio Sofiati
Em uma sociedade adultocêntrica como a nossa, “as pessoas grandes”, tidas como responsáveis e centradas, são incapazes de aprender com as crianças. Mas elas têm muito a nos ensinar como evidencia Antoine de Saint-Exupéry em O pequeno príncipe. Principalmente na primeira infância, as pequenas e os pequenos sempre que se juntam procuram cooperar em suas brincadeiras. Os encontros são frequentemente permeados por trocas. Por exemplo, o jogo da amarelinha envolve menos a competição entre as crianças e mais o desafio conjunto de superar o percurso que leva até o “céu”. Comecei a entender melhor esse processo ao observar minha filha em suas interações dos três aos seis anos. Ela teve a oportunidade de estudar em escolas públicas no Brasil, CMEI em Goiânia, e no exterior, escola maternal em Paris. Em ambos os espaços havia muita cumplicidade entre as crianças, o brincar se fazia de forma partilhada.
Durante o período da pandemia do COVID-19, que matou mais de 700 mil pessoas somente no Brasil, o distanciamento social foi uma alternativa para os grupos sociais respaldados pelas instituições que os empregavam. Nem todos puderam desfrutar desse privilégio, em vistas da ausência de políticas públicas eficientes de combate ao vírus, por um lado, e diante de um mercado de trabalho e consumo desumanizador, por outro. As famílias que se isolaram, principalmente aquelas com crianças, precisaram produzir alternativas de convivência social harmônica. Na minha casa assumi parte da responsabilidade de continuar a educação escolar da minha filha. Em conjunto com minha esposa, criamos mecanismos de estímulos ao processo de pré-alfabetização da Elis.
Tratava-se de uma atividade nova para nós, visto que somos docentes de universidades, trabalhamos a educação formal com jovens e adultos, não sabemos lidar com educação infantil, não temos essa formação. Foi então que resolvi cria a “escolinha do papai” que se concretizava todas manhã por pelo menos uma hora. Tudo com a ajuda da Carol, do CMEI e da Escola que hoje Elis estuda. Tive que pesquisar o tema, entender como ajudar da melhor maneira possível – e não atrapalhar – a alfabetização da minha filha. Fizemos muitas dinâmicas, exercícios conjuntos, recorri aos vídeos do Quintal da Cultura, programa infantil da TV Cultura que passa em Goiânia na TV UFG, aos clipes musicais da Palavra Cantada, enfim, muitas tentativas de passar um tempo agradável numa lógica aproximada do ambiente escolar. No final das contas o que funcionou mesmo foram as contações de histórias. Elis adorava ouvir e assistir as historinhas infantis. Também gostava muito das leituras dos livros disponíveis em casa. Mas a menina queria mais, queria novas histórias para além das escritas nos livros da biblioteca. Foi assim que começamos juntos a inventar histórias, geralmente inspiradas em fatos passados, presentes e imaginados da infância da menina escritora. Inventamos muitas histórias e algumas foram escritas.
E assim acabamos escrevendo “A menina e a amarelinha mais famosa do mundo”, livro ilustrado lindamente por Okko e publicado agora pela Editora Alta Performance. O conto infantil será lançado no SESC, que abraçou a proposta, no próximo dia 30 de março na biblioteca do Centro de Goiânia às 19 horas. O livro narra a história de uma menina e suas amigas que durante suas brincadeiras recebem a visita de uma amarelinha mágica que parece valorizar o encontro de crianças que podem ensinar os adultos a serem mais cooperativos e solidários uns com os outros. Vamos brincar de amarelinha?
Flávio Munhoz Sofiati é o pai da Elis e marido da Carol Goos. Ganha a vida como docente da área de sociologia na UFG