Explosivo: Lauriberto Reyes e Madre Maurina
Tortura e execução a sangue frio
Cinema e História
Renato Dias
Cantor, compositor, poeta, ele teve que ir à guerra. Nascido em São Carlos [SP], estudou no Diocesano, ingressou na USP, testemunhou “in loco” a revolução estudantil de 1968, em São Paulo. Membro da Segurança do XXX° Congresso da UNE, que caiu no dia 12 de outubro do ano que não terminou, saiu da cadeia para o velório do pai, que havia sido atropelado por um delegado de Polícia Civil.
Depois, retorna à prisão. Para logo cair na clandestinidade, entrar na ALN, organização de luta armada contra a ditadura civil e militar no Brasil. Mais: em 4 de novembro, de 1969, captura, com mais oito militantes, no Aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, um avião, desvia-o para Havana, Cuba. O farol da revolução. No país faz treinamento de guerrilha, funda o Molipo, Movimento de Libertação Popular, ou Grupo dos 28.
O retorno ao Brasil ocorre no ano turbulento de 1971. Por rotas que fugiam ao cerco da repressão política. A estratégia era deflagrar uma guerrilha rural. Projeto original de Carlos Marighella. Como Che Guevara na Bolívia. Mais: uma série de quedas, prisões ocorrem em novembro e dezembro de 1971 e janeiro e fevereiro de 1978. A revolução faltou ao encontro com Lauriberto José Reyes e à Geração de 68.
Dissidência da ALN, liderada por Antônio Benetazzo, o Molipo era formado por 28 guerrilheiros. Quatro optaram pelo exílio. Não voltaram ao Brasil. Veja: somente três sobreviveram. Vinte e um foram executados. A sangue frio. Uma tragédia. Tristeza. Sem fim. Lauriberto Reyes acabou assassinado no dia 27 de fevereiro de 1972. Ao lado de Alexander Ibsen José Voeroes, revolucionário nascido no Chile.
A história de madre Maurina Borges
Renato Dias
Diretora do Orfanato Lar Santana, instalado em Ribeirão Preto [SP], freira católica, irmã Maurina Borges da Silveira foi presa no mês de outubro do ano de 1969. Sob acusação de subversão. Torturada, ela chegou a ser estuprada. Por agentes da repressão.
Além de agressões físicas, sexuais e morais, a madre inspirou o cardeal arcebispo de São Paulo à época, Dom Paulo Evaristo Arns, a lutar em defesa dos direitos humanos. Bispo de Ribeirão Preto, Felício da Cunha teria excomungado dois delegados de polícia.
Presa, madre Maurina Borges foi coagida a assinar ainda um termo de confissão que informava ser uma suposta amante de um ativista revolucionário contra a ditadura civil e militar. Uma farsa. Para desmoralizar a religiosa. Um ato abjeto. Deplorável.
A Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, captura, o que não é sequestro, em São Paulo, o cônsul do Japão no Brasil. O nome do diplomata: Nobuo Okuchi. Cinco presos políticos são trocados por sua libertação. Madre Maurina Borges integra a relação.
A irmã exilou-se na Cidade do México. Após a sanção da Lei de Anistia, assinada pela mão esquerda do general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Ela regressou ao País e mudou-se para Araraquara [SP]. Doente de Alzheimer, morreu, em 2011, aos 86 anos.
✓Vocês pagarão por seus crimes
_ Declaração de Arthur Machado Scavone, em 1972, a um torturador, no DOI-CODI [SP], após ser informado da morte de Lauriberto José Reyes. Os dois eram guerrilheiros do Molipo
✓Madre Maurina sofreu suplícios sexuais
_ Leopoldo Paulino, ex-guerrilheiro da ALN, exilado no Chile
Arthur Machado Scavone, ex-guerrilheiro do Molipo
Leopoldo Paulino, ex-guerrilheiro da ALN
O que foi a ditadura civil e militar?
Renato Dias
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso Nacional referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro militar-presidente, marechal Humberto Castello Branco.
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é um herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
Mortos e desaparecidos
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
39 mil
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. O crime permanece até hoje, 2023, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1983, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2022, oito mil militares estavam em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Em luta pela hegemonia
A disputa pela memória, verdade e justiça
Renato Dias
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.
Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele encontrava-se em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública.
As histórias no cinema
Telona, streaming e YouTube
Renato Dias
Duas histórias. Dois caminhos. Um rumo só. Documentários que registram tragédias humanas. As graves violações de direitos. Sob a ditadura civil e militar no Brasil.
Lauri, lançado em 2023, com o roteiro e a direção de Beto Novaes, locução de Bete Mendes, traz trechos de vídeos exclusivos de 1968, áudios de Lauriberto José Reyes.
Poemas não publicados, letras de canções autorais de Música Popular Brasileira, cartas inéditas enviadas à mãe e suas irmãs da clandestinidade e depoimentos explosivos.
Sob a direção de Gabriel Silva Mendeleh, Maurina, o outono que não acabou faturou três prêmios no Festival de Cinema de Sevilla, Espanha. Um longa seminal.
Frei Manoel Borges da Silveira informa que a religiosa sofreu também choques nos seios. Áudios, vídeos e fotografias exclusivas constroem a narrativa cinematográfica
Lauri
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