90 anos: a contrarrevolução_ 1932-2022
Maior conflito armado no Brasil do século XX
Novas pesquisas defendem que a sedição paulista contra Getúlio Vargas significou tentativa de retorno à velha ordem solapada pela Revolução de 1930
Frederico Vitor de Oliveira
O 9 de julho de 2022 completa 90 anos da Revolução Constitucionalista de 1932. A palavra “revolução” é um eufemismo. Para a guerra civil. O maior conflito armado no Brasil do século XX. Nos 85 dias de conflagração armada, tropas sediciosas paulistas se posicionaram em trincheiras opostas às forças federais que davam garantias ao Governo Provisório de Getúlio Dornelles Vargas que, em 24 de outubro de 1930, apoiado pelo Exército e pelas oligarquias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, solapou do Palácio do Catete a elite política de São Paulo representada pela figura do então presidente da República, Washington Luís (PRP).
Três meses de combates violentos. Um saldo trágico de 1.684 brasileiros mortos. Com 634 do lado paulista e 1.050 das forças federais. O índice de mortos superou as baixas 450 mortes registradas pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante sua participação nos campos de batalha na Itália, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ao lançar luz sobre o pior conflito armado contemporâneo do País, onde reside as raízes históricas que levou o estado mais rico da federação a recorrer às armas contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas?
Não é um questionamento simples de ser respondido. É possível trazer ao debate referências historiográficas publicadas recentemente que, de certa maneira, trouxeram novas abordagens ao conflito. A tese principal da causa do conflito comumente defendida e difundida pela historiografia tradicional buscou explicações no fato do levante de São Paulo ter como principal objetivo a convocação de uma nova constituinte, de cunho liberal e democrática, em face do prolongamento do governo provisório de Getúlio Vargas. A Revolução de 1932 foi uma ânsia da elite cafeicultora paulista, organicamente reunida da Partido Republicano Paulista (PRP), de reaver o controle dos rumos de São Paulo, cuja autonomia — a exemplo dos demais estados — foi tirada pelo triunfo e centralidade da Revolução de 1930. Há, hoje, uma nova corrente historiográfica que traz novos contornos sobre o conflito que contrapõem, e muito, a historiografia tradicional.
República Velha: Volver!
Novos trabalhos historiográficos classificam o movimento armado dos paulistas como um levante reacionário, ao invés de revolucionário, de ideário democrático e constitucionalista, contrapondo com a historiografia tradicional acerca do tema. A obra em destaque, que traz à baila novas nuances ao evento armado de 32, cujo trabalho seguiu o paradigma histórico marxista, é a obra ‘1932, a História Invertida’, do historiador Francisco Quartim de Moraes. Moraes defende em sua obra — derivada de sua dissertação de mestrado em História pela USP — que o principal objetivo dos revoltosos paulistas não era a promulgação de uma nova Constituição liberal, por meio de uma constituinte. Pelo contrário. Do ponto do autor, ao pegar em armas contra Getúlio Vargas, a elite política e econômica de São Paulo pretendia voltar às origens da constituição da República Velha, ou seja, queriam reconquistar o domínio dos rumos sociais e políticos de São Paulo, perdidos no triunfo da Revolução de 1930.
De acordo com Moraes, o retorno à autonomia de São Paulo daria às oligarquias locais o poder de legislar, de acordo com seus interesses, pautas sensíveis que a interventoria estava tocando com anuência do governo provisório varguista, tais como: estabelecimento de salário mínimo do operariado da indústria, direito à greve, organização de sindicatos, reforma agrária e a proibição do funcionamento do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além disso, Moraes explica que, acostumados com a antiga autonomia, os círculos dirigentes da oligarquia paulista classificaram a criação, já em 1930, do Ministério do Trabalho, acompanhada da instalação de organismos especiais, como as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação para resolver os conflitos entre patrões e assalariados, uma afronta. A promulgação de uma primeira série de leis trabalhistas, com uma forte e pesada intromissão oficial do governo federal na política de São Paulo, também gerou descontentamentos.
Contrarrevolução
Tais medidas, argumenta Moraes, constituíram-se na primeira versão do trabalhismo getulista. A oligarquia paulista ficou estarrecida e afrontada ao assistir o Governo Provisório dialogar de forma franca com os movimentos grevistas. Inclusive, foi motivo de ira, por parte da burguesia de São Paulo, o anúncio por força de lei do aumento obrigatório de 5% dos salários de todos os operários, além da proibição das demissões de trabalhadores que tivessem tomado parte de greves. O historiador pontua que o interventor nomeado por Vargas para dirigir São Paulo sob os auspícios da Revolução de 30, o tenente pernambucano João Alberto, teria suscitado ainda mais a ira da oligarquia paulista, em especial dos latifundiários. Isso porque, observa Moraes, ele tocou na questão fundiária. O interventor aprovou uma lei que cedia ao Estado a partilha de imóveis rurais que estivessem em dívida vencida com o Banco do Brasil. Devido ao contexto de crise econômica internacional após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, não era pouco o número de propriedades no campo que estavam nessa situação.
O movimento paulista ganhou ainda mais força em maio de 1932 com a morte, por forças federais, de quatro estudantes que tentaram empastelar um jornal pró-Governo Provisório. As iniciais dos nomes dos mortos – Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo. M.M.D.C – nomearam um agrupamento radical de discurso belicista contra Getúlio Vargas. Até que, no início no dia 9 de julho de 1932, foram deflagradas as primeiras ações beligerantes que prosseguiram até 1º de outubro com a rendição das forças paulistas. Em 1934 foi promulgada a nova Constituição, que durou até o golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937. Vargas governaria até 1945 quando sofreu um golpe do Exército. Ele retornaria ao poder, dessa vez eleito, em 1950. Em 1954 em meio à grave crise política e de conspirações golpistas, se mata com um tiro no peito para ‘entrar para história’, conforme sua carta testamento.
Goiás em 32
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um evento armado que, apesar de concentrado na região Sudeste, mobilizou quase todo o País. Afora São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, as demais unidades federativas foram indiretamente envolvidas. De acordo com o livro “1932: A Guerra Civil Brasileira”, do historiador americano brasilianista, Stanley Hilton, o Governo Provisório, além de mobilizar o Exército, movimentou tropas de quase todas as regiões do Brasil no esforço de guerra, conhecidos como batalhões provisórios. Eram, segundo o autor, milícias estaduais e contingentes das Forças Públicas, semelhantes às atuais Polícias Militares estaduais, para conter os paulistas e seu ímpeto de demolição da Revolução de 1930.
Em Goiás, não seria diferente. Segundo obra “História da revolução de 32”, do historiador paulista Hernâni Donato, o 6ª Batalhão de Caçadores — atualmente 23ª Companhia de Engenharia de Combate —, unidade do Exército sediada na cidade de Ipameri, região Sul do Estado, encaminhou contingentes e travou combates em território paulista em Pouso Alegre, Eleutério, Itapira, Mogi-Mirim, Jaguari e Campinas. O interventor de Vargas em Goiás, o médico Pedro Ludovico Teixeira, organizou um pequeno contingente formado por elementos da Força Pública Militar de Goyaz (atualmente Polícia Militar de Goiás), mais um pequeno número de civis incorporados ao esforço de guerra, comandados por Domingos Vellasco — político goiano um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Tal contingente foi incumbido de unir aos destacamentos da Força Pública de Minas Gerais para interceptar e neutralizar as tropas constitucionalistas da porção Sul de Mato Grosso, que eram comandadas pelo general de Exército, Bertoldo Klinger, um inimigo fidagal de Getúlio Vargas e do tenentismo.
Caiado preso!
É certo que a Revolução Constitucionalista de 1932 não alterou os rumos políticos, sociais e econômicos de Goiás. No entanto, o evento armado, mesmo que distante do território goiano, acabou culminando em alguns episódios curiosos. Um deles é narrado no trabalho historiográfico “A Invenção de Goiânia — O outro lado da mudança”, de autoria do promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás (MP-GO) e doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Jales Guedes Coelho Mendonça. Ele cita que o ex-senador Antônio Ramos Caiado, o ‘Totó Caiado’, — avô do atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) — foi preso durante 100 dias, a mando do interventor Pedro Ludovico, acusado de fazer parte da conspiração paulista contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas.
Segundo Jales Guedes, juntamente com o líder do grupamento político solapado do poder com a vitória da Revolução de 1930, esteve no cárcere outros nomes de ‘decaídos’, também acusados de conspirar com os paulistas sediciosos. De acordo com o autor, todos ficaram presos incomunicáveis, desde 9 de julho até 31 de outubro de 1932. Esse período na prisão, sem poder ver, nem escrever às respectivas famílias, coincide com o tempo em que transcorreu a Revolução Constitucionalista. “Após amargar mais de cem dias de prisão incomunicável e de ver sucumbir o levante paulista, que poderia mudar a situação política do Brasil e de Goiás, Antônio Ramos Caiado e seus correligionários são soltos”, explica Jales Guedes.
Frederico Vitor Oliveira é jornalista graduado pela UniAlfa de Goiânia. Mais: com licenciatura em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ele foi repórter do Diário da Manhã. Assim como doe Jornal Opção. Atualmente é assessor de imprensa do Sindifisco-GO