Marcelo Ridenti
Arte

Bastidores da guerra fria cultural

Bastidores da guerra fria cultural

O segredo das senhoras americanas

Capa do livro O segredo das senhoras americanas

Podcasts de Marcelo Ridenti

 

Renato Dias

A guerra fria cultural, deflagrada após a derrota da Alemanha, Itália e Japão, em agosto do ano de 1945, com a disputa pela hegemonia moral e intelectual, entre os socialismos realmente existentes e o capitalismo modelo dos EUA, é o tema explosivo do novo livro de Marcelo Ridenti.

Marcelo Ridenti

Internacionalização e financiamento para seduzir corações e mentes

Marcelo Ridenti

 

Josep Stálin _ 1878-1953

O professor doutor do Departamento de Sociologia da Unicamp examina, fundado em docu­men­tos obtidos com exclusividade, o financiamento e a internacionalização da produção esté­tica e intelectual de liberais e socialistas. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Século XX. Tempos interessantes.

Pablo Neruda

Personagens como Jorge Amado e Pablo Neruda

Marcelo Ridenti

Os focos das histórias estão na América Latina. Com o escritor Jorge Amado. Adepto à época do realismo socialista. Pablo Neruda, um poeta do Chile e soldado do suposto Guia Genial dos Povos, Ióssif Vissarianochi Djugatchville, Josep Stálin [1878-1953]. Prêmio Nobel de Literatura.

Jorge Amado

A CIA financiou a produção intelectual no Brasil

Marcelo Ridenti 

John Fitzgerald Kennedy, Robert Kennedy, Henry Kissinger abriam as portas dos Estados Unidos das Américas para mostrar aos estudantes oriundos do Brasil as virtudes do liberalismo eco­nô­mico. A CIA até financiou, de 1962 a 1971, uma revista plural: Cadernos Brasileiros, revela o autor.

John Fitzgerald Kennedy

Obra seminal ‘O Segredo das Senhoras Americanas’

Com o selo da Unesp, primeira edição em maio de 2022, a obra seminal ‘O Segredo das Senhoras Americanas’ mostra meandros da captação de recursos financeiros para seduzir corações e mentes com uma narrativa distante de Moscou, Pequim, Havana e Hanói ainda em disputa.

 

 

“Celso Furtado foi objeto de atenção do CLC ao longo dos anos, sujeito a uma simpatia internacional inexistente em sua Associação no Brasil. Ao contrário, já se viu a hostilidade a ele em Cadernos Brasileiros desde o tempo de Baciu, aversão que continuou na fase seguinte da revista. Os desentendimentos entre o comando internacional e seus correspondentes no Brasil em relação a Furtado já vinham de antes da querela analisada na correspondência sobre a repressão após o golpe de 1964. Em agosto de 1962, Baciu escrevera a Hunt em meio à disputa com Botsford, acusando o interventor de pretender levar Furtado para o seio do CLC:

Celso Furtado

Leio com espanto o número 63 de Cuadernos, estampando o artigo de Celso Furtado, cuja “ficha” mando-lhe aqui, embora acredito que não se deixará [ser] convencido, pois os “argumentos” de Botsford parecem prevalecer no Congresso, especialmente nos assuntos latino-americanos, que vem encaminhando no rumo seguido por Furtado

Celso Furtado

O caráter subversivo que Baciu via em Furtado somava-se na carta à surpresa por encontrar um artigo do economista publicado em Cuadernos, uma publicação do CLC. Isso lhe parecia ser um sinal de concordância internacional com a diretiva de Botsford de abertura à esquerda, contra a qual se insubordinava, alertando o responsável em Paris sobre o equívoco de tomar esse rumo. Reformas sociais – que aos olhos estrangeiros do Congresso pareciam compatíveis com a manutenção da ordem institucional – não eram vistas assim por seus correspondentes brasileiros, que as encaravam como ameaça comunista.

Especialmente a reforma agrária tinha um apelo em âmbito internacional, por não significar a quebra do princípio da propriedade privada, permitindo certa redistribuição da terra com maior justiça, a exemplo do que ocorreu em diversos países capitalistas em que foi realizada. Já em âmbito nacional, a reforma agrária sempre foi considerada coisa de comunista para as classes dirigentes de um país de latifúndios. O tema era candente no contexto do fim dos anos 1950 e começo dos 1960, com o surgimento nas Ligas Camponesas no Nordeste e a ampliação do sindicalismo rural, concomitantes ao sucesso da revolução cubana, como temos ressaltado.

Havana

Para a nova diretiva no comando internacional do CLC, o esforço de aproximação com Furtado buscava abrigar um intelectual reformista que não era marxista e poderia constituir uma alternativa em relação à ruptura inspirada em Cuba. Ou seja, era um motivo distinto da identificação com Pedrosa, centrada na luta ideológica pela liberdade e contra o totalitarismo. No caso do dirigente da Sudene, o embate ganhava um contorno mais prático: a realização de reformas econômicas, sobretudo no campo, que pudessem garantir a liberdade em oposição ao avanço revolucionário”.

Florestan Fernandes

“Florestan Fernandes foi outro intelectual de esquerda importante cortejado pelo CLC. Seu prestígio junto à entidade revela-se por exemplo numa carta do fim de 1964, em que Mercier Vega sugeria a Gino Germani o nome de Florestan para compor seu projeto de centro latino-americano de ciências sociais na Universidade Columbia em Nova York. A lista de indicações incluía vários outros intelectuais da América Latina, entre os quais os brasileiros Celso Furtado, Hélio Jaguaribe e Fernando Carvalho. O sociólogo paulista colaboraria com Cadernos Brasileiros pela primeira vez em maio-junho de 1966, publicando o artigo “Como mudar o Brasil”, que anunciava resultar de sua estada no ano anterior como professor visitante na Universidade Columbia.

Helio Jaguaribe

Assim como Furtado, Florestan era considerado pelas suas credenciais acadêmicas, dentro da proposta do CLC de busca pelo conhecimento científico supostamente não ideologizado das questões sociais, que permitiria informar uma ação política para resolvê-las. Se Furtado atraía pela possibilidade de solucionar o problema agrário dentro da ordem, o atrativo de Florestan estava em enfrentar a questão racial, a que a entidade dava importância. Isso se revelava em Cadernos Brasileiros, que em sua fase de maior abertura à esquerda dedicou um número inteiro ao tema em maio-junho de 1968.

Abdias do Nascimento

Um depoimento de Abdias do Nascimento abria o volume, que continha o artigo de Florestan Fernandes intitulado “Mobilidade social e relações raciais”, entre outros. Abdias viajaria pouco depois para uma estada de dois meses nos Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Farfield, provavelmente desconhecendo que seus fundos haviam sido provenientes da CIA. Após o término da bolsa, “Abdias optou por permanecer nos Estados Unidos, possivelmente pelo receio diante dos desdobramentos da ditadura militar brasileira e dos riscos que poderia correr se retornasse”. Moraria naquele país por uma década antes de voltar ao Brasil, conforme artigo a respeito de Dária Jaremtchuk (2018).

Florestan Fernandes

 

Numa carta de 1965, Mercier chamava a atenção de Barretto para a Conferência Internacional sobre raça e cor, promovida em Copenhague naqueles dias pelo CLC e pela Academia Americana de Artes e Ciência. Teria sido o primeiro congresso mundial sobre o assunto, que contou com Florestan Fernandes como único representante da América Latina, autor de uma apresentação de destaque entre os 17 expositores. Mercier sugeria convidar Florestan para ajudar a organizar um seminário local e preparar um artigo sobre o tema para Cadernos Brasileiros.

1968

Anunciava também que as versões finais das comunicações no Congresso de Copenhague seriam publicadas pela revista Daedalus, da Academia Americana. Pelo interesse no tema – e considerando as datas da correspondência e dos artigos de Florestan publicados na revista brasileira –, é provável que essa carta de Mercier tenha originado não só os convites para as duas colaborações, mas também o plano do mencionado número da revista sobre a questão racial que sairia em 1968.

Capa do livro A integração do negro na sociedade de classes

Bem impressionado com a participação do sociólogo paulista em Copenhague, Mercier pediria a Barretto no final do ano para lhe enviar por via aérea dois exemplares “da tese de Florestan sobre a integração das populações de origem africana na sociedade industrial de São Paulo”. Referia-se à tese de titularidade na USP que viria a se tornar o livro clássico A integração do negro na sociedade de classes (Fernandes, 1965), então recém-publicado, que logo Barretto ficou de mandar a Mercier pelo correio.

Provavelmente a obra foi interpretada conforme a ideologia da necessidade de incorporar os negros à ordem capitalista democrática, para que não a contestassem nem se marginalizassem, ameaçando torná-la disfuncional. O texto dá margem a esse tipo de interpretação, no sentido de enfatizar a necessidade de integração do negro à “ordem social competitiva”, conforme Florestan por vezes se referia ao capitalismo.

Mas também pode ser lido num sentido contestador, de questionamento da ideologia da democracia racial no Brasil, bem como da precariedade da ressocialização do negro após o fim do escravismo, que dificultaria constituir uma identidade de classe, enfraquecendo sua situação política, como propôs Elide Rugai Bastos (1987). Ou seja, integrar a sociedade de classes seria um pré-requisito para combatê-la. Mas o que encantava o CLC não seria essa leitura, e sim a necessidade de integração”.

 

Mortes sob a ditadura civil e militar

14 ex-estudantes que integraram os estágios em Harvard para conhecer o American Way of Life foram posteriormente processados pela Justiça Militar por atividades subversivas. Três morreram nos embates da ditadura com seus opositores. No livro, comento em detalhes esses casos e outros de repressão da ditadura contra estudantes que estiveram nos EUA patrocinados pela Associação Universitária Interamericana, AUI, de 1962 a 1971.

Aloyzio Nunes – ALN

Para dar apenas alguns exemplos de bolsistas da AUI que viriam a se distinguir em várias áreas de atuação, podem ser mencionados os políticos Aloysio Nunes Ferreira, Roberto Freire, Sergio Guerra, Luiz de Gonzaga Fonseca Mota, Aírton Soares, Caio Pompeu de Toledo, José Thomaz Nonô, Getúlio Hanashiro, Flávio Arns, Paulo Odone, Vicente Trevas, Márcio Fortes, Nelton Friedrich, José Ricardo Franco Montoro, Beni Veras, Sergio Gaudenzi, Dilton Lyrio Netto e tantos mais.

Paulo Sergio Pinheiro

Também os ministros do Supremo Tribunal Federal, José Francisco Rezek, e do Supremo Tribunal Militar, Flávio Bierrenbach; os artistas Alceu Valença, Oscar Araripe, Roberto Lerner e Walter Queiroz; os futuros ministros e altos funcionários de Estado Pedro Malan, Paulo Renato Costa Souza, Luciano Coutinho, João Alves Filho, Sergio Amaral, Paulo Sergio Pinheiro, José Paulo Cavalcanti Filho, Everardo Maciel, Maria Luiza Falcão Silva, Antônio Rocha Magalhães, entre outros; os reitores ou vice-reitores Cristovam Buarque, Helgio Trindade, Francisco Ferraz, Hélio Nogueira da Cruz e André Villalobos.

Multifacetado, Alceu Valença

Há uma infinidade de bolsistas que seguiram carreira acadêmica em diversas áreas. Para citar apenas alguns de ciências humanas: Ruben Oliven, Antonio Lavareda, Fernando da Rocha Peres, Flávio Aguiar, José Vicente Tavares dos Santos, Lúcia Lippi, Brasílio Sallum Jr., Benício Schmidt, Marcos Müller, Lygia Sigaud, Luiz Mott, Geraldo Müller, e José Ferreira Irmão. Cabe lembrar os membros da Academia Brasileira de Letras Francisco de Assis Barbosa Villaça e Marco Maciel, ao lado de outros de Academias estaduais, bem como os diplomatas Luiz Felipe de Seixas Correa, Carlos Eduardo Paes de Carvalho, Flávio Miragaia Perri, Francisco Chagas Catunda Rezende e José Artur Denot Medeiros.

Adilson Dallari

O curso de Direito foi o que mais mandou bolsistas, entre eles os futuros advogados ou juristas Adilson Dallari, Altamiro Boscoli, Ary Oswaldo Mattos Filho, Geraldo Nogueira da Gama, Johnson Barbosa Nogueira, Carlos Vecchio, Eduardo Kroeff Machado Carrion, Geraldo Nogueira da Gama, Francisco dos Santos Amaral Neto, José Antônio Nonato de Barros, Sérgio Bermudes, Mauro Rodrigues Penteado e Valmir Pontes Filho, além de procuradores, promotores, juízes e desembargadores.

Estudantes de Engenharia compuseram o segundo grupo mais numeroso da AUI, caso de João Damásio de Oliveira Filho, João Joaquim Guimarães Recena, Manuel Ribeiro Filho, Paulo Bancovsky e Sérgio Foguel, para citar apenas alguns nomes. Entre os arquitetos, estiveram Carlos Augusto Mattei Faggin, Frederico Rosa Borges de Holanda, Lúcio Gomes Machado, Maurício Andres Ribeiro, Murilo Marx e José Albano Volkmer.

Jurandir Freire Costa

O terceiro curso com mais bolsistas foi o de Medicina, que mandou para Harvard Raul Cutait, Lea Lederer Diamant, Flávio Goulart, Rusie Carneiro Leão Bacchi, Aristides Volpato Cordioli, Carlos Gomes de Araújo, Eva Burger, Henrique Lenzi, José Paulo de Mendonça, Carmen de Castro Chaves, Luiz Roberto Gomes Vialle, Paulo Roberto Arruda Alves, Pedro Celiny Ramos Garcia, Wanderley de Souza, João Roberto Antônio – e tantos mais, como os futuros psicanalistas Jurandir Freire Costa, Paulo Fernando de Queiroz Siqueira e Luiz Carlos Uchoa Junqueira Filho.

Celso Ming, jornalista

Também futuros empresários compuseram as turmas, caso de Cássio Vidigal Neto, Cristiano Kok, Delmas Abreu Penteado, Luiz Kaufmann, e José Fernando da Costa Boucinhas. Vale mencionar os jornalistas Celso Ming, Joaci Góes, Olyr Zavaschi, e Luiz Gonzaga Motta; além de tantos economistas, como Janaína Passos Amado, Denisard de Oliveira Alves, Joaquim Pinto de Andrade, e Ricardo Luiz Santiago. Enfim, muitos se tornaram profissionais bem-sucedidos, com liderança em suas áreas de atuação e por vezes no conjunto da sociedade, atestando o sucesso do empreendimento.

Casa Branca [EUA]
A leitura dos nomes mencionados atesta que é difícil classificar a trajetória posterior dos bolsistas numa única rubrica profissional, pois em geral se destacaram em mais de uma atividade. Número elevado fez pós-graduação no Brasil e no exterior, particularmente nos Estados Unidos. Muitos ocuparam postos públicos e tiveram envolvimento com a política institucional, em paralelo com suas carreiras profissionais específicas.

Tucano, o símbolo do PSDB

Suas identidades político-partidárias foram diversas e variaram ao longo do tempo. Não raros ocuparam cargos em governos, alguns ainda no tempo da ditadura, em partidos da situação ou da oposição. Após a democratização, integraram administrações lideradas pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido dos Trabalhadores (PT) em âmbito federal.

Estrela do PT

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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