Jean-Marc von Der Weid
Internacional

Guerra e clima: passado e futuro

Vladimir Putin e seu cachorro

Jean Marc von der Weid

Especial para o

Portal de Notícias www.renatodias.online

A guerra já dura dias e dias e ainda tenho dificuldades em dizer o que penso sobre o assunto. As notícias e análises desencontradas vão se acumulando a cada hora, com narrativas totalmente opostas sempre com um after taste de fake news. As clivagens políticas desagregam grupos de amigos e companheiros. Mais do que as nossas próprias contradições na política nacional. Quando, tempos atrás, discutimos a “questão” cubana achei que estávamos no máximo possível de conflito entre companheiros, mas estou vendo que esta guerra nos leva a outro patamar. Os adjetivos vão ficando mais contundentes e fico esperando a hora em que adotaremos os epítetos que celebrizaram as diatribes entre os comunistas ortodoxos e os maoístas.

Eu fico esperando a hora em que adotaremos os epítetos que celebrizaram as diatribes comunistas ortodoxos e os maoístas

Jean Marc von Der Weid

Civis na Guerra

Nunca esqueci uma expressão usada pela imprensa de Pequim (como se dizia nos anos 70) contra o primeiro-ministro Kruschev: “víbora lúbrica”! É mole ou quer mais? O pior é que muitos compas se esmeram em não deixar qualquer lugar para dúvidas ou matizes de posição: ou você está conosco ou está contra nós; ou você apoia Putin ou você é um ingênuo, na melhor das hipóteses, um isentão, em um caso um pouco pior, ou um “gabeirizado”, no caso extremo. O pobre do Fernando passou a ser o paradigma do traidor, vendido ao imperialismo ianque, ao capitalismo ou aos golpistas nacionais. Ele deve estar envaidecido com tanta valorização da sua persona, mesmo que negativamente.  O que mais me assusta nesta situação é o quanto estamos presos a uma problemática do passado enquanto o futuro está nos alcançando aceleradamente. No mesmo dia (ou quase) em que Putin arrisca uma guerra nuclear, o IPCC lança seu mais novo relatório mostrando que chegaremos ao aumento de 1,5 graus Celsius nas temperaturas médias do planeta até o fim da década.

O que mais me assusta nesta situação é o quanto estamos presos a uma problemática do passado enquanto o futuro está nos alcançando

Jean Marc von Der Weid

A escalada da guerra Rússia e Ucrânia

Não até 2050 como se supunha até pouco tempo atrás. Até 2030. Daqui a 8 anos. E lembremos que o relatório do IPCC é o produto de um consenso entre centenas de cientistas de todo o mundo e que o consenso sempre representa uma média entre a previsão mais pessimista e a mais otimista. Em geral as previsões mais pessimistas têm se mostrado as mais realistas, infelizmente. A guerra Rússia x Ucrânia é uma guerra entre a OTAN e a Rússia. A Ucrânia é apenas o Estado interposto. Putin há tempos vem propondo a volta ao passado pré fim da União Soviética. A ideia é o retorno às fronteiras ou áreas de influência dos tempos do império czarista, incluindo nas fronteiras da atual Rússia a Ucrânia e, quando for possível, a Moldávia, e os países bálticos.

A guerra Rússia x Ucrânia é uma guerra entre a OTAN e a Rússia. A Ucrânia é apenas o Estado interposto

Jean Marc von Der Weid

Vladimir Putin

Os países limítrofes seriam desmilitarizados, incluindo Polônia, Hungria, Romênia, República Tcheca, Eslovênia, Bulgária e os atuais restos da antiga Iugoslávia. Idem para a Finlândia. Isto é o que Putin chama de condições nacionais de segurança da Rússia. Não é apenas segurança, entretanto. Fica a pergunta: se a OTAN tivesse sido dissolvida quando sua homóloga do Leste, o Pacto de Varsóvia, desapareceu em 1991 alguém acha que Putin ficaria feliz e satisfeito com o que sobrou dos impérios czarista e soviético? Não é para nada o que ele mesmo tem dito até hoje. Putin representa a quintessência do nacionalismo russo que foi a marca da expansão territorial inexorável desde que os boiardos foram desalojados do poder de Moscou por Ivan o Terrível.

Vladimir Putin representa quintessência do nacionalismo russo que foi a marca da expansão territorial inexorável

Jean Marc von Der Weid

Joe Biden

Os países do ocidente organizados na OTAN [inclusive a nada ocidental Turquia] sob o comando nada discreto dos Estados Unidos, nunca disfarçaram a sua vontade de cercar o antigo inimigo com o máximo de forças militares convencionais e nucleares, mesmo com o desaparecimento da ameaça vigente na guerra fria iniciada antes mesmo das cinzas dos anos 39/45 esfriassem. A Rússia não era mais comunista e o embate não era mais ideológico, tal como foi vendido à opinião pública mundial durante 40 anos. Por que continuar o combate contra o antigo inimigo? Dizem alguns analistas que os imperialistas americanos não podiam suportar um país onde não controlassem as alavancas do poder econômico e político. É possível que isto seja verdade, mas o império americano já não é o que era no imediato pós-guerra mundial e mal e mal disfarça uma crescente decrepitude. Desde a guerra do Vietnam que enumera intervenções desastradas pelo mundo afora e uma perda de competitividade econômica e científica.

A OTAN [inclusive a nada ocidental Turquia], sob o comando nada discreto dos Estados Unidos, nunca disfarça a vontade de cercar antigo inimigo

Jean Marc von Der Weid

Donald Trump

Donald Trump disse com todas as letras que a Europa unida era um problema para o “America first” e que o perigo de uma força econômica muito superior estava no abastecimento de petróleo e gás da Rússia para a Alemanha e seus parceiros. Ou seja, a guerra de fundo não seria contra a Rússia, mas contra a Europa turbinada pelos combustíveis fósseis da Rússia. A provocação do enfrentamento com Putin teria sido uma forma genial de matar dois coelhos de uma só cajadada, levando os europeus a uma perda da vantagem econômica da relação com a Rússia ao mesmo tempo que eram levados a dar um cheque mate nos russos. Palmas para os estrategistas americanos, mas tanta esperteza não faz parte dos registros históricos dos   imperialistas, sempre mais dispostos a usar o porrete (próprio) para resolver as diferenças com o resto do mundo.

A guerra de fundo não seria contra a Rússia, mas contra a Europa turbinada pelos combustíveis fósseis da Rússia

Jean Marc von Der Weid

Dólares

A razão da guerra seria, portanto, o gasoduto Rússia-Alemanha! Querem algo mais antigo do que isso? Estamos registrando perdas econômicas gigantescas para todas as partes (mais para a Rússia e a Europa, mas também para os próprios americanos, os japoneses e até os chineses), perdas colossais em vidas e em refugiados na Ucrânia e potencialmente muito mais se o conflito se alastrar. Tudo isso para utilizar a fundo combustíveis fósseis que estão nos levando para o precipício do aquecimento global acima dos 1,5 graus. Ao invés de investirmos na substituição destes combustíveis vamos colocar bilhões de dólares ou euros em armamentos, o mais típico investimento estéril.

Tudo isso para utilizar a fundo combustíveis fósseis que estão nos levando para o precipício do aquecimento global acima dos 1,5 graus

Jean Marc von Der Weid

O relatório do IPCC ficou ofuscado pelas manchetes dos combates na Ucrânia e pelas medidas de isolamento econômico da Rússia. E pelo aumento do preço do petróleo e do gás em todo o mundo. Qual a resposta no ocidente? Discutir quanto de subsídios gastar para limitar o aumento da gasolina nas bombas. Aliás, com a carência do produto o custo dos molotovs que Zelenski propõe usar contra os tanques pesados dos regimentos russos vai ficar proibitivo. Como os russos têm petróleo sobrando não correm o risco de ver seus tanques ficarem sem combustível em pleno combate. Pobre Zelenski!

Oscilação do preço do petróleo no mercado mundial

Como os russos têm petróleo sobrando não correm o risco de ver seus tanques ficarem sem combustível em pleno combate

Jean Marc von Der Weid

Volodymyr Zelenskyy – A guerra Rússia e Ucrânia

Devíamos estar discutindo como parar de usar petróleo e gás (e carvão também, é claro). Devíamos estar suspendendo os gastos militares para investir pesado nas medidas já conhecidas para chegar ao estancamento rápido do crescimento das emissões de gases de efeito estufa e ao início urgente das medidas levando à reabsorção dos gases já emitidos. Para o primeiro dos efeitos a redução a zero dos desmatamentos e das queimadas são elementos essenciais do arsenal de ações a serem aplicadas imediatamente. Para o segundo dos efeitos o reflorestamento e a conversão da agricultura convencional para a agroecologia são a chave para mudar o rumo do aquecimento enquanto ainda há tempo (não muito).

O futuro está marcado pela nossa aderência ao passado, tanto do ponto de vista geopolítico como  econômico e energético

Jean Marc von Der Weid

O nosso futuro está marcado pela nossa aderência ao passado, tanto do ponto de vista geopolítico como do ponto de vista econômico e energético. No fundo, no fundo, o capitalismo em declínio nos está levando para o abismo e isto acontece quer pela sua expressão “ocidental”, quer pela sua expressão russa ou a chinesa. Não há mocinhos neste embate mundial, nem vencedores. Somos todos perdedores, até mesmo os que pensam ganhar com as ações das empresas do complexo industrial militar. O calor dos infernos vai ser para todos.

A indústria bélica dos EUA

Jean Marc von der Weid, março de 2022

Ex-presidente da UNE – Fundador da ONG AS-PTA [Agricultura Familiar e Agroecologia] – Militante do coletivo Geração 68

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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