A Deusa
Elza Soares 1930_2022
Multifacetada voz do milênio
https://www.youtube.com/watch?v=3roWrLfYkoE
‘Ela traduzia na arte a dor dos excluídos
Xexéu
Renato Dias
Filha de uma lavadeira com um operário, com a infância passada na Favela da Água Santa, obrigada a casar – se aos 12 anos, ela carregava lata de água na cabeça e ficou viúva logo aos 21 anos de idade. Tragédia pouca é bobagem. Para Elza Gomes da Conceição. A voz rouca do milênio do samba do morro.
A sua entrada na indústria cultural ocorreu em 1953. Elza Soares, em um chute de primeira a Ary Barroso, na Rádio Tupy, de propriedade de Assis Chateaubriand, informa ser oriunda do ‘Planeta Fome’. Das favelas e becos do Rio de Janeiro. Além da classe média Bossa Nova. Dos seus quatro filhos, nenhum está vivo.
Alcoolismo, violência e tragédia familiar. É o saldo de seu casamento com o jogador Garrincha. O camisa 7 do Botafogo [RJ] e da Seleção Brasileira. Alegria da arquibancada. O craque morreu em 1983. Homem destruído pela compulsão ao álcool. Garrinchinha, filho do casal, atropelado, morre em 1986.
‘O mesmo dia do último suspiro há exatos 39 anos de sua paixão visceral e turbulenta Garrincha
Euler Ivo Vieira
Eleita pela BBC, do Reino Unido, no ano de 1999, Elza Soares morreu em 20 de janeiro. De 2022. Aos 91 anos. De causas naturais. O mesmo dia do último suspiro há exatos 39 anos de sua paixão visceral e turbulenta Garrincha. É o que informa Euler Ivo Vieira. Ao Portal de Notícias www.renatodias online
‘Grande vulto das artes no Brasil
Marconi Perillo
Carne!
Uma mulher negra, de luta e resistência, exilada sob a ditadura civil e militar, reinventou a sua carreira, passou por múltiplos ritmos musicais e denunciou a violência às mulheres, diz a professora doutora Alcilene Cavalcante, da Faculdade de História da UFG. A sua voz rouca e potente é um hino de denúncia à objetificação da mulher negra, atira.
‘Um hino de denúncia à objetificação da mulher negra
Alcilene Cavalcante
Cidadania é a herança de Elza Soares, frisa o cantor e compositor Xexéu. Dos Bambas. Ela traduzia na arte a dor dos excluídos, em defesa de um mundo com igualdade de direitos, fuzila. Cantador e violeiro, Luiz Carlos Orro lamenta o encantamento de Elza Soares com a Música Fadas, um tango, de Luiz Melodia.
‘Elza Soares canta a música Fadas, um tango, de Luiz Melodia
Luiz Carlos Orro
A carne
Elza Soares
A carne mais barata do mercado
É a carne negra
Tá ligado que não é fácil, né, mano?
Se liga aí
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Só cego não vê
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
E vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquíátricos
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Dizem por aí
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que fez e faz história
Segurando esse país no braço, meu irmão
O cabra que não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador eleito
Mas muito bem intencionado
E esse país vai deixando todo mundo preto
E o cabelo esticado
Mas mesmo assim ainda guarda o direito
De algum antepassado da cor
Brigar sutilmente por respeito
Brigar bravamente por respeito
Brigar por justiça e por respeito (Pode acreditar)
De algum antepassado da cor
Brigar, brigar, brigar, brigar, brigar
Se liga aí
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Na cara dura, só cego que não vê
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Na cara dura, só cego que não vê
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Tá, tá ligado que não é fácil, né, né mano
Negra, negra
Carne negra
É mano, pode acreditar
A carne negra
A Copa que não comemorei
Elza Soares
Além de ter sido um período muito difícil para o Brasil, a ditadura militar foi quando tive minha casa metralhada. Estávamos todos lá: eu, Garrincha e meus filhos. Os caras entraram, metralharam tudo e nunca soube o motivo. Era 1970, já tínhamos recebido telefonemas e cartas anônimas, nos sentíamos ameaçados e deixamos o país. Acredito que fizeram isso por conta do Garrincha, mas também por mim, pois eu era muito inflamada e então, como ainda hoje, de falar o que penso. Eu andava muito com o Geraldo Vandré e devem ter pensado que eu estava envolvida com política. Mas eu sou uma operária da música, e qual é o operário que não se revolta?
Roma, Itália
Fomos para Roma, e lá o Garrincha, que não tinha sido convocado para aquela Copa, estava em desespero por não estar jogando e por não ter onde morar. Estávamos num hotel, vendo o Brasil ser campeão. Foi quando o Juca Chaves foi comemorar na Piazza Navona, onde fica a embaixada brasileira. Estávamos trancados dentro de um apartamento, e o Garrincha queria sair de qualquer maneira: queria participar da festa, mas ao mesmo tempo estava altamente deprimido. Ele perdeu a casa, teve de deixar o país e não sabíamos como voltar.
Enquanto se celebrava o fato de o país se tornar o primeiro tricampeão na história da Copa do Mundo, o Brasil fazia barbaridades com sua população. O Garrincha sentia um misto de alegria e dor, porque ele queria comemorar, mas, ao mesmo tempo, sentia repulsa por tudo que nos havia acontecido. Imagine o que é para um homem que, para mim, está acima de qualquer nome no futebol brasileiro, ser mandado embora do país. Isso já é tenebroso, vergonhoso; imagine então esse homem vendo aquela conquista, confinado numa selva de pedra, no exterior, sem entender nada, sem saber o que havia acontecido com nossa casa.
Aquela foi a época em que ele mais bebeu, e não saía de casa, pois tinha vergonha de aparecer embriagado. Eu fazia de tudo para ele não beber, mas não adiantava. Era tão grande a minha angústia que eu tinha vontade de invadir a embaixada brasileira em Roma. Mas segurei a onda. Continuamos vivendo num hotel e tivemos grande ajuda de Chico Buarque e Marieta. Eles tinham se exilado na cidade e foram dois amigos de alma. Ali eu tive um bom empresário, trabalhei muito e fui ganhando o dinheiro com o qual pagava todas as contas. Durante um jantar, conheci Ella Fitzgerald, que estava fazendo shows com repertório de bossa nova e teve um problema de saúde. Eu acabei substituindo-a.
Mas, quando descobriram que eu estava trabalhando na Itália sem documentação, tivemos de sair de Roma -então fomos para Portugal por um tempo. Um dia, estávamos no Cassino Estoril, perto de Lisboa, e encontramos o apresentador Flávio Cavalcanti e o Maurício Sherman, que dirigia um programa na TV Tupi. Eles deram ao Garrincha uma camisa do Brasil, querendo homenageá-lo -mas quem queria camisa da seleção naquela altura? “Obrigado o…, cadê minha casa, cadê minha moradia? Já vesti a camisa do Brasil anteriormente, já dei tudo que eu poderia ter dado ao Brasil”, ele disse. Passados 50 anos do golpe, ninguém jamais tomou nenhuma atitude sobre o que nos aconteceu naquele 1970, e eu continuo brigando pelo Mané, até hoje. Quando eu canto “Meu Guri”, canto com muita força, e essa é uma maneira que eu tenho de cantar uma música do Chico, mas homenageando o Mané. Eles são os dois guris de “my life”.
Elegia
O último adeus
Fernando Casadei Salles
Especial para
www.renatodias.online
Tributo a Elza Soares
A Diva
Fernando Casadei Salles
Vai Elza,
Com as pernas tortas e que a classe média putrefata que lutou contra ti
Mais uma vez
Negra favelada
Dos escurumbaco magistral Cantora de samba
Zig zum
Vai para a esquerda
Para a perna no ar
Em cima da bola
Ginga para esquerda e daí para a direita
Na cara do gol do assombrado goleiro do São Pedro Futebol Clube
Chegou Elza no céu
Viva o samba
Chamem o Garrincha
A alegria do povo.
Chegou a Elza!
Chegou a Elza!
A nossa rainha
Dos pretos e das pretas das quebradas,
Dos fodidos,
Dos sujos,
Dos sem dinheiro, sem terra, sem teto,
Cheios de amor para dar
Chegou Elza
nosso amor eterno
Viva Elza