Tática para derrotar Bolsonaro
Qual deve ser a tática para derrotar Bolsonaro?
Valerio Arcary
Jair Bolsonaro ainda não foi derrotado. É bom saber que Bolsonaro não vai se render sem uma luta feroz diante do perigo de impeachment, nem diante das eleições. Um dos temas centrais do Congresso permanece sendo a orientação para a luta contra o governo. Existem três em disputa na esquerda brasileira e, com pesos diferentes, as três se expressaram nas fileiras do PSol durante os últimos dois anos e meio. A primeira é a tática do desgaste ou quietista que considera que já ocorreu uma derrota histórica, e o melhor caminho é aguardar as eleições de 2022 e não provocar. Ela é majoritária no PT, mas encontrou refrações, ainda que minoritárias, também, dentro do PSol, como pudemos conferir nas discussões para a eleição da presidência da Câmara de Deputados.
Aqueles que apoiavam Baleia Rossi, como Marcelo Freixo, argumentavam que o perigo do autogolpe seria a maior ameaça. Em coerência, privilegiavam a unidade na ação com a oposição liberal, dentro e fora das instituições. A segunda é a tática da ofensiva permanente que considera que a eleição de Bolsonaro foi uma derrota eleitoral, e que o fundamental das forças sociais em que a esquerda se apoia, o movimento sindical e de juventude, de mulheres e negros, ambiental e LGBT, indígena e popular, entre outros, se mantém intactas. As diferenças se manifestaram nas tensões provocadas pela iniciativa paralela de convocação de Atos próprios sob a bandeira Povo na Rua.
A terceira é a tática da Frente Única de Esquerda. O bloco Todas as lutas unificam aqueles que a defendem. Expressa o reposicionamento do PSol desde a resistência contra o golpe parlamentar de 2016, a oposição ao governo Temer, o engajamento na campanha Lula Livre, a defesa da unidade das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo. Resistência, Insurgência e Subverta se situam neste Bloco ao lado da Primavera e da Revolução solidária, além de grupos regionais, apresentando a pré-candidatura de Boulos ao governo de São Paulo, e priorizando a luta por um programa de reformas estruturais e medidas anticapitalistas para enfrentar Bolsonaro que, se não for derrubado este ano, se expresse em uma candidatura unificada da esquerda em 2022.
Guilherme Boulos
É possível vencer Bolsonaro sem uma Frente Única de todos os movimentos sociais, portanto, também, com o PT?
Ignorar que o PT é o partido com maior influência junto ao povo é mais do que um erro, é pura miopia. Se com o petismo encontramos dificuldades para colocar em movimento milhões nas ruas contra Bolsonaro, sem o PT e as muitas organizações que estão sob a influência de Lula é impossível. A experiência com o lulismo, mesmo nos setores organizados dos trabalhadores, foi, dramaticamente, interrompida, porque se precipitou um golpe institucional/parlamentar contra o governo Dilma Rousseff. Sem o engajamento do Psol, impulsionando as mobilizações pelo Fora Bolsonaro priorizando a Frente Única, o destino da esquerda está ameaçado. O bloco PSol de todas as lutas tem sido esta alavanca. Quem fantasia que vai ultrapassar e ou substituir o PT nas ruas na luta pelo impeachment, portanto, se engana. Convocar por conta própria Atos paralelos superrevolucionários, mas diminutos, não abre um caminho mais rápido para o impeachment.
Há toda uma geração que nasceu para a vida política e não acompanhou, diretamente, a vivência dos treze anos dos governos do PT. A experiência com os anos de governo Temer e Bolsonaro é devastadora. Têm razão em considerar que nada é mais importante, daqui até dezembro, do que ir às ruas e lutar pelo impeachment. E não podem nem compreender, nem perdoar se o PSol duvidar, hesitar ou vacilar em estar na primeira linha da defesa da unidade para lutar.
Qual deve ser o lugar do PSOL em 2022 na luta para derrotar Bolsonaro?
Se Bolsonaro não sofrer impeachment até dezembro, o que depende, essencialmente, da força social de choque das mobilizações nas ruas, o terreno da luta contra os neofascistas será o eleitoral. A questão é saber se a luta do PSol por um programa anticapitalista terá maior audiência por dentro de uma coligação com o PT ou com uma candidatura própria. Evidentemente, o perigo de um “abraço de urso” do PT será imenso. Mas não é verdade que time que não joga não tem torcida. Time que aceita jogar em qualquer circunstância perde, também, a torcida.
As eleições de 2022 serão diferentes de todas as eleições desde o final da ditadura. Sempre há muita incerteza, mas o mais provável, é que as tensões próprias do segundo turno serão antecipadas para o primeiro turno. A campanha eleitoral poderá ter, formalmente, até dez ou mais candidatos. Mas, na verdade, será uma disputa entre dois: Bolsonaro e Lula. Será assim porque esta é a relação política de forças, e não depende de nós. Ela não vai mudar seja quem for candidato pelo PSol, e seja qual for o discurso do PSol.
A burguesia liberal que procura a construção de uma candidatura de “terceira via” já é consciente de que este cenário é o mais provável. Ciro Gomes amargura a perspectiva de ver sua votação cair para metade ou menos. Portanto, no terreno eleitoral, também, o dilema da relação da esquerda radical com a esquerda reformista se coloca. O Psol cresceu, mas uma candidatura própria em uma eleição polarizada entre Bolsonaro e Lula, seria invisível, seja qual for o discurso.
A primeira pergunta em qualquer debate público, em qualquer conversa nos locais de trabalho, em toda reunião de família aos militantes do PSol será: “Por que vocês não apoiam Lula?” O que vamos responder? Só há dois caminhos. Ou a linha da candidatura do PSol será de balanço dos limites reformistas do que foram as iniciativas e alianças dos governos Lula e Dilma Rousseff, ou será uma crítica dos financiamentos de caixa dois do PT. Se for a primeira mergulharemos em total solidão política. Se for a segunda estaremos fazendo papel de sublegenda de Ciro Gomes.
Não é possível lançar uma candidatura própria, e romantizar uma campanha que só faria denúncia de Bolsonaro, sem demarcação do PT e Lula. Mas, se o fizer, seria muito mais grave, porque a candidatura do PSol seria percebida por imensos setores das massas populares como um obstáculo para derrotar Bolsonaro. Nesse contexto, as dificuldades impostas pela relação política de forças, indicam que a luta do PSol por um programa anticapitalista deve ser feita por dentro do campo unificado da esquerda. Como se faz essa luta? Ocupando espaços, como através da pré-candidatura de Boulos a governador de São Paulo. E disputando ideias, apresentando um programa de reformas estruturais que têm imenso respaldo nos movimentos sociais feministas e negros, estudantis e populares, LGBT’s e ambientalistas.
Finalmente, quem está à esquerda de quem no PSol? Aqui estamos diante da ilusão de ótica de mapas políticos anacrônicos. Quem é a esquerda do PSol na preparação deste Congresso? Ter sido a favor ou indiferente à prisão de Lula, por exemplo, não é uma posição à esquerda do PT, mas à sua direita, mesmo se autoproclamando a favor da revolução mundial. Esquerda e direita são termos relativos e transitórios. “Na dúvida, pela esquerda”, dizem alguns; “Fulano está à direita de sicrano”, dizem outros. Estas brincadeiras são muito comuns. São, também, menos inofensivas do que parecem. Porque de alguma maneira revelam uma mentalidade, uma maneira de pensar, um tipo de educação política.
É nesse contexto que no PSol, o bloco “Todas as Lutas” tem sido criticado como uma ameaça ao futuro do PSol. Dizem alguns que fizemos do PSol um “puxadinho do PT”, porque denunciamos o golpe contra Dilma, estivemos na primeira linha da candidatura de Boulos à presidência em 2018, porque defendemos a Aliança do MTST com o PSol, porque valorizamos a participação do PSol na campanha Lula Livre, defendemos a tática da Frente Única e, agora a possibilidade de uma Frente Eleitoral como PT, desde o primeiro turno, lutando por um programa anticapitalista.
Há uma questão de método neste imbróglio. A substituição da análise da situação concreta pelo método da “cartografia”. O método da “cartografia” consiste em considerar uma linha política certa ou errada em função das posições que as distintas correntes, partidos e líderes ocupam em um imaginário mapa político constante, rígido, invariável. Esse mapa imutável não existe. Em função das transformações na situação política ocorrem, permanentemente, reposicionamentos. Este método é errado por uma razão fundamental: porque desvaloriza a análise da realidade. Milhões de pessoas comparam a trágica experiência do governo Bolsonaro com os anos dos governos do PT e chegam, sem muitas dificuldades, à conclusão de que estão vivendo pior. Diminuir o perigo que Bolsonaro representa, e ignorar a opinião das massas será um erro imperdoável. Deixaria o PSol em um beco.
Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSol, e autor de O Martelo da história