Cilon Cunha Brum
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Túmulo aguarda corpo insepulto de Cilon Cunha Brum

Lápide de Cilon Cunha Brum

Túmulo aguarda corpo insepulto de Cilon Cunha Brum

Guerrilha do Araguaia

Um bilhete. Curto. De 9 de junho de 1971. O último contato com a família. De Porto Alegre

PODCAST

Lino Brum

 

Cartaz dos desaparecidos

 

Renato Dias

_Vou viajar. Depois mando notícias.

Um bilhete. Manuscrito. Do dia 9 de junho de 1971. Assim Cilon Cunha Brum, nascido em 3 de fevereiro de 1946, em São Sepé, interior do Estado do Rio Grande do Sul, já estudante de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [PUC-SP], manteve, em Porto Alegre, o último contato com os pais. Um longo caminho lhe esperava. A sua última viagem. Sem volta.

‘Aguardo notícias

até hoje, em 9 de

junho de 2021

É o que revela Lino Brum, seu irmão. A família Cunha Brum construiu uma sepultura. Com uma lápide. O texto aponta:  ‘Esta sepultura aguarda o corpo de Cilon Cunha Brum.’ Um cadáver insepulto. O que impede a realização do luto. Sem o corpo, os seus restos mortais, é impossível a elaboração da perda. O pranto pela morte. Um patrimônio imaterial da cultura da humanidade

‘A sua ausência

é a marca. A

cicatriz aberta

Cilon Cunha Brum havia se deslocado para a Guerrilha do Araguaia. Ruptura do reformista Partidão, de fevereiro do ano de 1962, liderada por João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabois e Ângelo Arroyo, o PC do B a organizava desde o ano de 1966. Pós-1964. A região abrangia o norte de Goiás [Atual Estado do Tocantins], o sul do Pará e uma área do Maranhão.

Guerrilha do Araguaia

Com cadeias de comando diferentes, modus operandis distintos, o conflito ocorrido entre 1972 a 1975 teve três campanhas militares, seis operações, saldo trágico de mais de 56 guerrilheiros mortos, além de 32 camponeses e de sete baixas nas Forças Armadas. Com o desrespeito à Convenção de Genebra e violações graves à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948

Torcedor do Grêmio [RS] e do Flamengo [RJ], Emílio Garrastazu Médici, general-presidente da República, assim como Ernesto Geisel, o seu sucessor no Palácio do Planalto, além de Ernesto Geisel e Sylvio Frota, também generais, integravam as cadeias de comando das operações. Eles determinaram que nenhum revolucionário sairia com vida da região. Após a segunda etapa.

Emílio Garrastazu Médici – Folha de S. Paulo

Cinco campanhas militares. Seis operações. Para acabar com a guerrilha inspirada nas táticas e estratégias formuladas por Mao – Tsé – tung. O líder da revolução socialista na China, em 1949. A sua organização iniciou-se dois anos após o golpe de Estado civil e militar que depôs o presidente da República, João Belchior Marques Goulart, nacional – estatista de linhagem trabalhista.

A primeira operação denominou-se Peixe-Ouriço. Ela foi realizada ainda no ano de 1972. A segunda recebeu o nome de Operação Presença. O Estado chegou a uma área inóspita, sem infraestrutura nas áreas de saúde, educação, segurança e de obras e serviços. Terceira, Papagaio acabou deflagrada ainda em 1972. A Operação Sucuri, 1973. De extermínio absoluto, Marajoara

Em janeiro, fevereiro e março de 1975, Serra das Andorinhas e Rio Araguaia, a última: Operação Limpeza. Uma assepsia na área e desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros. Crimes de lesa-humanidade. De sequestro continuado. Imprescritível. Não passível de Anistia. Mui­to menos de autoanistia. Tanto Emílio Garrastazu Médici quanto Ernesto Geisel eram informados.

Memorando, do Departamento de Estado dos EUA, de 11 de abril de 1974,   assinado pelo então diretor da CIA Willian Colby, endereçado ao secretário de Estado dos EUA à época, Henry Kissinger, informa que Ernesto Geisel, ao assumir o poder, foi informado de que 104 pessoas haviam sido mortas em 1973 pelo governo de Emílio Garrastazu Médici [1969-1974].

Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva

O Centro de Informações do Exército [CIE] recebeu autorização de Ernesto Geisel, o Alemão, protestante, para manter o método que envolvessem ‘subversivos perigosos’. Além do aval do Palácio do Planalto, as execuções também deveriam ser precedidas de consulta ao diretor do Serviço Nacional de Informações [SNI], general João Baptista de Oliveira Figueiredo.

‘A ordem

era matar!

Na primeira fase, o comandante-geral seria Orlando Geisel, irmão de Ernesto Geisel. Sylvio Frota assumiu o Ministério do Exército para liquidar com o foco vermelho de linhagem maoísta no Araguaia. Emílio Garrastazu Médici, Orlando Geisel, Ernesto Geisel, Sylvio Frota, Confúcio de Paula Avelino, Nilton Cerqueira, Sebastião Curió e Lício Maciel obtiveram protagonismos.

Major Sebastião Curió

O general Antônio Bandeira teve script destacado. Lício Maciel atuara no desbaratamento do Movimento de Libertação Popular [Molipo]. Uma dissidência nascida em 1970, em Havana, Cuba, da Ação Libertadora Nacional.  O foco do Molipo instalado no Norte de Goiás, atual Tocantins, terminou com dez execuções extrajudiciais e desaparecimentos políticos.

General Antônio Bandeira

Taumaturgo Sotero Vaz compõe a lista dos membros da cadeia de comando.  Mais: a repressão política e militar estabeleceu o terror na região do Araguaia. Ela obteve, sob ameaças e torturas, a colaboração de mateiros, trabalhadores rurais, camponeses e até dos índios da etnia Suruí. Sete guerrilheiros, caçados, teriam sido mortos. As suas cabeças entregues. Expostas ao público.

‘Barbárie

Depois do fim da guerrilha, a repressão liquidou três homens do Comitê Central do PC do B, em dezembro de 1976, na Lapa, São Paulo [SP]: João Batista Drummond, Pedro Pomar e Maurício Grabois. É a chamada Chacina da Lapa. Registro: casos de filhos de guerrilheiros sequestrados e apropriados, com mais dois casos ainda sob investigação, foram apontados por Eduardo Reina.

A queda da Lapa, 1976

‘O segredo

do segredo

dos anos de

chumbo.

Tempos

sombrios

A ditadura civil e militar, no Brasil, instalada em primeiro e dois de abril de 1964, como na Argentina [1976-1983], sequestrou bebês e raptou filhos de dissidentes políticos. Para entregá-los a militares e até a civis. Explosiva, a denúncia é do jornalista Eduardo Reina. Somente sob a Guerrilha do Araguaia, teve um saldo trágico de 11 vítimas. Dois são filhos de guerrilheiros

_ Uma Política de Estado. De um Estado de Terror. O sequestro dos filhos de oposicionistas era o segredo dentro do segredo da ditadura civil e militar brasileira.

Golpe de Estado de 1964
Golpe de Estado de 1964

 

explosivo
explosivo

Retrato 3/4

História do Tempo Presente

Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso Nacional referendou ainda a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, o marechal Humberto Castello Branco.

Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, era o herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.

A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.

O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira – do – dragão, socos, pontapés, telefones, pau – de – arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.

Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada no dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indí­genas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.

Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.

Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, espetáculos, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.

O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câ­ma­ra Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras munici­pais.   Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, depu­ta­dos estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.

O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.

A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou executores morto e ferido. O crime permanece até hoje, 2021, impune.

O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assas­sinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1984, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.

O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.

– Um passado que não passa.

 

Eduardo Villas Bôas
General Eduardo Villas Bôas

Anos de chumbo e de ouro

De 1964 a 1988 e até 2021

A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.

Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.

A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca farda­da’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, pre­sidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.

Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’,  ele se encontrava em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obte­nha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.

O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter ti­do torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gre­gó­rio Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública. 

 

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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