Carlos Vainer
Opinião

A educação sob a Pandemia, no Brasil

Universidade e sociedade contra a barbárie

Carlos Vainer

Quando ouço falar em cultura, levo a mão ao revólver

[Frase de uma peça de Hans Jost, depois atribuída a Goering, chefe da Gestapo e braço direito de Hitler]

Nos últimos meses, e com grande intensidade nas últimas semanas, quando vieram a público os números do orçamento federal de 2021, várias associações científicas, entidades culturais e universidades, assim como matérias da grande imprensa e das redes sociais, vêm anunciando a brutal redução dos recursos destinados às universidades públicas. A Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), os sindicatos de docentes e de trabalhadores técnico-administrativos, as entidades estudantis têm se manifestado a respeito.

Jair Bolsonaro

 

Algumas reitorias denunciam a irresponsabilidade do governo, outras se contentam em lamentar, e todas anunciam o colapso iminente das universidades públicas, que serão obrigadas a fechar. É muito importante dar a devida atenção a essas advertências, mas talvez seja igualmente importante agregar algumas informações e reflexões, para que denúncias e/ou lamentos não fiquem limitados ao mundo fechado da academia e não se esgotem em si mesmos.

Paulo Guedes

 

Em primeiro lugar, parece necessário deixar claro que o colapso já está instalado há algum tempo, e desde o início da pandemia nossas universidades já estão semifechadas. A suspensão das atividades presenciais reduziu expressivamente alguns custos, como os de energia, transporte, alimentação estudantil, entre outros. A universidade já estaria totalmente paralisada não fosse o extenuante e estressante sobretrabalho a que estão submetidos nossos docentes, discentes e técnico-administrativos, às voltas com uma administração do quotidiano e um ensino remoto cujos resultados pedagógicos são decepcionantes, desproporcionalmente pequenos em relação ao esforço consagrado por nossos dedicados e incansáveis professore (a)s e estudantes.

Indígenas ameaçados _ El País

 

Em segundo lugar, parece indispensável refletir sobre o processo de construção dos meios e modos de reverter uma situação de ataque sistemático não apenas ao sistema público de educação, ciência e cultura do país, mas ao conjunto das conquistas e reivindicações democráticas e populares, que constituem condições de possibilidade de uma república democrática e de uma sociedade justa. Sem pretender uma lista exaustiva, poder-se-ia citar: reforma da previdência social, eliminação de direitos trabalhistas e precarização do trabalho, violências que ameaçam a sobrevivência física e cultural dos povos originários, genocídio da juventude negra, destruição de nossos florestas e rios, feminicídios … e, claro, a política deliberada de promoção da morte durante a pandemia.

Há muitos anos já se tornou tradição as universidades virem a público para alertar a sociedade de sua progressiva asfixia, a que o governo atual tem respondido com recomendações de que as instituições federais de ensino superior devem buscar soluções de mercado para enfrentar a escassez de recursos (veja-se o programa Future-se, lançado em 2020 pelo ex-Ministro da Educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub). Lamentavelmente, há universidades que parecem acreditar na alternativa de mercado como solução, individual, para suas mazelas – como, por exemplo, a UFRJ, que, com seu   projeto Viva UFRJ, pretende entregar parte de seu patrimônio ao capital financeiro-imobiliário numa operação mediada pelo setor de privatização do BNDES e pelo Banco Fator. Mas tirante essa contaminação privatista de algumas instituições públicas, o fato é que estamos colocados diante de uma realidade que é nova, e que exige respostas novas.

Abraham Weintraub

 

As denúncias, e mesmo as meras lamentações, contra a escassez de recursos são justas e necessárias. Mas se não dermos um passo a mais, nos veremos numa situação em que cada setor reivindica, lamenta e denuncia o seu colapso particular: as universidades e educadores pedem recursos para a educação, os agentes e produtores culturais reivindicam verbas para a cultura, cientistas para a ciência, agentes de saúde exigem que não se destrua o SUS, e assim por diante, numa interminável lista de justas e legítimas demandas, mas sempre setoriais, sempre limitadas aos espaços e necessidades de um determinado serviço ou ação ou instituição.

SUS

 

É necessário entender que não estamos diante de colapsos de tal ou qual função pública, mas de um colapso geral, generalizado… para usar uma terminologia médica, uma deliberada e generalizada falência múltipla dos órgãos que estruturam os serviços públicos e a esfera pública.  Como em outros momentos de nossa história, é mais que chegada a hora para que as universidades públicas, mais e além de suas denúncias e demandas particulares, assumam uma posição de combate e engajem sua inteligência, seus esforços, seus trabalhadores e estudantes na construção de uma ampla frente contra o obscurantismo e a barbárie.

Barbárie

 

Aponta na direção correta a iniciativa da Universidade Federal da Bahia, ao convocar um ato nacional intitulado “A Educação contra a Barbárie”. Nossas universidades não estão sendo chamadas pela UFBA a se manifestarem apenas contra o corte de verbas nas universidades, mas contra o corte de verbas em quase todos os setores da máquina pública. E, tão ou mais importante, a UFBA não nos convoca apenas a lutar por recursos, mas a lutar contra o obscurantismo e a barbárie, contra um governo e uma política que já mostraram, à saciedade, ter como objetivos a destruição do setor público e da esfera pública, a corrosão do sentido mesmo da sociabilidade, a degradação da convivência democrática e a violação de direitos conquistados.

É indispensável ter claro que não há soluções e saídas individuais ou setoriais. Apesar de alguns apostarem nessa ilusão, nenhuma universidade sobreviverá sozinha, por mais que venda o patrimônio e a alma ao mercado. Nenhum setor público, nem a saúde, nem a cultura, nem a proteção ambiental permanecerão de pé sozinhos numa terra arrasada pela guerra sem quartel movida pelo governo contra a sociedade. A ex-primeira ministra inglesa Margareth Thatcher, que implantou a ferro e fogo o projeto neoliberal no Reino Unido, afirmava: “Não existe essa coisa de sociedade, há apenas homens e mulheres, indivíduos e famílias”. Teoria sociológica, sim, mas também maldição e estratégia política, desde sempre acionada pelos dominantes para promover a fragmentação daquele(a)s que resistem aos mandados autoritários do mercado e do poder.

Por tudo isso, é mais que chegada a hora de ir além, e fazer do ato “A Educação contra a Barbárie” um momento de construção de ampla frente “A Sociedade contra a Barbárie”. Como em outros momentos de nossa história, a Universidade Pública está chamada não apenas a defender sua existência, mas também a dialogar e construir com a sociedade civil, com os movimentos populares, com aquele(a)s militantes e organizações sociais que entretecem os laços de solidariedade e ações coletivas que transcendem indivíduos, famílias e setores, uma ampla frente social e política para derrotar e varrer o autoritarismo, o obscurantismo e a barbárie, para que (re)instauremos a democracia e construamos uma sociedade justa e igualitária.

_ Todo mundo ao ato Educação contra a barbárie.

Quando: 18 de maio de 2021 _ às 9h _ Youtube.com/TVUFBA

Carlos Vainer é professor Titular-Colaborador, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Integrante da Universidade da Cidadania Resiste, Pesquisador 1A do CNPQ

 

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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