55 dias em 1968 e 1969
Memória & calvário
55 dias em 1968 e 1969
Os dias de prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil sob a ditadura civil e militar no Brasil
Vídeo – Trecho do filme
Renato Dias
26 de junho de 1968. Ao lado dos olhos verdes de Chico Buarque de Hollanda e de Gilberto Gil, Caetano Emanuel Viana Veloso participa da passeata dos 100 mil. No Rio de Janeiro. A cidade maravilhosa. Sob a ditadura civil e militar. Instalada pós-golpe de 2 de abril de 1964. Com a decretação do AI_5, em 13 de dezembro do ano que não terminou, o tempo fica ‘nublado’.
Depois de atravessar a madrugada, em um apartamento alugado, em São Paulo, centro econômico e das lutas de classes no Brasil, com a sua mulher à época, Dedé Gadelha, cantando Assum Preto e Onde o céu azul é mais azul, é preso: 27 de dezembro. Às 6h. Pela repressão política e militar. Com Gilberto Gil. Os dois, sem saber o motivo da prisão, são levados para o Rio.
Primeiro, a tortura psicológica. Depois, trancafiados, cada um, em minúsculas ‘solitárias’. Sem colchão e próximo de uma latrina. Frio. A comida, intragável. Incomunicáveis. Até para as suas respectivas famílias. O instituto do Habeas Corpus, o HC, indispensável em um Estado de Direito, estava suspenso. Não podia receber livros. Nem violão. Muito menos visitas íntimas.
Caetano Emanuel Viana Veloso desenvolve um transtorno psiquiátrico. Sem saber. Com stress e elevada ansiedade, o Obsessivo e Compulsivo _ TOC. O artista atribuía às músicas que tocavam em um rádio de pilha no pavilhão da cadeia, com múltiplas celas, boas ou más notícias. O cantor e compositor conceitua o seu comportamento como uma superstição. Não. Não era.
Ênio da Silveira, editor da Civilização Brasileira, lhe envia, de sua cela, dois livros. O ícone da Tropicália é mandado a uma cadeia com presos políticos. No cárcere ao lado, Paulo Francis, Gilberto Gil e um falso Antônio Callado. Em cadeira de rodas. Longe de ser o crítico literário. Escoltado por dois militares armados, sai pela Vila Militar [RJ]. Não sabia a razão do passeio.
Caetano Veloso achou que seria fuzilado. Não morreu. Apenas cortou as madeixas. Ao estilo militar. Com o alvará de soltura, embarca, com o astro Gilberto Gil, em um avião da FAB. Com destino final a Salvador. Bahia. A ‘terra de todos os santos’. Ao pisar na capital, nova prisão. É solto no fim do dia. Os dois se dirigem até a casa de Dona Canô. Os seus pais não estavam.
Um surto psicótico lhe arranca a razão ao olhar-se. Na cadeia não possuía espelho. Caetano Veloso diz que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Cinquenta e cinco dias de prisão. De 27 de dezembro de 1968 a 19 de fevereiro de 1969. Depois, é exilado em Londres. Tempos Sombrios. Uma noite que durou 21 anos. O início é a queda de João Belchior Marques Goulart
Leitor de Herbert Marcuse, o ideólogo do Maio de 1968, em Paris, França, e da insubmissão contra a Guerra no Vietnã, nos EUA, admite que o Tropicalismo era subversivo. Tanto na forma quanto no conteúdo. Mais do que as canções de protesto. De Geraldo Vandré. Documentário exibido em Veneza, ‘Narciso em Férias’ não faz referência ao exílio nem a Carlos Marighella.
‘Narciso em Férias’ mostra que Dedé Gadelha lhe levou um exemplar da revista Manchete. A edição, especial, reproduzia uma imagem da Terra. Sob uma distância de 365 mil quilômetros. O que o inspirou, tempos depois, a compor a icônica ‘Terra’. Com produção-executiva de Paula Lavigne, o filme é assinado pelos realizadores Renato Terra e Ricardo Calil. Setembro de 2020.