Massafumi Yoshinaga
Cinema

O suposto terror renegado

A serviço da ditadura

O suposto terror renegado

Arrependido, Gustavo Guimarães Barbosa, ex-VAR-Palmares não revelou tudo o que sabe

 

 

 

Renato Dias

A Vanguarda Armada Revolucionária Palmares havia lhe designado para operar parte dos dólares obtidos da expropriação do cofre de Ana Capriglione, a amante de Adhemar de Barros, em 1969. Recursos destinados ao pagamento de aluguéis de aparelhos e à sobrevivência dos camaradas da esquerda em armas. Sob a ditadura civil e militar. Até que o guerrilheiro caiu. É a história de Gustavo Guimarães Barbosa. Ex – Rio de Janeiro, Brasília [DF] e Goiânia [GO].

 

Com Jackson Pires Luiz Machado, Alan Kardec Pimentel, João Arnolfo de Oliveira, Gustavo Guimarães Barbosa aceitou ir a um programa gravado nos estúdios da Rede Globo de Tv. Para re­negar o suposto terrorismo de esquerda. O general Emílio Garrastazu Médici era o presi­den­te da República. Com a prisão ilegal, sem direito a Habeas Corpus, a tortura, a execução extra­­ju­dicial, a ocultação de cadáver e o desaparecimento forçado como Políticas de Estado.

Emílio Garrastazu Médici
Emílio Garrastazu Médici

 

Antes da gravação, um bate – papo com os jornalistas.  Dos conglomerados de comunicação. Pa­ra definir o script. Propaganda política e ideológica. Com a condenação da luta armada. Mé­to­­do de luta previsto no ideário liberal. A exaltação da ditadura civil e militar. A premiação? A liber­dade condicional e a obtenção de empregos. Os três restantes eram ativistas de Goiânia. Adultos. Nada inocentes. Mário Andreazza virou o padrinho de Gustavo Guimarães Barbosa.

 

Mário Andreazza
Mário Andreazza

 

 

O general do Exército Brasileiro Antônio Bandeira, colaborador das ‘Operações Ilha e Mesopo­tâmia’, um dos gerentes da destruição das guerrilhas do Molipo _ 1971 e 1973 _ e do Araguaia _ 1972 a 1975_ era o tutor de Jackson Pires Luiz Machado, Alan Kardec Pimentel, João Arnolfo de Oliveira. Logo se arrependeu mais um. Francisco das Chagas Sapiência. Documento confidencial mostra que Jackson Pires Luiz Machado acabou como informante da repressão.

General Antônio Bandeira
General Antônio Bandeira

Apenas Gustavo Guimarães Barbosa prestou depoimento ao documentário Os Arrependidos. Sob a direção de Armando Antenore e Ricardo Calil. Jackson Pires Luiz Machado e Alan Kardec Pimentel, não.  João Arnolfo de Oliveira morreu. Dez dos 40 renegados optaram pelo silêncio. Alan Kardec Pimentel tentou convencer a irmã presa, Olga Darc Pi­men­tel, da Var – Pal­ma­res, a ir à Tv. A guerrilheira, mulher de Cláudio Câmara, do CC, preso, negou e cuspiu em sua cara.

Armando Antenore
Armando Antenore

 

Ricardo Calil  

 

Gustavo Guimarães Barbosa, Jackson Pires Luiz Machado, Francisco das Chagas Sapiência devem uma explicação. Motivo: explicar onde estão os dois cadáveres, de desaparecidos políticos, da VAR – Palmares, para a História. Marcos Antônio Dias Baptista, de apenas 15 anos de idade, nome de guerra ‘Cláudio’ ou ‘Miguel’, e Mariano Joaquim, codinome ‘Loyola’, circularam por Brasília, Goiânia, Goiás. No ano de 1970. Os dois nunca mais foram vistos.

Marcos-Antonio-Dias-Baptista
Marcos-Antônio-Dias-Baptista
Mariano Joaquim da Silva _ Loyola
Mariano Joaquim da Silva _ Loyola

 

 

Exilado no Chile, Bélgica e Moçambique, o professor da Faculdade de Comunicação, da UFG, Juarez Ferraz de Maia, ex – presidente da UGES, band leader da Var – Palmares, aponta Alan Kardec Pimentel como o principal suspeito pela delação que levou à morte e desaparecimento do menino que a ditadura matou: Marcos Antônio Dias Baptista. Arredio, a sua opção é pelo silêncio. Gustavo Guimarães Barbosa não toca no tema. Jackson Pires Luiz Machado evita.

 

Maio de 1970. Os cinco primeiros a promover retratações. Marcos Vinício Fernandes, Massa­fu­mi Yoshinaga, Rômulo Romero. Não é um arrependimento piegas, alerta, em cadeia nacio­nal de Tv, Marcos Vinício Fernandes. É o desmascaramento do terrorismo, acusa Rômulo Ro­mero. O meu abandono do terrorismo se deu após uma reflexão, fuzila Massafumi Yoshina­ga, ex-Vanguarda Popular Revolucionária A organização de Carlos Lamarca. O capitão da guerrilha

 

Os renegados mentem. Ao declararem a inexistência de torturas. No Brasil. A palavra tortura era proibi­da. As propagandas da ditadura civil e militar insistiam. A paz se faz com quem ama o mesmo chão. Mais: Este é um País que vai pra frente! Assim como: Brasil_ ame-o ou deixe-o. Rômulo Romero Fontes e Marcos Venício Fernandes lançaram a ideia de escrever as car­tas. Palhaçada toda, definem. Inocentes úteis, diziam. “A serviço de interesses externos”.

 

Massafumi Yoshinaga informa que a sua entrega era um exemplo para que os jovens não entrem na ‘aventura idiota e sanguinária do terrorismo’. Solto, ele tentou duas vezes se matar. O arrependido foi encontrado enforcado em uma mangueira. Arrependimento forçado. Após sessões de torturas. O seu limite chegou. Em condições sub-humanas. Não possuía o controle da situação. Um depoimento. À Globo. É a saga de Celso Lungaretti. Da VPR. Em armas.

Celso Lungaretti
Celso Lungaretti

Rômulo Romero sai da cana, cursa Direito, vira jornalista de Folha da Tarde. O Diário O­fi­cial do DOI-CODI. Assim como montou o jornal integralista Ação Nacional. Marcos Vinício Fernandes parou na  Folha da Tarde. Marcos Alberto Martini é dono de fábrica de salsichas, lin­gui­ças e mor­ta­delas no Estado de São Paulo. Celso Lungaretti é jornalista, escritor, autor de Náu­frago da Utopia. Gustavo Guimarães Barbosa, jornalista. Manuel Henrique Ferreira morreu em 2014.

 

 

O que foi a ditadura civil e militar – 1964 – 1985

Imagem do Golpe de 1964 no Brasil
Imagem do Golpe de 1964 no Brasil

Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, marechal Humberto Castello Branco.

Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.

A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.

O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.

Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indí­genas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.

Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.

Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil e em Goiás, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.

O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, a Câmara Federal, o Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais.  Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve.

O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.

A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. O crime permanece até hoje, 2021, impune.

O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assas­sinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1983, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta Florestan Fernandes.

O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.

– Um passado que não passa.

 

 

Vejam os números

_ 479 mortos e desaparecidos

_ 1.700 trabalhadores rurais executados

_ 10 mil pessoas exiladas

_ Duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, denunciaram terem sido torturadas.

_ 6 mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos, executados, desaparecidos ou reformados

_ 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, com direito à reparação econômica. Civis e militares.

_ 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas

­_ Censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro

_ Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo Vandré…

_ Jornais destruídos

_ O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, a Câmara Federal, o Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais

_ Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados.

 

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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