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Crime sem castigo 

Vídeo: Juliana Dias Diniz e Guarany Neto

Renato Dias 

Eric Damasceno Kaji

Design gráfico e editorial

Brasil, mês de maio de 1970. O general do Exército, Emílio Garrastazu Médici, era um ditador no Palácio do Planalto. Tempos sombrios aqueles. De ditadura civil e militar no Brasil. O adolescente Marcos Antônio Dias Baptista, nascido em 7 de agosto de 1954, de apenas 15 anos de idade, é visto pela última vez. Pela mãe Maria de Campos Baptista. Uma mulher de face marcada pela dor.

Outubro de 2025. A União entrega a certidão de óbito retificada de Marcos Antônio Dias Baptista: 55 anos depois do seu sumiço. O pai Waldomiro Dias Baptista morreu atropelado em Goiânia dia 15 de outubro de 1992. Aos 86 anos. A mãe Maria de Campos Baptista faleceu em 15 de fevereiro de 2006, ao sair de Brasília. Aos 78 anos. A irmã Antônia Elizabeth parte em 3 de fevereiro de 2024.

Causa da morte não natural, aponta o documento. Violenta e causada pelo Estado Brasileiro em um contexto de perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964, registra a certidão de óbito. Com a Lei 9.140, a emissão retificada consolida mais um passo na Justiça de Transição. Da ditadura civil e militar à democracia.

Sem a devolução dos restos mortais não existe a possibilidade de elaboração do luto. De sua superação. Psicanalítica. Como anota Sigmund Freud [1856]. Ele é o fundador da Psicanálise. O luto é um patrimônio imaterial da humanidade. Já o desaparecimento sem corpo é crime de sequestro continuado. Não passível de anistia, graça, indulto ou perdão. A União deve identificar os autores do crime.

O líder estudantil secundarista, membro da FRE, integrante da VAR-PALMARES, havia passado em sua casa para pegar umas peças de roupas. A revolução já estaria próxima. Com os sinais de longa duração. Um recado seco emitido. É que ele faria um trabalho no campo. Uma guerrilha rural deveria incendiar o País. Com uma aliança operária e camponesa. Veja: tão sonhada pelos estudantes.

Mais: assim como por uma complexa miríade de organizações com projetos revolucionários. Ao seu lado Mariano Joaquim da Silva. Codinome: Loyola. Ativista das Ligas Camponesas que lembra Martin Luther King. Movimento pela reforma agrária na lei ou na marra. Fundado pelo advogado Francisco Julião. De Pernambuco. Com sólida presença do PORT, adepto de Leon Trotski, PCB e PCR..

Nível básico da Secretaria de Estado da Saúde, Maria de Campos Baptista e Waldomiro Dias Baptista, caminhoneiro, tiveram oito filhos. Os genitores e ainda os seus filhos não tinham ingressado no ensino superior. O pai era viúvo. Ele possuía dois rebentos. Da primeira união matrimonial. O casebre não tinha Tv, nem som, sequer assinatura de jornal, revista, calendário ou máquina fotográfica.

A fotografia era um artefato, produto, um fetiche narcísico caro. Sob o capitalismo tardio, dependente, periférico, excludente, subordinado ao centro mundial. Lógica estabelecida para não ser rompida. Não há registro da despedida. Muito menos de fugazes momentos felizes do garoto.  A pobreza do clã impedia. O que sobrou foi História Oral e imagens reencontradas na retina empoeirada da memória.

O script é prisão ilegal, tortura, em um corpo franzino de 15 anos, execução extrajudicial, desaparecimento forçado, pacto de silêncio na cadeia de comando da operação de repressão policial. Como nunca entregar nem documentos ou mesmo os despojos. É apostar na arma do esquecimento. No afeto do medo. O espantalho da violência do Estado para gerar insegurança. Aos que resistem.

“Não tenho lembranças do meu irmão Marcos Antônio Dias Baptista. Quando ele desapareceu em maio de 1970, sob a ditadura civil e militar, eu tinha apenas dois anos de idade. Nada nada restou na retina da memória. O ativista da VAR-Palmares sumiu. Para nunca mais voltar. Os seus restos mortais não foram entregues. Os responsáveis pela operação jamais acabaram identificados e processados. 55 anos depois do crime sem castigo: um passado que não passa”.

Itamar Correia – Desaparecido – Para Marcos Antônio Dias Baptista

O que foi a ditadura civil e militar 

Renato Dias 

Empossado após o fracasso imediato do autogolpe do presidente da República, Jânio da Silva Quadros, em 25 de agosto de 1961, e da tentativa de impedimento pelas Forças Armadas de sua chegada ao Palácio do Planalto, de 26 de agosto a 6 de setembro, o nacional-estatista João Belchior Marques Goulart assume o poder para ser deposto em 2 de abril de 1964. Em golpe de Estado civil e militar.

Fardados e civis derrubaram o Estado de Direito, cassam os mandatos de governadores de Estado, senadores, deputados federais e estaduais e até vereadores. Até 17 mil trabalhadores rurais são atingidos. Com 1700 mortes. Além de 12 mil óbitos de membros dos povos originários. Assim como 10 mil exilados, 479 mortos e desaparecidos e 19 bebês e crianças sequestrados.

Sob o Império e a República, o Brasil cultiva sólida tradição de golpes de Estado ou tentativas de abolição do Estado de Direito. A noite da agonia, em 12 de novembro de 1823, com o fechamento da Assembleia Constituinte, por Dom Pedro I, abre a janela. Em 15 de novembro de 1889, um monarquista Marechal Deodoro da Fonseca proclama a República e depõe Dom Pedro II.

Rodrigo Alves balança e não cai em 16 de novembro de 1904, na Primeira República. Revoltas militares sacodem em 5 de julho de 1922 e de 1924. Golpe de Estado civil e militar em 3 de outubro de 1930. Não é revolução. A ditadura do Estado Novo é instalada no dia 10 de novembro de 1937. Já ditador, Getúlio Vargas é deposto em 29 de outubro de 1945 e suicida em 24 de agosto de 1954.

Mais: Juscelino Kubitscheck sofre três tentativas de golpe: 1955, 1956 e 1959. Jânio da Silva Quadros tenta autogolpe em 25 de agosto de 1961. João Belchior Marques Goulart é derrubado em 2 de abril de 1964. AI-5, 13 de dezembro de 1968. Sylvio Frota ensaia golpe em 1977. Dilma Rousseff é alvo de golpe pós-moderno em 2016. Em 8 de janeiro de 2023 nova tentativa de golpe fracassa.

Chico Buarque, Apesar de você

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